Iniciativas do governo e sociedade defendem a ampliação da licença-paternidade e a mudança cultural para que homens se envolvam no cuidado dos filhos
Há pelo menos dois Projetos de Lei que preveem aumento da licença-paternidade no país. Mas será que os homens estão interessados em ser pais presentes? O Lunetas conversou com pais e especialistas a respeito do assunto.
Atualmente, diversas iniciativas no país discutem como os homens podem ser mais ativos na criação dos filhos, para que cada criança tenha um pai presente. “Os pais que tiram licença-paternidade ampliada tendem a manter um envolvimento mais ativo na criação dos filhos ao longo dos anos, o que traz benefícios duradouros para as famílias”, explica Camila Bruzi, presidente e co-fundadora da Coalizão Licença Paternidade (CoPai), criada em 2023, a partir da união de 10 organizações.
Além disso, “estender a licença-paternidade não só distribui as responsabilidades, como ajuda a reduzir a perda de renda das mulheres, fortalece os vínculos familiares e contribui para um desenvolvimento infantil mais saudável”, complementa Camila.
Mas apesar dos benefícios, será que a sociedade está contribuindo para essa mudança? E será que os homens estão realmente interessados em serem pais participativos, dividindo as responsabilidades de cuidado?
No Brasil, o primeiro impeditivo para essa participação é o tempo da licença-paternidade. A Constituição Federal e a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) asseguram que todo trabalhador tem direito a cinco dias corridos de licença-paternidade, a contar do momento do nascimento do bebê. Funcionários que trabalham em locais que aderiram ao Programa Empresa Cidadã têm até 20 dias de licença, assim como funcionários públicos. Porém, apenas 1% das empresas participam dessa modalidade.
O engenheiro de dados, Alex Ferreira, conta que conseguiu emendar uma semana de licença-paternidade no nascimento do primeiro filho, Benjamim, hoje com três anos. “Ele nasceu na segunda e eu não trabalho no fim de semana”, recorda. Já com o segundo, Levi, de três meses, o tempo não foi suficiente, pois o filho precisou ficar na UTI ao nascer. “Foi mais tenso e voltar para casa com ele foi um alívio”, confessa. Hoje, por trabalhar em home-office, Alex consegue dividir as tarefas de cuidado com a esposa Jussara Gomes.
Na casa do Apolo, 5, a presença do pai também é forte. “Foi lindo e potente demais poder exercer minha ‘paternagem’ desde a primeiríssima infância, conforme ensina a ancestralidade africana”, afirma o consultor de ESG e professor Humberto Santos. Ao lado da esposa, Thainá Baltar, Humberto fundou o Coletivo Pais Pretos Presentes.
Pensando na relevância dessa presença do pai nos primeiros dias de vida dos bebês, algumas iniciativas políticas buscam a ampliação da licença-paternidade. O Projeto de Lei 3773/2023, no Senado Federal, é o mais avançado nessa mobilização. Aprovado na Comissão de Direitos Humanos, o PL ainda precisa passar pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, a de Assuntos Econômicos e a de Assuntos Sociais.
Com objetivo semelhante, o PL 6216/2023, da Câmara dos Deputados, propõe ampliar progressivamente a licença-paternidade, começando com 30 dias, aumentando para 45, até chegar a 60 dias ao longo de quatro anos. Esse projeto aguarda liberação para sua tramitação.
Um dos grupos que mais pressionam essa discussão é a CoPai. Hoje, a coalizão conta com mais de 90 organizações signatárias e lidera a Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade (FPLP), que busca fortalecer as discussões sobre a regulamentação da licença-paternidade ampliada. “Conseguimos unir representantes de diversos espectros políticos”, celebra a presidente.
Camila detalha ainda que, em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do Congresso Nacional na regulamentação da licença-paternidade, o que levou a estipular o prazo de até junho de 2025 para concluir a regulamentação. “Para avançarmos, é fundamental que os parlamentares acelerem as tramitações e que o Governo Federal priorize essa pauta, oficialize seu apoio e se engaje”, defende Camila.
Embora haja adesão, a ampliação da licença-paternidade enfrenta alguns obstáculos, entre eles o cultural. “Ainda colocamos nos ombros das mulheres o protagonismo do cuidado. A justificativa passa por argumentos religiosos, falsos argumentos ligados à biologia e natureza humana, econômicas e financeiras”, avalia Leandro Ziottoo, fundador da 4daddy, e pai afetivo de Vini, 15.
“A cultura machista afasta os homens de participarem ativamente de atividades domésticas e de cuidados, colocando-os em um papel secundário, onde não há responsabilização, nem legal, nem moral”, diz o fundador da 4daddy.
A 4daddy é uma consultoria que atua nos eixos da economia de cuidado, equidade de gênero e combate às violências e assédios de gênero. Ela teve início quando Leandro passou a cuidar de Vini, com três anos na época.
