3 histórias de mulheres que realizaram sonhos após a maternidade

Elas encontraram novos jeitos de se reconectar com suas individualidades - seja a bordo de um veleiro, na vida acadêmica ou começando um negócio

Heloisa Lazaro Fantini Publicado em 22.04.2024
Fotomontagem com imagens de três mulheres que realizaram sonhos após a maternidade. Da esquerda para a direita: uma mulher usa shorts jeans, camiseta, óculos e lenço vermelho no cabelo; uma mulher com um bebê a bordo de um barco no mar; e uma mulher de vestido e tênis caminha ao lado de um menino que veste preto.
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Resumo

Será que ainda dá tempo de as mães sonharem? Conversamos com três mulheres que realizaram novos sonhos após a maternidade.

A maternidade pode não ser o único nem o maior sonho da vida de uma mulher. Longe das idealizações de que essa fase é só mil maravilhas, uma porção de mulheres tenta se reconectar com suas individualidades e recuperar, assim, suas vontades próprias após o nascimento dos filhos. Afinal, tornar-se mãe não significa abandonar outros sonhos.

A seguir, o Lunetas conta três histórias inspiradoras de mães que alcançaram novos objetivos durante ou após a maternidade. Confira!

“Será que ainda dá tempo de realizar meus sonhos?”

  • Aventura

A liberdade no cais, por Livia Cattaruzzi, advogada

“Durante os primeiros meses do Caetano, senti que tinha virado mãe e que nunca mais seria vista de outra forma.”

Eu jamais vou esquecer a sensação de voltar a me sentir livre novamente. Quando o Caetano nasceu, senti que tinha virado mãe e que nunca mais seria vista de outra forma. Mas, isso logo mudou. Um pouco antes da gravidez, eu e o Dani, meu marido, havíamos decidido viver um sonho antigo de largar São Paulo e embarcar a bordo de um veleiro, em meados de 2021. Era maio de 2023, Caetano tinha 8 meses e saímos para a nossa primeira travessia. Ficamos 18 horas navegando no Rio de Janeiro. Foi muito emocionante realizar esse sonho no barco que é a nossa casa.

Em novembro do mesmo ano, decidimos fazer nossa segunda travessia. Dessa vez, de Paraty (onde o nosso barco fica atracado) até Itajaí, em Santa Catarina. Foram sete dias, com algumas paradas para pernoitar. Caetano, então com um ano e dois meses, já andava. Isso, sem dúvidas, tornou as coisas mais desafiadoras. Era preciso explicar que ele não podia, por exemplo, caminhar pelo convés do barco sem um colete salva-vidas. Além disso, na maior parte do tempo dentro do veleiro, somos só nós três, sem nenhuma rede de apoio. Então, foi realmente complexo conciliar a exaustão dos cuidados com ele e o desgaste físico e emocional que são naturais de uma viagem como essa.

Mas, ao atracar o veleiro no cais, uma sensação muito especial tomou conta. Uma mistura de alívio e de plena potência me fez perceber que eu não sou refém da função de ser mãe do Caetano. Continuo sendo a Livia realizando um sonho individual.

Livia e o pequeno Caetano, em viagem entre Ilhabela e Santos, no convés do “veleiro-casa”, Carcamano
  • Vida acadêmica

O corpo não é apenas um abrigo, por Thais Cohen, advogada e empresária

“Fui convidada para palestrar em Paris, recebi um prêmio de Mulher Inspiradora do ano e fui destaque na Forbes.”

Durante a faculdade, muito antes de engravidar do Arthur, sonhava em estudar direito nos Estados Unidos lendo os livros de Erwin Chemerinsky, um dos maiores juristas da atualidade. Sonhava um dia participar de uma obra de que ele fizesse parte. Quando meu menino tinha menos de um ano, completei meu mestrado em Berkeley, na Califórnia, e, ainda lá, convidei Erwin para escrever o prefácio de um livro que foi lançado ano passado. Foi um primeiro sonho realizado. Mas não parou por aí…

Sou advogada especialista em mercado de carbono e políticas de sustentabilidade, em Manaus. Um dia, meu filho acordou de madrugada tossindo por conta da fumaça das queimadas na floresta. Incrédula com toda essa violência, decidi fazer um relato que viralizou nas redes sociais. Depois disso, fui convidada a palestrar em Paris, recebi um prêmio de Mulher Inspiradora do ano e fui destaque na Forbes. Foram muitos sonhos se realizando ao mesmo tempo.

