Crianças lideram o otimismo climático e querem fazer a diferença

Estudo sobre a percepção da crise climática entre os estudantes do país revela que eles estão otimistas e se interessam ativamente em soluções inteligentes

Adriana Amâncio Publicado em 22.04.2025
otimismo climático: imagem mostra grupo de estudantes plantando mudas na terra.
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Resumo

Pesquisa inédita mostra que as crianças estão mais otimistas do que os adultos em relação à crise climática e que pretendem agir para enfrentar a situação. Iniciativas de educação ambiental nas escolas são ponto de partida para o engajamento.

Na zona oeste do Recife, as aulas de geografia da escola Divino Espírito Santo estimulam os adolescentes ao otimismo climático. Com as mãos na terra e os estudos em dia sobre os biomas, os alunos plantam e cultivam mudas nativas da Mata Atlântica. “A gente consegue transformar pessoas e também os espaços que eles vivem. Então, isso é muito importante”, explica o professor Ricardo André Guimarães.

Responsável pelos projetos ambientais da escola, ele defende que o ensino climático torna os alunos protagonistas e agentes de transformação, o que gera, assim, o pertencimento.

O protagonismo crescente dos mais jovens para o enfrentamento à emergência climática reflete também na Pesquisa Nacional sobre Mudanças Climáticas – percepções das crianças e das juventudes, do Movimento Escolas pelo Clima. Os resultados apontam que as crianças lideram o ranking do otimismo climático e, portanto, pretendem agir sobre a situação.

A partir de formulários distribuídos a professores e estudantes de quase 1.200 instituições participantes do Movimento Escolas pelo Clima, a pesquisa revelou que metade das crianças se diz “otimista ou muito otimista em relação à solução da mudança climática”. Além disso, elas são a maioria das que pretendem tirar o otimismo do campo das ideias para a ação. Dos 74% que se sentem capazes ou muito capazes de agir para combater o problema, 45% são crianças.

Para Edson Grandisoli, diretor educacional do Movimento Escolas pelo Clima, esses resultados precisam ser considerados nas rodadas de negociações dos eventos sobre a crise climática. Ao mesmo tempo, defende a educação ambiental como uma ferramenta importante.

“Isso mostra a importância de trabalhar a educação climática com todo mundo”. No entanto, o destaque para a opinião das crianças é mais importante ainda, pois, segundo ele, se por um lado há evidências de crianças sofrendo de ansiedade climática, por outro, muitas estão pensando e se engajando em soluções.

Ainda em abril, Grandisoli participará da Bett Brasil 2025,  evento de Inovação e Tecnologia para Educação na América Latina. A pesquisa inédita será pauta de debates, assim como o foco no papel das escolas no combate à crise climática, já que outro índice relevante é que quatro em cada dez crianças se enquadram no perfil de “ativista climático. Conforme o estudo, esse perfil é reservado a quem reúne três características fundamentais:

  • Estar preocupado com a emergência climática;
  • Acreditar na própria capacidade de agir;
  • Manter o otimismo diante das soluções possíveis.
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Arquivo Escola Divino Espírito Santo

Nas aulas de geografia, o professor Ricardo André Guimarães leva os estudantes para plantar mudas da Mata Atlântica durante o projeto de reflorestamento da Escola Divino Espírito Santo, em Recife (PE).

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Arquivo Escola Divino Espírito Santo

Pesquisa do Movimento Escolas pelo Clima revela que crianças e adolescentes são os mais otimistas em relação à crise climática e pretendem agir.

Projetos escolares contribuem para as soluções climáticas

As conclusões do estudo – tanto as inéditas, como as que confirmam tendências – são um recado para os gestores das políticas de educação infantil, defende o diretor do Escolas pelo Clima. Isso porque “reforçam a importância de políticas públicas, de programas e de projetos para as escolas públicas e particulares”. Grandisoli pontua que essas ações devem engajar as crianças para o enfrentamento às mudanças climáticas.

