‘O que dizer à criança sobre a morte de sua mãe?’

A experiência de uma professora após o aluno perder a mãe nos dá algumas pistas de como conversar sobre a morte com as crianças

Um bebê está chorando. Atrás dele, há parte do rosto de uma mulher que usa óculos
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Resumo

Falar sobre morte com as crianças não é tarefa fácil. Mas, diante da tomada de consciência sobre a finitude da vida, o acolhimento é o elemento que não pode faltar.

Hoje recebi uma triste notícia: a mãe de S. (prefiro não identificar o seu nome), uma criança de 4 anos que estuda na escola em que trabalho, morreu. A tia de S. nos contou que a mãe dele “não está mais entre nós”, mas que ainda não havia falado nada para o menino.

Fiquei muito triste, não só pela perda dessa mulher, que se mostrou cuidadosa e zelosa, mas pelo sentimento que me invadiu em pensar que essa criança ainda não sabia o que realmente tinha acontecido com sua mãe.

No início do ano, devido à pandemia e à suspensão das aulas presenciais, o contato com essa mãe foi por meio de telefone e mensagens trocadas pelo WhatsApp. Ela contou à escola que precisava ficar de repouso por estar numa gravidez de alto risco e que por isso não poderia acompanhar as atividades de perto como gostaria. 

Diante da morte, de imediato pensei na literatura infantil para ajudar a família a lidar com essa dor tão grande e com o desafio de contar para S. sobre o que aconteceu à sua mãe. Encontrei “O livro do adeus”, de Todd Parr, que aborda o tema com delicadeza e sensibilidade. Depois, comecei a escrever, uma forma de lidar com o assunto dos órfãos desta pandemia, tão presente nos dias atuais, infelizmente.

  • Confira aqui outras sugestões de livros infantis para falar sobre a morte com as crianças

Quando um membro de uma família com crianças morre, tenho esse mesmo ímpeto de me colocar no lugar do pai ou da mãe que fica, tendo de lidar com a dor da perda e, ao mesmo tempo, acolher os sentimentos dos filhos. Não saber ao certo o que fazer é perturbador. Apesar de não ser fácil para ninguém, não podemos deixar de ter clareza e sensibilidade para abordar o assunto com as crianças. Então, o que dizer a S. sobre a morte de sua mãe?

Identifiquei algumas semelhanças nos artigos que li sobre o tema: devemos abordar a morte de acordo com o entendimento das crianças ou a partir das perguntas que nos fazem sobre o que está acontecendo à sua volta. Especialistas são unânimes em dizer que não devemos usar eufemismos, pois as crianças poderão se sentir confusas, inseguras ou criar expectativas falsas com frases como “sono profundo” e uma “viagem sem volta”.

O medo da morte nos faz evitar pronunciar o que ela é.

Seria falso acreditar que as crianças não entendem, que se distraem brincando e que acabam esquecendo. Por mais duro e difícil que seja, as crianças captam no ar que algo está acontecendo. Elas conseguem perceber a tristeza das pessoas, os olhos vermelhos, o choro constante e contínuo, e tudo mais que cerca o ambiente nesse momento.

No caso de S., ele ainda vê o bebê recém-nascido, que está sob os cuidados da avó. Sem saber ao certo de onde ele veio, sabe que provavelmente foi “daquela barriga” que sua mãe tinha e a fazia ficar mais deitada do que antes. Logo, logo, formulará a pergunta: “onde está a minha mãe?”.

Depois da minha pesquisa, penso que posso contribuir com essa família e com pessoas que passam pela mesma dor (e apaziguar a minha também). É preciso dizer às crianças que a morte faz parte de um processo natural da vida. Elas têm o direito de saber o que aconteceu.

Adiar a fala sobre a morte de uma pessoa tão querida é tão doloroso quanto não falar.

Quando nos recusamos a falar com a criança sobre a morte, estamos negando a ela a possibilidade de alcançar um processo inevitável que é a tomada de consciência sobre a finitude da vida. Não falar, silenciar ou negar respostas às crianças apenas gera mais desconforto e dor, para ela e para todos à sua volta. Ao nos furtarmos desse encontro, podemos até fazê-la se sentir insegura, impotente, criando fantasias mais dolorosas do que a realidade e inclusive podendo se culpar pelo que aconteceu com a pessoa amada.

Vamos ouvir a criança e convidá-la para uma conversa: “O que você está sentindo?”

Por outro lado, acolher os sentimentos dessa criança fará com que ela se sinta amada, cuidada e, acima de tudo, protegida para experimentar a dor, a perda, a tristeza, o medo, a saudade. Cabe a nós, familiares, educadores e amigos, escutar o que a criança tem a dizer, entender o que quer saber, compartilhar os sentimentos, mostrando-nos também impotentes diante da vida, mas disponíveis para cuidar dela.

Experiências precoces sobre a morte não podem ser suprimidas. Estar presente e cuidando da criança, ajudando-a a entender minimamente o que está se passando é o que podemos fazer de melhor por ela nesse momento.

Sem receitas prontas de como abordar a morte com uma criança, é no caminhar da vida que vamos poder “trocar a dor da perda pela alegria das lembranças”, como escreveu Frei Betto, no livro “Começo, meio e fim”. São as lembranças que acalentam o coração e confortam a imensa saudade…

* O texto original foi escrito por Eliane Marques Daher Chedier, diretora do Centro de Educação Infantil Sagrada Família da Rede Municipal de Ensino de Petrópolis (RJ), psicóloga e psicanalista, e mãe do Emanuel e do Felipe. A publicação na íntegra está no site do Avisalá.

** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

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