Manias: todo mundo tem, as crianças também. Quando se preocupar?

Especialistas explicam quando é normal que as crianças tenham mania e indicam caminhos para lidar com aqueles comportamentos que podem prejudicar as crianças

Cintia Ferreira Publicado em 12.01.2021
Manias das crianças: foto em preto e branco de dois meninos, em cima de cestos sobre skates imitando carrinhos, apostam uma corrida. Ambos usam um capacete feito de casca de melancia, e óculos de corrida.
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Resumo

Assim como os adultos, as crianças têm certas manias. Na maioria dos casos, isso é normal e some com o tempo. Mas, quando começam a causar sofrimento ou a prejudicar o cotidiano, é aconselhável o acompanhamento médico e terapêutico.

De repente a criança lança para si mesma o desafio: não pode pisar nas linhas do chão da rua. A outra rói as unhas da mão toda vez que está ociosa (ou ansiosa!). Uma terceira morde a tampa da caneta quando está desenhando. Todas elas estão lidando com algo que é tão comum quanto comer e dormir: as manias. Esses “hábitos” chegam de mansinho, e os pais não entendem onde tudo começou. Às vezes, demoram a sumir, isso quando somem. Mas, afinal, é normal que as crianças tenham manias? E quando é hora de se preocupar?

O que são as manias?

Para início de conversa, todo mundo tem mania. Você que lê o texto agora certamente vai se lembrar de alguma. Pode ser que te incomode, pode ser que seja reconfortante, estranha, íntima, enfim. Isso acontece na infância também. “Podemos dizer que toda criança tem manias, que podem estar associadas às experiências vividas por ela, no decorrer do seu desenvolvimento. Ou que possam ter sido aprendidas por convivência com outras pessoas próximas, no processo conhecido como aprendizagem por espelhamento”, explica a psicóloga Fernanda Dantas.

Entre as manias mais comuns das crianças, a especialista destaca o hábito de roer unhas, organizar brinquedos e outros materiais em fila. Também balançar pés ou mãos quando estão distraídas, criar desafios como o de não pisar em linhas no chão, separar a comida no prato, entre outros. Um dos costumes infantis mais conhecidos é adotar um paninho para dormir e sair com ele para todo lado. 

É o caso do Miguel, de 9 anos. A mãe dele, Vasti Gimenez, que mora em São Caetano do Sul, conta que esse hábito existe desde que o menino era muito novo. “Essa é uma mania que nos chama atenção. Ele dorme com o mesmo cobertorzinho desde recém-nascido. Pode estar o calor que for, ele se agarra com a ‘Bé’, o nome que ele usa para se referir a essa coberta. E fica esfregando as bordas do cobertor com os dedinhos, até adormecer”, diz.

Como nascem esses hábitos?

Para entender um pouco sobre como surgem esses hábitos, é importante observar o que está por trás deles. As manias se caracterizam por ações repetitivas, feitas inconscientemente, que envolvem algum tipo de emoção. A criança pode estar enfrentando um sentimento que não sabe lidar, como ansiedade, e adotar ações, como roer unhas.

“É comum crianças terem fixações mentais ou rituais temporários. O que vai determinar se há um quadro que necessita de avaliação é a persistência do sintoma incômodo”

A explicação é do psiquiatra e preceptor em saúde mental, Victor Pablo Ferreira. Segundo ele, crianças com temperamento mais inseguro ou que expressam pouco suas emoções podem desenvolver pensamentos obsessivos, principalmente se apresentarem inibição social e medo de ficarem distantes dos pais. 

Segundo os especialistas, é preciso cuidado para não cair na patologização. Manias são absolutamente normais, e só deixam de ser quando começam a trazer sofrimento.

Será que tem algo errado acontecendo?

“As manias podem começar a virar um problema, quando prejudicam ou atrapalham o andamento do cotidiano”, explica Fernanda Dantas. 

“Todo comportamento que limitar a criança em tarefas do dia a dia e causar prejuízos pode ser visto como algo mais sério e que precisa ser investigado”

Alguns sinais ajudam na identificação de que há algo mais grave: checagens de repetição, rituais que levam horas para serem concluídos, acumular objetos, arrancar fios de cabelo ou no corpo (tricotilomania) e machucar a pele (escoriação) são alguns indicativos. “A criança ou o jovem podem perder mais de uma hora por dia exercendo essas atividades ou mesmo evitando certas situações”, detalha o psiquiatra.

Transtornos relacionados a sintomas obsessivos, compulsivos, de acumulação, escoriação e evitação tendem a afetar 2,7% da população. A maior parte desses quadros se inicia após os 14 anos. Apenas 0,8% das pessoas desenvolvem tais problemas na infância (Fonte: Manual Diagnóstico Estatístico 5 – American Psychiatric Association, 2013).

“O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é conhecido, originalmente, como a ‘doença do segredo’, pois as pessoas tendem a camuflar esses rituais mentais e comportamentais na rotina, dormindo mais tarde ou acordando mais cedo para realizá-los sem serem repreendidos”, destaca Victor.

As manias características do TOC e de outros transtornos relacionados, como acumulação de objetos, dismorfia corporal, tricotilomania e escoriações, que ocorrem em crianças entre três e oito anos, podem estar relacionadas a ansiedade de afastamento dos pais. Podem ainda emergir em núcleos familiares superprotetores ou com necessidade de controle excessivo. Nesses casos, os pais devem procurar ajuda médica, caso percebam que alguma mania está causando dificuldades à criança e não sabem como ajudá-la. 

“Os familiares precisam passar por orientação e olhar para seu próprio comportamento. Pois esses sintomas tendem a induzir nos pais atitudes que reforçam a manutenção de reações de inibição e ‘zonas de conforto’ para todos”, afirma o psiquiatra.

Como lidar com as manias das crianças

Nos outros casos, que representam a absoluta maioria das situações, vale uma observação mais detalhada sobre a origem da mania, ao invés de tentar parar determinado hábito. “Os pais não podem esquecer que as crianças estão em desenvolvimento e aprendendo a lidar com suas emoções e comportamento. Por isso, devem ter paciência e compreender que cada uma delas é única e vai aprender a se comportar de modo distinto”, avalia Fernanda. 

“Entender como a criança é e por que ela está desenvolvendo a mania é mais eficaz do que corrigi-la em algo que ela mesma não compreende”

É o que faz a mãe do Miguel. “No caso desse cobertor, que ele sempre usa, eu não me preocupo. Acho até fofo, me lembra o Lino, do Snoopy”, brinca Vanti. Segundo ela, a família até já tentou trocar a peça por outra parecida, mas não adiantou. Para limpá-la, é preciso um trabalho de muita precisão: a manta tem que ser lavada quando está muito calor para secar no mesmo dia. Nas viagens, a coberta também vai. “Engraçado que eu mesma não sou de manias, apesar de dormir coberta até no calor. Mas diferente do meu filho, pode ser qualquer coberta”, encerra achando graça.

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