Em busca de uma criação mais equilibrada com as mães, homens compartilham dúvidas e começam a discutir parentalidade em grupos destinados à paternidade
O debate sobre o papel do pai como alguém que cuida e não só ajuda na criação dos filhos é um dos principais temas de reflexão em grupos de pais. Mesmo assim, eles dizem que ainda é difícil encontrar outros homens dispostos a compartilhar as experiências da paternidade
São mais de 1,1 milhão de crianças que cresceram sem a presença paterna, ao menos no papel. O número, contabilizado desde 2016, é da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Do começo do ano até agora, foram mais de 110 mil bebês que não receberam o nome do pai na certidão de nascimento.
Num país com mais de 11 milhões de mães solo, a discussão sobre paternidade ativa e responsável é incipiente. Entre os pais que ficam, são poucos os que topam abrir um diálogo entre eles mesmos. “É muito raro encontrar essa troca entre os homens. Falar de paternidade e masculinidade ainda é complicado”, diz o professor Humberto Baltar.
Ao descobrir que seu filho Apolo, 4, estava a caminho, Baltar procurou alguns grupos de paternidade. “Como era ano eleitoral, toda vez que eu falava sobre isso, faziam piada. Diziam que era vitimismo ou ‘coisa de esquerda’. Não encontrei acolhimento.” Então, ele decidiu se unir a outros pais pretos para compartilhar as aflições de cuidar de uma criança em comum.
Foi para manter diálogos com outros pais e questionar os papéis sociais que o educador parental Thiago Queiroz, pai de quatro crianças, criou um site e o canal no YouTube “Paizinho Vírgula”, onde aborda temas relacionados à parentalidade. Para ele, a principal angústia ainda é a dificuldade de encontrar com quem falar sobre esses assuntos presencialmente. “É difícil encontrar homens que estejam dispostos a conversar de forma aberta, honesta e crítica sobre a paternidade. Mas são os homens que precisam criar mais espaços para conversar entre si.”
“Quando a gente cria um lugar para essa troca, a revolução existe”
Primeiro, Baltar começou a gerenciar um grupo de WhatsApp só de pais. Atualmente, ele coordena o coletivo “Pais Pretos Presentes”, que reúne mães e pais para refletirem e dialogarem sobre questões relacionadas à parentalidade, em especial a criação de filhos pretos, no contexto de uma sociedade racista.
“A partir do primeiro grupo, vi como a educação social e popular é importante. Pois, falamos de temas que não chegam à maior parte da população”, explica. Atualmente, os encontros presenciais e virtuais do coletivo tratam de assuntos como licença-paternidade, comunicação não violenta, disciplina positiva, criação com apego e a descaracterização dos papéis de gênero.
Queiroz também teve a intenção de criar um grupo de pais no WhatsApp, que depois virou um podcast e debandou para um canal maior com mais de 800 pais no aplicativo Telegram, para falar sobre paternidade.
“Lá é um lugar totalmente focado para falarmos de nossas experiências como pais. Os participantes se ajudam e se sentem seguros para compartilhar as dificuldades. Tem pai pedindo sugestão de programa para fazer com os filhos e até comentando promoções de fraldas”, conta. Mas, o grupo precisa de regras: não pode postar piadas, memes, discussão política e pornografia.
Dados da plataforma “Vale do cuidado” indicam que as mulheres são 85% das pessoas responsáveis pelos serviços de cuidado doméstico e dos filhos. Mesmo assim, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) mostra que, no Brasil, metade dos homens e das mulheres afirma cuidar de crianças e adolescentes dentro de casa.
Enquanto os homens dizem que as atividades mais realizadas com os filhos são “ler, jogar e brincar”, as mulheres fazem 4% mais as mesmas atividades e ainda carregam 10% a mais a função de ajudar nas tarefas escolares. Para mudar, ou pelo menos equilibrar a situação, Queiroz ressalta que cabe aos pais “pensar em estratégias e planos para desenvolver a função de cuidador efetivo na paternidade, e não só de ajudante ou de provedor”.
O caminho ainda é longo. Isso porque, a diferença em números entre homens e mulheres, no mundo todo, que relaciona as tarefas de cuidado ao fato de não conseguirem um emprego fora de casa é maior do que toda a população da América do Sul. A conclusão é do estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que apontou 606 milhões de mulheres ligadas a essa questão, enquanto 41 milhões de homens passam pela mesma situação.
Para Baltar, ampliar os espaços de discussão sobre paternidade é necessário para mudar a mentalidade “engessada” de que o cuidado é função exclusiva das mulheres.
“O homem não foi socializado para o cuidado. Desde menino, ele ganha uma espada, uma arma para se autoafirmar a partir da violência. Já a menina é que ganha o bebezinho e o kit de fogão. Por que nunca dão uma boneca para o menino aprender a dar banho, trocar fralda e paternar?”
A Constituição garante a licença-paternidade de apenas cinco dias a pais de recém- nascidos e pais por adoção. O benefício é um direito de trabalhadores registrados com carteira assinada, servidores públicos e profissionais autônomos que contribuem para a Previdência Social. Em 2016, a Lei 13.257 ampliou o período para mais 15 dias. Se a empresa faz parte do programa ”Empresa Cidadã”, o tempo pode ser prorrogado até 20 dias. Mas, para isso, é necessário apresentar um comprovante de participação no programa de orientação sobre paternidade responsável. Para pais que criam sozinhos os filhos, a licença pode ser de 180 dias.