Por que os pais que cuidam dos filhos são heróis ou viram piada?

Uma sociedade que aceita pais que "não dão conta de cuidar de seus filhos sozinhos"

Camilla Hoshino Publicado em 25.11.2016
Homem de joelhos penteia o cabelo de uma menina sentada numa cadeira

Resumo

Qual será a opinião dos pais que cuidam dos filhos sobre a forma como a paternidade é retratada? Será que esses pais se identificam com a imagem veiculada?

O que será que os pais acham da forma como são retratados na imprensa, nos blogs e nas redes sociais? Será que o perfil de pai e o modelo de paternidade disseminado nas redes sociais corresponde à vida real?

“Eu não me sinto representado. Na vida de um pai que está junto da cria, que assume a responsabilidade do cuidado, nem tudo é piada. Na verdade, a paternidade ativa não é nada glamourosa. Acordamos de noite, damos comida, estamos sujos e cansados”, conta Thiago Queiroz, pai e blogueiro.

Thiago, Diego, Hilan e Rodrigo são pais e blogueiros, cada um com seu trabalho, mas têm em comum o fato de usarem a internet para discutir temas ligados à paternidade e conectar pais para trocar experiências.

Thiago Queiroz tem o blog Paizinho, Virgula!, no qual aborda temas como criação com apego, disciplina positiva, comunicação não-violenta e parentalidade consciente, e o podcast Tricô de Pais, um programa que reúne homens para discutir paternidade; Diego Garcia, é videomaker, e criou o blog Quando Nasce um pai quando sua companheira ficou grávida, numa tentativa investigativa de se aproximar do universo da paternidade; Hilan Diener, toca o Potencial Gestante ao lado de sua mulher; e Robrigo Bueno é designer, e registra o dia a dia com suas filhas em caricaturas.

Assim como eles, há outros homens buscando se (re)construir enquanto pais, e que não se conectam e se identificam com a forma como os meios de comunicação abordam a paternidade.

Esses homens são uma minoria – a participação e a divisão de cuidados entre pais e mais ainda é uma novidade em muitas famílias. Para se ter uma ideia, até 2013, mais de 5,5 milhões de crianças brasileiras estavam registradas sem o nome do pai.

São homens que não aprenderam sobre o cuidado em sua criação e não tiveram referências de paternidade que envolvessem cuidados com os filhos. A psicanalista Gisela Haddad atribui às conquistas do movimento feminista dos anos 50 e 60 a contestação dos papéis das mulheres e dos homens relativos ao cuidado dos filhos vigentes e a aproximação dos homens do universo do cuidado.

“Este movimento começa a revelia dos homens, mas hoje tem sido apropriado por muitos. Com a desconstrução do papel da mãe por ‘natureza’ ficou muito difícil saber como se deve ser mãe, e o mesmo vale para os pais”, explica ela.

São homens que agora precisam rever seus próprios valores e estereótipos e não sabem como fazer isso. “Por não terem um modelo a seguir, ficam em busca de uma identidade parental que, no final das contas, precisa ser construída por cada um”, completa a psicanalista.

Mas, se de um lado eles estão perdidos e em busca de novas referências para a paternidade, de outro, estão inseridos em uma sociedade que aceita pais que “não dão conta de cuidar de seus filhos sozinhos”, e que, muitas vezes, aborda essa suposta incapacidade como motivo de piada.

Para Regina Madalozzo, pesquisadora na área de gênero e coordenadora do Mestrado Profissional em Economia do Insper, esse tipo de abordagem é sintomática. “É claro que o humor tem seu lugar – tanto com relação às mães como com relação aos pais -, o que me deixa incomodada é a frequência com que valorizamos ou expomos os pais como maus cuidadores ou como incompetentes. Existe uma diferença entre tipos de cuidado e formas de cuidado e ridicularizar o papel do pai cuidador”, afirma. 

Thiago Queiroz, destaca a importância da sociedade transformar seu olhar em relação à paternidade. “Enxergar o pai como um cuidador ativo: esse pai que precisa se ausentar alguns dias, ou sair cedo do trabalho, em função dos filhos, esse pai precisa ter apoio. Ele não precisa de chefes perguntando onde a mãe dos filhos dele está”.

Regina Madalozzo ainda aponta que há uma aproximação mais rápida das mulheres com a responsabilidade financeira do que dos homens com a responsabilidade familiar. “As duas serão necessárias para termos uma divisão igualitária das tarefas de cuidado”, diz.

Para Diego Garcia, a licença-paternidade é aspecto muito importante, e que precisa revisto. “Ela precisa ser igualada à licença-maternidade. O mercado de trabalho é um forte agente conservador das práticas machistas na sociedade. Enquanto o homem levar “vantagem” sobre a mulher pelo simples fato de que se ele tiver um filho ele não precisará se afastar do trabalho, não haverá uma mudança real na mentalidade geral”, disse. 

Em famílias que, cada vez mais, a responsabilidade financeira é dividida entre pais e mães, homens também sentem o peso de ter uma rotina com tempo restrito para dedicar aos filhos. “O grande desafio hoje para pais e mães é o mundo do trabalho. O tempo que gera riqueza não é o mesmo do crescimento e desenvolvimento dos filhos. Essa tem sido para mim a coisa mais difícil atualmente”, comenta Rodrigo Bueno.

Mas o que eles querem ler sobre a paternidade?

“Eu acho urgente se falar sobre o impacto social que é ser pai. Fala-se muito sobre o pai provedor, o trabalhador, mas não se fala sobre a potência da influencia paternal na formação do cidadão. Pai e mãe são os primeiros indivíduos políticos que um filho tem”, aponta Diego Garcia. 

Sobre a igualdade e novas paternidades, Rodrigo Bueno fecha com um recado para os pais: “Mais importante é encarar a igualdade de gênero como oportunidade de autonomia. Quando um homem se vê capaz de fazer o que a sociedade programou como atividade exclusivamente feminina, esse homem adquire força e independência”.

 

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