“Mãos” mostra que o amor e o afeto podem transformar olhares e superar preconceitos
Em seu novo livro “Mãos”, Kiusam de Oliveira, em parceria com Natália Gregorini, apresenta a história de Orion, filho adotivo de um casal homoafetivo. Diante do preconceito, ele busca no amor que recebe de seus pais e de sua professora a coragem para inspirar mudanças.
Orion é um menino alegre que, ainda pequeno, foi adotado por Paulo e Pedro. Cresceu em um lar cercado de amor e acolhimento. Em um trabalho para a aula de artes, escolheu falar das mãos, inspirado pelas de seus pais, especialistas em produzir carinho e fazê-lo sentir-se amado. Dias antes da apresentação, um episódio na escola tira o brilho de seu olhar: ouviu de outras crianças que não era gente porque tinha dois pais. Essa é a história contada em “Mãos” (Companhia das Letrinhas), nova obra da autora Kiusam de Oliveira, em parceria com a ilustradora Natália Gregorini.
Assim como Orion, no Brasil, há 1.324 crianças adotadas por famílias homoafetivas desde 2019, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Embora o percentual esteja aumentando, corresponde a menos de 6% do total de adoções no mesmo período. Isso porque ainda há muitos tabus e preconceitos em torno da adoção homoafetiva.
“A educação brasileira precisa discutir outras formas de famílias, porque é muito violento o que crianças de casais homoafetivos vivenciam”, defende Kiusam.
Para ela, a literatura é um importante instrumento para essa discussão. Com delicadeza, o texto então apresenta como os pais se relacionam e como dão amor ao seu filho, junto de outros membros da família. As ilustrações de Natália Gregorini colorem os afetos, mostram a singularidade dos personagens e expandem a amorosidade presente nos gestos e detalhes desta família, que é como muitas.
Com a ajuda de sua professora Glorinha e de seus pais, Paulo e Pedro, Orion faz uma grande descoberta: o poder de suas mãos pode transformar o mundo. Diante do impacto do preconceito, algumas crianças se recolhem. Não foi o caso de Orion, que encontrou o poder das mãos que acolhem, incentivam e encorajam.. Assim, “Mãos” fala dos laços construídos com amor e como eles podem combater a intolerância.
“Hoje eu quero falar sobre as mãos. Observei que elas podem ser poderosas. Podem fazer as pessoas chorarem, mas também podem escolher amar. Quando somos tocados por esse amor, sentimos confiança e alegria. Quando tocamos as pessoas com amor, transformamos o mundo delas!”
Repleto de simbologia, o livro é também uma homenagem da autora à educação brasileira, trazendo uma personagem de sua infância para transformar a história de Orion, assim como transformou a sua. Foi na professora Glorinha que a menina Kiusam encontrou apoio e acolhida como criança negra dentro de uma escola majoritariamente branca para enfrentar o preconceito.
“’Mãos’ é um livro sobre amor, porque o amor cura”, diz Kiusam de Oliveira.
É na escola que, muitas vezes, o primeiro contato com o racismo e outros preconceitos acontece. A historiadora, doutora e mestre em educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Ana Cristina Juvenal da Cruz, sinaliza que “é preciso ter em conta que a escola brasileira é parte de uma história secular de uma sociedade em que as diferenças são pouco valorizadas”.
Daí, a importância de discutir o assunto, como propõe Kiusam, que esteve em sala de aula por quase 40 anos. A autora afirma que é esse território – o chão da escola –, que lhe deu estofo para escrever tudo o que traz em seus livros. Geralmente, assuntos reais e muitas vezes dolorosos, abordados a partir de uma perspectiva sensível.
“É preciso trazer aquilo que causa dor e identificação dos meus leitores, que se reconhecem naquela história. É assim que entendem o quanto são poderosos”, diz a autora. Por isso, “busco uma forma encantada de tratar assuntos tão difíceis com os quais as crianças têm contato e reproduzem através do olhar dos adultos”.