‘Manaus, prenúncio do que pode acontecer no resto do país’

‘Em nenhum dos meus pesadelos eu poderia imaginar um cenário tão extenuante, doentio, cansativo e prolongado como este’

Claudia Carnevskis Publicado em 15.01.2021
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Resumo

A mãe e educadora Claudia Carnevskis relata a situação que está vivendo em Manaus, nesses dias em que falta até oxigênio para as pessoas internadas por Covid-19. 'Os sentimentos predominantes são a impotência e a indignação.'

Como tantas pessoas, subestimei o que seria a Covid-19 no Brasil e em Manaus, onde resido. Hoje, tento recordar os motivos que me levaram a ser tão otimista (e até relapsa) com relação ao que estava por vir. 

Em nenhum dos meus pesadelos eu poderia imaginar um cenário tão extenuante, doentio, cansativo e prolongado como este.

Grande fã de filmes de apocalipse e zumbis, talvez eu tenha fantasiado uma realidade hollywoodiana em que os contaminados seriam monitorados. Depois, fantasiei que o isolamento de duas semanas seria apenas duas semanas mesmo e que minha família seria poupada de tragédias dessa ordem. Mas perdi amigos e perdi também uma tia, logo no início da pandemia.  

Em março, tudo fechou. As crianças que, pela primeira vez, estavam estudando em período integral e em regime remoto, se trancaram em casa comigo. Para elas, a sensação de isolamento e solidão são vivenciadas de forma ainda mais intensa. 

Criar crianças num apartamento com as janelas voltadas para a avenida do hospital de campanha de Manaus foi simplesmente enlouquecedor.

O barulho de sirenes e escapamentos de moto foram a trilha sonora dos meses que se seguiram. Minha filha Anita, de 10 anos,  entrou precocemente na adolescência, tivemos problemas relacionados ao comportamento dela e sua relação “virtualizada” com outras crianças. Além disso, ela começou a ter amigos virtuais nada confiáveis nos jogos on-line. Passamos por tantas fases que parece que vivemos uma vida em apenas dez meses. Até que um dia, Anita desabafou: “Mãe, as pessoas não gostam mais de mim, não conversam mais comigo”.

A escola foi um capítulo à parte: lições que chegavam nas mais diversas plataformas, apostilas não disponíveis, conversas mal formuladas e uma mãe que ora forçava as crianças a estudarem, ora deixava tudo correr solto.

Novamente sonhadora, vi na possibilidade de vacinação uma luz no fim do túnel…

Mas vejo tudo acontecer outra vez em Manaus, com cenas ainda mais desoladoras do que os piores momentos que vivemos em 2020. 

Sinto que estou em um looping insano e mortal.

Desde o começo da semana, há notícias sobre a falta de oxigênio nos hospitais em Manaus – a cidade oferece os únicos leitos de UTI para atender todo o estado -, mas só agora o resto do Brasil parece ter despertado para o que acontece aqui. Por que as notícias do Norte não recebem tanta atenção?

As mortes e internações são contabilizadas a cada minuto e o número de casos não para de subir. Nos últimos três dias, acompanhar o recorde de enterros, a cidade em um cenário de guerra e, ao mesmo tempo, ver pessoas contando moedas para fazer vaquinha e comprar cilindros de oxigênio é estarrecedor.

Triste é também presenciar as crianças passando por isso, ainda tão pequenas, com estas notícias que nos assolam todos os dias, sem conseguir ter tanta noção do que isso significa. Embora sejamos adultos, tampouco temos noção do que está acontecendo de fato.

Os sentimentos predominantes são a impotência de não saber para onde seguir e a indignação de ver pessoas que minimizam o vírus, tão alheias à realidade. O negacionismo me deixa atordoada.

Se antes eu achava que não podia piorar, agora eu tenho medo de repetir esse desejo e vir algo pior. A sensação é de cair em um poço sem fundo. Muitos estão resumindo a situação apenas ao Estado do Amazonas e não percebem que este parece ser um prenúncio para o que pode acontecer em outras regiões do Brasil. 

Quero acreditar que as coisas vão dar certo, que teremos vacina e que minhas crianças voltarão às aulas e reintegrarão seus círculos sociais. Que isso tudo não tenha o mesmo fim de um filme apocalíptico.

* Claudia Carnevskis é professora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mãe da Anita, 10 anos, e Heitor, 5 anos 

** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Lunetas.

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