Existe uma Thais antes e após a maternidade. Brinco que não sei se foi o Arthur que nasceu de mim ou se fui eu quem renasceu por ele. Mas nem tudo são flores nessa jornada. Ainda que eu tenha tido a sorte de contar com a rede de apoio incrível dos meus pais – privilégio que nem toda mãe solo tem – por muitas vezes, me senti culpada. Não importa o quão empoderada você seja, o quanto você se dedique ao seu filho, a culpa sempre vai vir. Ela nasce das vozes que vivem desde cedo em nossas cabeças, vozes que nos assombram quando estamos no trabalho sem nossos filhos, ou quando estamos com nossos filhos e não conseguimos dedicar mais tempo ao trabalho.

Estava sempre tão focada em conciliar minha carreira com a maternidade que certo dia me perguntaram o que eu gostava de fazer nas horas vagas e eu respondi: “sabe que eu não sei mais do que eu gosto?” É engraçado porque, de fato, eu nunca deixei de enxergar a Thais profissional. Mas levou um tempo para que eu entendesse que ainda existia a Thais mulher. O reencontro com a minha individualidade só veio depois de mais de um ano do nascimento do Arthur, quando voltei a fazer exercícios físicos. Demorei para entender que meu corpo não era apenas um abrigo.

Nos corredores da Berkeley Law, universidade onde realizou seu mestrado, a advogada Thais caminha ao lado do filho, Arthur.
  • Empreendedorismo

A redescoberta continua, por Ellen Borges, a “Nega Lize”, empreendedora

“Quando me vi mãe de dois e refleti sobre tudo o que eu estava dando conta, pensei: ‘Eu sou zika.’”

O processo de me ver como mulher além de mãe teve grande importância na minha vida. Me separei após 13 anos, quando consegui ver que aquela situação já não fazia sentido. Eu sou mãe de Dominique, que infelizmente faleceu em um acidente antes de completar 3 anos, e do Otto, hoje com 4 anos. Quando eu estava, finalmente, me redescobrindo da minha primeira filha, eu engravidei novamente. Depois do acidente, fiquei muito tempo acamada, nem consegui pensar em mim mesma em meio ao caos.

No puerpério do Otto, me vi mãe de dois e refleti sobre tudo o que eu estava dando conta. Então, pensei: “Eu sou zika” – uma gíria que a gente usa na quebrada, em São Paulo. Foi aí que tive a ideia de criar a marca “Mãe Zika”. Comecei estampando uma caneca que fiz pra mim, aí uma amiga viu e quis, outra também e assim foi indo… Meus filhos trouxeram a “Mãe Zika” e ela só continua três anos depois por conta deles.

Então, foi após a maternidade que realizei o sonho de empreender. Esse sonho, que já existia antes, precisou sair do papel exatamente pela dificuldade que encontrei de retornar ao mercado de trabalho. Essa é uma realidade muito cruel para as mães. Assim, parece que quando uma mulher tem filho ela começa a ser vista como incapaz de exercer qualquer outra função que não seja a maternidade.

Acho o termo “mãezinha” completamente pejorativo, porque diminui todo o corre das mães. Costumo dizer que a sociedade odeia mulheres, mas odeia ainda mais as mães. Por isso, é importante que a gente corra atrás do que é nosso e tente ser o melhor que puder, sem se cobrar tanto.

É muito difícil conciliar a mulher empreendedora com a mãe. Preciso dar conta das duas funções, sem rede de apoio. O pensamento de desistência vem todos os dias, não dá pra romantizar. Mas o que me impulsiona a continuar é o meu filho. Sei que estou construindo algo para nós e, mesmo não sendo muito, é o suficiente pra gente.

Mas, hoje, posso dizer que redescobri minha individualidade: consigo me ver me reconectando com a Nega que eu era antes de ser mãe, lembrando do que eu gosto, sentindo prazer em fazer as coisas que eu fazia. Sinto muita gratidão por esse meu período de redescoberta que, inclusive, ainda está acontecendo…

Inspirada pela relação com os filhos, “Nega Lize” apostou no empreendedorismo porque era um sonho, mas também pela dificuldade de retornar ao mercado de trabalho

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