Falta de áreas verdes impacta a educação e a rotina escolar

Pesquisa diz que estudantes brasileiros estão longe de áreas verdes e expostos aos riscos climáticos. Escolas levam crianças à natureza para reverter a situação

Célia Fernanda Lima Vanessa Fajardo Publicado em 11.12.2024
Imagem mostra estudantes adolescentes vestindo uniformes cinzas descendo um aescada de uma escola.
OUVIR

Resumo

A ausência do contato direto com a natureza provoca prejuízos diversos em crianças e adolescentes. Para estimular esta conexão, escolas brasileiras desenvolvem projetos que levam estudantes a áreas verdes.

A falta de contato com a natureza atinge diretamente a saúde e o desenvolvimento integral das crianças, além de deixá-las mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. Não conviver próximo às áreas verdes também causa um efeito cascata no comportamento de meninas e meninos: se não conhecem de perto a natureza e toda a vida que há nela, como vão poder cuidá-la e entender essa importância no presente e no futuro?

“É preciso conexão para quebrar o vínculo predatório”, defende Lívia Ribeiro, diretora do movimento Escolas pelo Clima. Segundo ela, a desconexão das crianças com a natureza dificulta a formação de vínculos respeitosos e até afetivos. “As crianças terão menos perspectiva de se preocupar com a natureza no futuro, porque só se cuida do que se conhece”, explica.

Para JP Amaral, gerente de natureza do Instituto Alana, não estar perto de áreas verdes, nem mesmo nas escolas, por exemplo, pode causar prejuízos que implicam em várias dimensões. “Isso afeta a saúde física, já que a natureza proporciona mais possibilidades de se movimentar. Atinge a saúde mental, porque permite que as crianças fiquem mais calmas e tranquilas. Então, a natureza e os espaços verdes públicos contribuem até para a sociabilização”, diz.

Ausência de áreas verdes é um problema social

As conclusões dos especialistas reforçam a preocupação dessa falta de vínculo. Ainda mais em um contexto onde quatro entre dez escolas brasileiras não têm áreas verdes, conforme mostrou a pesquisa “O acesso ao verde e a resiliência climáticas nas escolas das capitais brasileiras”, realizada pelo Instituto Alana em parceria com a Fiquem Sabendo, com informações do MapBiomas.

Segundo o estudo, as desigualdades raciais e econômicas prejudicam a qualidade de vida dos alunos por estarem mais distantes da natureza do que em outros contextos. Desse modo, a pesquisa revelou que as favelas e as comunidades urbanas têm mais de 50% de déficit de áreas verdes em suas escolas. Além disso, 90% dessas instituições estão dentro de uma área considerada de risco, sendo que a maioria dos estudantes são negros.

Outra informação da pesquisa confirma o racismo ambiental: estudantes negros são os que mais estudam em áreas de “ilhas de calor”, fenômeno climático de áreas urbanas que têm temperaturas mais altas do que a média regional. Ou seja, enquanto apenas 8,6% das escolas com maioria de alunos brancos passam por esta situação, chega a 35% as escolas com mais alunos negros.

Para JP Amaral, tão importante quanto considerar este fator é enxergar as escolas como um ponto de política pública ambiental. “Neste momento de tantos desastres climáticos, precisamos de uma educação baseada na natureza. Isso passa pela modificação da estrutura das escolas, para que elas estejam preparadas para a crise climática”, diz.

“As escolas precisam ser vistas como centro de política pública para a adaptação climática nas cidades, pensando que elas estão distribuídas em todos os territórios”

Estudantes sentem os impactos da crise climática

De norte a sul, as escolas em áreas periféricas, urbanas ou rurais já sofrem os efeitos da falta de cuidado com o meio ambiente. Até mesmo as que estão dentro de áreas de preservação ambiental porque, lá, também ocorrem eventos climáticos extremos, como as ondas de calor, alagamentos, enchentes, deslizamentos e queimadas.

Em Santarém, no oeste do Pará, a fumaça das queimadas ilegais cobre há mais de vinte dias o município. A situação afeta diretamente os estudantes que vivem em áreas rurais. “Todos os dias tem crianças saindo da escola passando mal. Alguns professores vêm trabalhar de máscara. Um deles até ficou internado. Então, é um problema muito sério o que está acontecendo”, conta Conceição de Sousa, diretora da Escola Indígena Borari Antônio de Sousa Pedroso, em Alter do Chão, distrito de Santarém.

Na Terra Indígena Borari, esta escola atende crianças da educação infantil e ensino fundamental. Segundo a diretora, além dos problemas de saúde, alunos e professores estão sentindo os impactos na rotina escolar. “Estamos em período de provas e avaliações finais. Porém, tem muitas crianças que não vêm porque estão doentes. Elas não serão prejudicadas já que ficaremos até o dia 20 de dezembro para completar o ano letivo, mas esperamos que isso tudo passe”, ressalta.