Leandro aponta, ainda, um obstáculo institucional. “Há poucas leis, políticas e mecanismos públicos que incluam, instrumentalizem e responsabilizem os homens pelas atividades de cuidado”. Ele cita o Pré-Natal do Parceiro, diretriz do Ministério da Saúde, como “uma janela de oportunidade” para orientar os homens sobre cuidados, saúde e primeira infância.
“Homens que cuidam, saberão cuidar melhor de si, das pessoas, da comunidade, dos trabalhos que exercem, do planeta. Nada é mais revolucionário do que o cuidado”, defende o pai do Vini.
Muitos homens concordam com a ampliação da licença-paternidade, embora achem a medida insuficiente. “Eu não sei bem se os pais teriam uma maturidade para entender esse período”, afirma Alex. “Poderia ser que todo o trabalho continuasse nas costas da mulher, como normalmente já fica”, complementa.
Já Humberto lembra que em cinco dias “mal dá para cumprir a obrigação legal do registro da criança”. No seu caso, ele conseguiu 20 dias de licença e hoje tem redução de 50% da jornada de trabalho pelo fato de Apolo estar no espectro autista. Por isso, ele consegue acompanhá-lo na escola e em todos os atendimentos terapêuticos e atividades, como judô e natação. “No entanto, a disponibilidade de tempo não me parece o fator decisivo para que nós, homens, possamos exercer uma paternidade ativa, afetiva e efetiva”, diz.
“Entendo que a extensão de tempo apenas, sem disponibilidade de repertório emocional, parental, racial e ancestral é insuficiente”, observa Humberto.
Embora o assunto esteja em pauta e com projetos bem encaminhados no Congresso, a mudança cultural ainda é bem tímida, de acordo com os pais entrevistados. No entanto, iniciativas como a do Coletivo Pai Preto Presente, 4Daddy e CoPai mostram que há caminhos para a transformação. “Eu acho que é uma mudança lenta e não gradual, como um barco remando de um lado para outro. Ao mesmo tempo que ele sobe, volta um pouquinho, depois continua”, avalia Alex.
Já o fundador da 4Daddy lembra ainda que é necessária uma reestruturação nas relações de trabalho e econômicas atuais e um enfrentamento de relações de poder. “A desigualdade nos papéis de cuidado mantém uma estrutura que beneficia economicamente um grupo sobre o outro” avalia Leandro.
Atualmente, inúmeros estudos já indicam a importância da paternidade ativa.“Quando olhamos estatísticas de jovens que dão mais problemas na escola, que abandonam os estudos, que vão para a criminalidade, na vasta maioria das vezes, eles não tiveram pais presentes na sua criação”, analisa Camila.
“Mais do que ter um “pai presente numa configuração familiar heteronormativa” é necessário ter mais homens cuidando”, ressalta Leandro.
“Há uma riqueza no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças que são cuidadas por uma diversidade de adultos. Isto é, de gênero, personalidades, jeitos de cuidar, experiência e saberes diferentes”, diz. “Não devemos criar nossos filhos para a diversidade, mas sim na diversidade”.
O movimento pela paternidade “ativa, afetiva e efetiva”, como defende Humberto, não deve ser individual. “É necessário que a sociedade civil, o terceiro setor, a iniciativa privada e as políticas públicas se unam em prol da promoção do letramento racial dos homens e educação parental daqueles que não tiveram referências positivas de paternidade acolhedora e precisam desse repertório para que possam romper o ciclo de masculinidades violentas repetido pelas gerações anteriores.”
Alex observa o poder transformador de estar perto das crianças. “É como parar um pouco o tempo, sabe? Foram poucas as vezes que consegui viver o presente e acho que ser pai me trouxe isso”. Para os pais recentes, o engenheiro de dados dá um conselho: “Aproveite seu bebê, sua criança. Vai passar rápido. É engrandecedor, enquanto ser humano”, encerra, ao mesmo tempo que ouve ao fundo a voz do bebê chamando “pai”.
Apoio popular
De acordo com estudo realizado pela CoPai, 92% dos brasileiros apoiam o projeto de lei que aumenta o tempo de licença-paternidade. A pesquisa mostra ainda que 80% das pessoas consideram importante a participação do pai para o desenvolvimento da criança e que homens e mulheres deveriam compartilhar responsabilidades na criação dos filhos. O argumento mais forte para esse apoio é o “suporte à mãe” (71%), “fortalecimento dos laços familiares” (71%) e o “direito da criança ter mãe e pai presentes” (70%). No que diz respeito à perspectiva feminina, 81% das entrevistadas veem positivamente a participação dos pais na criação dos filhos e 82% consideram fundamental o apoio e presença do pai nos primeiros dias e semanas de vida do bebê.