Crianças aprendem com a natureza dentro das escolas

Guia incentiva a educação baseada na natureza, que faz bem para o desenvolvimento infantil e estimula a resiliência climática

Gabi Coelho Publicado em 18.08.2025
Uma menina de pele e cabelo claros está em meio a plantas, usa short, blusa e um chapéu vermelho.
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Resumo

Escolas de vários estados brasileiros contam sobre a experiência de transformar e adaptar os espaços colocando a natureza no centro, gerando benefícios para toda a comunidade escolar.

Pesquisas mostram que a conexão das crianças com a natureza é saudável para o desenvolvimento durante a infância e também para a preservação do planeta. Isso porque, a partir dessa conexão, é possível construir um futuro mais resiliente.

Então, por que não explorar essa ideia no processo educativo? Nesse sentido, a natureza não é só um “extra”, mas a base para uma jornada de descobertas e engajamento prático fora das quatro paredes. A abordagem estimula o uso dos sentidos, o movimento livre e a escuta ativa, com base em quatro princípios:

  • Brincar ao ar livre;
  • Valorizar a experiência corporal;
  • Reconhecer a diversidade; e
  • Explorar múltiplos ambientes de aprendizagem.

Assim, inspirado em movimentos globais, o guia “Escolas Baseadas na Natureza” (EBN) convida escolas a transformarem seus espaços, tempos e práticas para que a natureza seja um agente pedagógico e grande laboratório da vida.

Com o objetivo de “desemparedar” o aprendizado, o material gratuito inclui cursos autoinstrucionais, planos de aula e um guia com práticas inspiradoras, para preparar educadores e secretarias de educação. Dessa forma, pavimenta o caminho para uma pedagogia que reconhece a importância da educação ambiental. A iniciativa é uma parceria entre Instituto Alana, Unicef e Nova Escola.

A escola como espaço estratégico de reconexão com o meio ambiente

“Quando uma criança sente a textura de uma folha ou observa o voo de um inseto, ela não está apenas brincando – está construindo saberes a partir da vivência”, diz Arianne Brianezi, assessora técnica da iniciativa.

Para o Unicef, o grande desafio da educação é formar crianças capazes de compreender o mundo em transformação – e de atuar nele com empatia, ciência e pertencimento. Assim, mais do que levar as crianças para fora da sala de aula, a EBN quer trazer o mundo real para dentro da escola.

Depois de uma primeira etapa com formações presenciais e on-line com apoio das secretarias de educação, o projeto EBN ouviu mais de 90 crianças e 78 professores em quatro territórios brasileiros, respeitando marcadores sociais de desigualdade. Nessas escutas, descobriu-se que 46,6% dos educadores acreditam ser possível ensinar fora da sala de aula. No entanto, boa parte se sente despreparada para fazê-lo.

A partir dessas experiências, “muitos professores disseram que se sentem inseguros para abordar temas como emergência climática ou propor atividades ao ar livre, por exemplo. Isso por falta de conhecimento ou apoio da gestão escolar”, afirma Maria Isabel Barros, especialista em infâncias e natureza do Instituto Alana. Essa demanda guiou então a construção de conteúdos formativos práticos, contextualizados e orientados por experiências reais.

“Percebemos que o desejo de trabalhar com a natureza já existia. Faltava formação, segurança e respaldo institucional para isso acontecer”, completa Gabriela Arakaki, coordenadora do projeto.

Na outra ponta, depois de analisar desenhos, poemas, textos e performances das crianças, “nos surpreendeu que em muitas escolas os espaços verdes estavam interditados. As crianças diziam que queriam brincar ali, mas eram proibidas”, conta Maria Isabel.

Verdejar escolas Brasil afora

Depois de mapear barreiras e identificar possibilidades, o material busca respeitar o contexto de cada território. Isso significa ajudar a colocar a EBN em ação mesmo em escolas com pouca estrutura verde. Além disso, também prevê que temas como clima, biodiversidade, energia e território estejam presentes em todas as áreas do conhecimento.

“As atividades ao ar livre ampliam a percepção dos estudantes e potencializam a curiosidade investigativa, essencial para a iniciação científica”, diz Maria Ana Paula Freire da Silva, da Escola de Formação de Educadores, em Recife (PE). De acordo com a professora, a formação permitiu incluir conteúdos e dinâmicas com foco na relação com o território, “voltadas para o cuidado de si, do outro e do planeta”.

No Distrito Federal (DF), o professor José Ricardo, da Secretaria de Educação, destaca como a EBN “é uma abordagem simples, mas potente”, que pode ser aplicável a diferentes contextos e ainda provoca reflexão sobre o espaço que cada um ocupa. “O desafio está em sensibilizar os professores para integrarem essas práticas ao planejamento curricular e mostrar que é possível fazer isso sem perder o conteúdo.”

Já a coordenadora da educação infantil Karla Chaves, de Salvador (BA), conta que a EBN está alinhada às formações e oficinas da rede de educadores. “Promovemos experiências ao ar livre com hortas, áreas verdes e pátios naturalizados. Além de desenvolverem habilidades motoras, cognitivas e socioemocionais, as crianças aprendem o cuidado com a vida e com o ambiente de maneira concreta.”

Por fim, no Rio Grande do Norte (RN), o técnico da Secretaria Estadual Jorge Ramineli conta que escolas estaduais e municipais já estavam engajadas em atividades como hortas, reúso de água e compostagem, mas a EBN trouxe mais intencionalidade e articulação entre as ações. Apesar disso, segundo ele, “há o desejo de implementar as ideias, mas é preciso avançar na flexibilização e na pedagogia de projetos”.

“O currículo precisa dialogar com as questões climáticas e ambientais do nosso tempo.”

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Em Salvador, turma da educação infantil explora o pátio verde da escola como parte de atividade pedagógica do projeto Educação Baseada na Natureza (EBN).

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Formação de educadores inclui vivência em ambiente natural, em Mossoró (RN).

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Em Recife (PE), professores participam de atividade pedagógica ao ar livre em área verde.

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Estudantes de Natal (RN) apresentam trabalho interdisciplinar sobre florestas.

Para o Unicef, esse debate é estratégico para repensar a educação, especialmente diante das desigualdades e da emergência climática. Como aponta o relatório do projeto, é preciso “repensar a escola e ter currículos e aprendizados concretos sobre como mudar e preservar o planeta para esta e para as próximas gerações”.

Nesse sentido, a Educação Baseada na Natureza surge como um caminho para integrar esses saberes à rotina escolar e formar novas gerações mais preparadas para compreender e agir frente aos desafios ambientais.

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