A situação foi decretada pelo Governo do Estado como emergência ambiental. Na semana passada, alunos do 9º do ensino fundamental apresentaram, nas redes sociais da escola, um vídeo sobre o que está acontecendo em seu território. Eles chamam a atenção para as queimadas, secas e exploração da natureza em Alter do Chão.

Conforme o monitoramento da plataforma PurpleAir, que mede a qualidade do ar, Santarém registrou 458 microgramas de poluentes por metro cúbico no fim de novembro. A quantidade é nove vezes maior do que o limite considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece níveis de até 50 microgramas para a saúde humana. A cidade foi considerada a segunda mais poluída do mundo naquele dia.

As aulas na escola Borari não foram suspensas porque a fumaça intensa não chegou dentro da escola. Mesmo assim, como o cheiro aparece com o vento, algumas atividades foram canceladas. “A gente orienta para, quem puder, vir de máscara. Além disso, as aulas externas, que sempre tínhamos aqui no território, foi evitada”, explica Conceição.

Outro impacto da crise climática na educação foi a suspensão de aulas para mais de 4 mil estudantes do Amazonas, por causa da seca do rio Solimões. No município de Manacapuru, 75 escolas ficaram sem aulas porque alunos e professores não podiam se deslocar pelo rio sem água. A estiagem formou bancos de areia de mais de dois quilômetros, distância que os estudantes teriam que andar debaixo de sol forte para poder chegar na escola.

De acordo com a Secretaria de Educação do Estado, por causa das aulas suspensas, foi necessário implantar os programas “Merenda em Casa” e “Aula em Casa”. Ou seja, foi criar uma força-tarefa para enviar aos alunos kits de alimentos da merenda escolar, assim como guias de estudo impressos. A iniciativa foi planejada com antecedência por conta da experiência do ano passado, quando o rio Negro passou por uma seca crítica, que antecipou para outubro o final do ano letivo nas escolas ribeirinhas de Manaus.

Imagem mostra crianças vestindo uniforme escolar verde emcima de um barco pequeno recebendo kits de merenda escolar.
No Amazonas, escolas ribeirinhas tiveram as aulas suspensas por causa da seca dos rios. A Secretaria de Educação precisou fazer uma força-tarefa para entregar kits com merenda escolar e materiais impressos para aulas remotas.

Por que é importante promover a educação climática nas escolas?

JP Amaral diz que as famílias e comunidades também têm seu papel no desenvolvimento de “soluções baseadas na natureza”. Os exemplos vão de construção ou revitalização de áreas naturais, praças públicas e até hortas comunitárias. Ao mesmo tempo, as escolas podem promover espaços de debate e de ação com a comunidade, conforme prevê a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).

Atualizada em julho deste ano, a política estabelece que escolas e instituições de ensino superior abordem no planejamento pedagógico e nas disciplinas, a partir de 2025, questões como: mudanças bruscas do clima, proteção da biodiversidade e desastres socioambientais.

Nesse sentido, já existem projetos que envolvem a comunidade escolar e a sociedade civil em soluções diretas para que os estudantes tenham contato com a natureza e despertem a consciência ambiental. São ações como o plantio de mudas, a atividades de reciclagem e uso consciente da água. Confira alguns destes exemplos inspiradores:

  1. Miniflorestas no quintal da escola

Para regenerar o ecossistema e mitigar os efeitos da emergência climática, a ONG Formigas-de-Embaúba promove a criação de “manchas de áreas verdes” junto às escolas da capital e do interior de São Paulo.

“Nosso trabalho é adaptar esses territórios para as emergências climáticas porque o clima mais quente se torna perigoso e há uma necessidade urgente de cuidar dos espaços onde as crianças passam grande parte do tempo”, explica Rafael Ribeiro, co-fundador e diretor da organização. “Dentro da ‘florestinha’ que temos no CEU [Centro Educacional Unificado] Capão Redondo, por exemplo, a temperatura do solo é quase 20 graus abaixo do concreto da escola”.

As ‘florestinhas’ têm entre 500 e 750 mudas, mas o cultivo integra uma programação pedagógica que inclui vivências ao ar livre, pesquisa sobre o solo, manejo das sementes e outras atividades sensoriais com tinta e argila. Tudo adaptado por faixa etária dos estudantes.

Imagem mistra crianças dentros de áreas verdes. Eles estão sentados em círculo e vestem uniformes em cor azul.
No Centro Educacional Unificado Capão Redondo (SP), alunos plantam e cultivam mudas em um projeto encabeçado pela ONG Formigas-de-Embaúba, para criar miniflorestas em áreas escolares.