Um desses resultados, por exemplo, está na iniciativa do Colégio Embraer, de São José dos Campos, interior de São Paulo. Por meio de cálculos, planilhas e muita disposição, os alunos do ensino médio estudam a missão de mapear, reduzir e compensar cada quilo de carbono (CO₂) emitido pelo colégio. Esse foi o jeito que professores e alunos encontraram de conectar o otimismo com ações concretas.

Assim, o projeto “Missão Carbono Zero” eliminou 15 toneladas de CO2 em um ano. A quantidade representa cinco vezes a emissão da escola com o consumo de energia elétrica. Para obter esse resultado, o primeiro passo foi calcular a pegada de carbono do local, que resultou em 360 toneladas por ano. Então, eles identificaram que a maior parte das emissões vem do transporte dos estudantes, pois se deslocam de quatro cidades diferentes.

A partir disso, meninas e meninos partiram para a ação: otimizaram as rotas dos ônibus escolares para reduzir o consumo de combustível e construíram uma composteira para reaproveitar resíduos orgânicos do refeitório. Além disso, desenvolveram estratégias de economia de energia.

Depois, iniciaram a compensação com o plantio de árvores, criação de rotas eficientes para o transporte escolar e disseminação de conhecimento em escolas públicas.

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Arquivo Colégio Embraer

Projeto do Colégio Embraer, de São José dos Campos (SP), impulsionou o protagonismo dos adolescentes na redução da emissão de carbono da escola.

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Arquivo Colégio Embraer

Conscientes sobre a emissão de CO2, os estudantes construíram uma composteira para reaproveitar resíduos orgânicos do refeitório e desenvolveram estratégias de economia de energia.

Estudantes querem levar as práticas para fora das escolas

Conscientes de que os rastros de carbono não estavam apenas na escola, os alunos passaram, então, a enxergar o impacto ambiental também no dia a dia familiar. “Antes, eu achava que um calor absurdo no verão ou uma tempestade repentina eram coisas normais. Agora, entendo que essas oscilações têm relação direta com a emissão de carbono e o aquecimento global”, conta Myrella, 17 anos. Ela confessa que já tem um plano de fazer com as amigas uma composteira na casa de uma vizinha.

Ao mesmo tempo, Henrique, 17 anos, conta que incluiu a prática na rotina de casa. “A gente começou a separar o lixo orgânico dos outros materiais e, agora, vamos construir uma composteira”. Para o adolescente, há dois caminhos práticos para combater as mudanças climáticas, portanto, ele está confiante nessas iniciativas. “Acredito que, no futuro, as escolas vão ampliar a informação sobre mudanças climáticas, e as empresas, que são as que mais emitem CO2, também vão reduzir o carbono”, diz.

Meninas estão mais interessadas em questões ambientais 

Na pesquisa do Escolas pela Clima, participantes do gênero feminino foram as que mais se autodeclararam “ativista climático”.  Do mesmo modo, o protagonismo se confirmou também no estudo Consumo Consciente – Visão do consumidor 2024, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O resultado aponta que mulheres demonstram maior preocupação com o consumo sustentável do que os homens.

Além da experiência prática, os estudantes produziram dois manuais pedagógicos. Portanto, um possui linguagem lúdica, para crianças menores, e outro mais técnico, para jovens do ensino fundamental e médio. “Nosso objetivo era compartilhar o conhecimento e garantir assim que outras escolas pudessem aplicar as mesmas práticas”, explica Eduardo Rodrigues, gerente de Desenvolvimento Social do Instituto Embraer.

Ele afirma que o projeto estimula os alunos a compreenderem a urgência da crise climática, a pensarem soluções e se entenderem como parte da ação. “Eles desenvolveram habilidades de liderança e negociação porque dialogaram com a empresa de transporte, sugeriram otimizações nas linhas de ônibus e ajudaram a reduzir significativamente as emissões”, conta.

De tudo o que aprendeu, Henrique reforça a vontade de levar o conhecimento à frente. É desse modo que ele se entende como agente de mudança e que pode fazer a diferença. “Com esse projeto, aprendi muito sobre reciclar, reutilizar e reduzir. A partir disso, quero espalhar esse conhecimento para as pessoas ao meu redor.”

*Colaborou com esta reportagem Mariana Rosetti

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