“Tem criança que nunca plantou nem feijão no algodão e vai plantar 30 mudas. Esse momento ‘mão na massa’ faz brilhar muito os olhos dos alunos. É encantador”, afirma Rafael. “A cidade é uma máquina de expulsar florestas, o que a gente faz é tentar trazê-las de volta”.

Antes de cada ação, a equipe da Formigas-de-Embaúba mapeia as áreas de plantio, analisa as escolas da mesma localização e faz a captação de recursos. A manutenção das miniflorestas é feita por alunos, professores e comunidade, mas a ONG acompanha por até dois anos. Até o fim de 2024, serão 34 ‘florestinhas’ distribuídas por vários bairros da capital e cidades do interior de São Paulo.

O objetivo é também chegar a outros espaços, como as unidades de saúde e conjuntos habitacionais. Além disso, a organização quer fazer o plantio de mudas frutíferas e medicinais nas comunidades que sofrem com insegurança alimentar.

  1. Reciclagem do lixo é coisa séria

O descarte inadequado de lixo era um desafio na escola municipal Neusa Goulart Brizola, em Porto Alegre. Então, para despertar a consciência dos alunos do ensino fundamental e também de toda a comunidade, a escola iniciou o projeto “Reciclar e Cuidar: Vamos Todos Ajudar”. As ações incluíram gincana para recolher os resíduos, arrecadação e destinação correta dos eletrônicos, criação de lixeiras personalizadas, visita à cooperativa dos catadores de recicláveis e pesquisas sobre o tema.

Em maio, quando as enchentes inundaram o Rio Grande do Sul, a escola precisou ficar um mês fechada porque teve problemas com o abastecimento de água e energia elétrica. “Como nosso projeto já estava em andamento, os alunos entenderam que o assunto não era algo isolado, e que aquela era uma questão macro”, conta a professora Ana Paula Acauan.

imagem mostra estudantes vestindo uniforme vermelho e preto observando uma área de separação de lixo reciclável.
Na Escola Municipal Neusa Goulart Brizola (RS), estudantes fazem parte de um projeto pedagógico para compreender a importância da reciclagem. Entre as ações, está a visita à cooperativa dos catadores de recicláveis.

A iniciativa dos profissionais desta instituição integra as ações da comunidade “Escolas pelo Clima”, que fortalece a educação climática com trocas de experiências, formações e produção de materiais para professores. A rede já alcança 1.100 escolas em todo o país, envolvendo um milhão de estudantes da educação infantil ao ensino superior, na rede pública e privada.

Em Porto Alegre, trazer a reciclagem como assunto pedagógico aproximou a realidade dos estudantes com a cooperativa de catadores do bairro. Representantes visitaram a escola, enquanto os alunos também tiveram a oportunidade de conhecer o galpão de reciclagem. “Eles puderam entender a importância de separar o lixo reciclável. Também passaram a valorizar a profissão do catador”, diz a professora Tuany Carbone. O próximo passo será criar uma horta com mudas de árvores frutíferas, aproveitando o fertilizante produzido pelo biogestor que há na escola.

  1. Educar para evitar o desperdício de água

Combater o desperdício da água e os problemas ligados aos alagamentos foi o objetivo do professor Fernando Valença, da Escola de Referência em Ensino Médio Senador Paulo Pessoa Guerra, de Recife.

Por isso, ele desenvolveu uma estação meteorológica equipada com arduino, uma plataforma que possibilita o desenvolvimento de jogos eletrônicos, e monitora dados climáticos, como precipitação, temperatura e umidade. A iniciativa, reconhecida e premiada pelo “Escolas pelo Clima”, teve ainda a criação de pluviômetros com garrafas pets, para medir o índice de chuva.

Imagem mostra alunos produzindo um pluviômetro d egarrafa pet ao lado de um muda em área
Conhecer o clima local e construir ferramentas sustentáveis para evitar o desperdício de água são atividades dos alunos da Escola de Referência em Ensino Médio Senador Paulo Pessoa Guerra (PE).

O projeto ainda prevê a identificação de ilhas de calor. Isso porque os estudantes poderão observar a temperatura do solo em locais somente com asfalto e nas áreas verdes. “Eu cresci em uma casa com um quintal imenso, com árvores frutíferas. Hoje quase não se vê mais isso, pois é só selva de pedra dura de concreto. Então, é preciso ter caminho para as águas se infiltrarem no solo, ou então as ilhas de calor serão mais numerosas”, explica o professor.

Além de fazer os alunos compreenderem esses processos, o projeto estimula a consciência de reutilizar a água da chuva. Na escola, as garrafas pets também viraram calhas acopladas ao telhado, que fazem a água escoar e ser armazenada para o uso da comunidade.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS