Ferramentas de controle parental são um ponto de partida para acompanhar a navegação das crianças em sites, jogos e aplicativos, com mais segurança
Redes sociais, jogos e aplicativos já dispõem de ferramentas de controle e mediação parental. Saber como usá-las é fundamental para proteger as crianças na internet, mas especialistas alertam: sem educação e diálogo, elas são insuficientes.
Quando ganhou um celular no aniversário de 9 anos, Maria já o recebeu com o aplicativo Family Link instalado. O combinado com a mãe, a arquiteta Isadora Moura, foi usar com responsabilidade. “Às vezes é chato ter que pedir permissão para tudo, mas eu sigo as regras dos meus pais”, conta Maria.
Essa família de Salvador está em minoria: somente dois em cada dez pais e mães acompanham o que as crianças fazem na internet com ferramentas de controle parental. Na pesquisa realizada pelo Google em parceria com a Nielsen sobre hábitos de consumo on-line de crianças e adolescentes brasileiros, apenas 17% dos pais e mães disseram usar esses recursos. A maioria bloqueia conteúdos (57%) e sites (56%) indesejados. Outra parte monitora o uso de perto (42%) ou checa o histórico de navegação (21%) nesse ambiente que, originalmente, não foi pensado para as infâncias.
Na prática, a internet está imersa na vida das crianças: 96% dos brasileiros que têm entre 9 e 17 anos acessam a internet todos os dias. Segundo a pesquisa do Google, 40% dos novos usuários globais da rede são crianças. “O desafio para as famílias é proteger de riscos, como o cyberbullying, sem tirar o direito à cidadania digital”, afirma Bianca Orrico, psicóloga, doutora em Estudos da Criança e responsável pelo Canal de Ajuda da Safernet (organização que promove o uso consciente e seguro da internet).
Mas, será que só adotar as ferramentas de controle parental dá conta desse desafio?
Orrico listou nove delas ao Lunetas e pondera: nenhuma é 100% segura e as melhores escolhas serão feitas caso a caso. “Cada família tem seu conjunto de regras e valores a negociar.” Para ajudar você a encontrar as que mais se adequam à sua realidade, trazemos exemplos práticos de famílias que adotaram abordagens distintas na hora de mediar a relação das crianças com a internet e que podem inspirar a prática de outras famílias.
Ensinar as crianças a usar a internet é mais uma responsabilidade social, diz Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta (que incentiva as liberdades democráticas, especialmente a de expressão). “Do mesmo jeito que se ensina a olhar para os dois lados ao atravessar um cruzamento, é preciso criar estratégias para experiências seguras na rede.”
Para isso, saber o que as crianças fazem on-line é um bom ponto de partida. Os adultos vinculam seus celulares, e-mails e contas da nuvem a aplicativos e plataformas que permitem gerenciar essa atividade de forma remota. O controle parental do Xbox, por exemplo, fornece relatórios do que cada usuário joga no console da Microsoft. Já a Netflix e o YouTube Kids dão acesso ao histórico do que foi assistido. O Family Link também gera um relatório das páginas que a criança acessou ou do que baixou no celular. O mesmo app localiza as crianças em um mapa, usando o georreferenciamento nos aparelhos. A cada vez que saem ou chegam de um lugar, os responsáveis recebem notificações.
A fatura do cartão de crédito com R$450 gastos no jogo Stumble Guys surpreendeu Letícia Chaves, pedagoga e mãe de Iauã, de 8 anos, e de Ainê, de 2. O jogo é grátis, mas pode ser turbinado com itens que custam de R$10 a R$100. Entre cascas de banana e escadas compradas apenas com um clique, Iauã fez um pequeno estrago, em parte sem entender a dimensão daquilo.
Letícia prefere a conversa ao controle, mas está investigando o assunto. “Como uma criança de 8 anos conseguiu usar o cartão de crédito e eu, quando vou fazer compras, tenho que digitar o código de segurança?”. A questão é complexa, mesmo tendo prorrogado ao máximo o início do contato dele com as telas, diz Yuri Wanderley, professor de tecnologia aplicada à educação no Instituto Federal da Bahia e pai de Iauã. “O desafio como pai é até maior do que como professor. É a minha área, mas vejo o quanto é difícil implementar o que pesquiso, ainda mais sendo a primeira referência de alguém.”
Para prevenir situações como essa, existem filtros que, entre outras coisas, limitam o acesso a compras em centrais de jogos. Esses filtros ajudam os pais a desenhar diferentes perfis de acesso. E a definição da faixa etária é um elemento central nesse processo. É a idade que define, por exemplo, que crianças menores joguem Roblox para adotar bichinhos de estimação enquanto as mais velhas, no mesmo aplicativo, se aventuram em jogos de terror inspirados em animes com alguma violência. A idade pode determinar se o YouTube vai indicar Tiquequê ou BTS, enquanto a Netflix pode sugerir a série brasileira “O show da Luna” ou a animação japonesa “Princesa Mononoke”. O Family Link e o controle parental da Apple vão dizer se os aplicativos e sites escolhidos são apropriados, assim como o PS4 e o Xbox adequam os jogos às idades – do Rabisco ao FIFA, da Patrulha Canina ao Minecraft.
Todas as ferramentas de controle parental oferecem limite de tempo nas telas. No Family Link, a criança recebe uma notificação de que a cota do dia está chegando ao fim. Quando isso acontece, o dispositivo é bloqueado, permitindo apenas fazer ligações de emergência ou usar aplicativos específicos da opção “apps sempre permitidos”. O sistema iOS pode limitar o tempo mesmo sem o compartilhamento familiar. Os responsáveis definem uma senha e recebem um relatório de tempo e aplicativos que a criança usou e os sites que acessou.
A Netflix tem um temporizador para interromper a reprodução a partir de 15 minutos ou quando um filme e episódio chegam ao fim. No YouTube Kids, este recurso está em formato do alerta “sua sessão terminou”. A mesma mensagem aparece em formato pop-up na tela do jogo do PS4, mas o aparelho só desliga automaticamente se for configurado.
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Toda vez que Maria quer baixar um aplicativo em seu celular novo, o Family Link manda um aviso para a conta de sua mãe, Isadora Moura. As autorizações são sempre conferidas em conjunto: a filha ensina as regras de um jogo à mãe e elas se divertem juntas. Foi assim que Isadora liberou o pedido para download do Torneio de 2,3,4 jogadores. “Nesse jogo tem muitas opções, as corridas de carrinho e de foguete são as que mais gosto”, diz Maria.
Ainda não aconteceu com Maria, mas por esse controle parental, os pais podem bloquear alguns aplicativos e fazer com que o ícone não apareça nem no dispositivo da criança nem na loja, como permite o controle da Apple. No YouTube Kids e Netflix, a restrição fica nos filtros, o que vale também para o Roblox, PS4 e Xbox. O console da Microsoft tem o recurso de abrir uma exceção para o Minecraft, mesmo que a criança não tenha permissão para o modo “multijogador on-line”. O PS4 também pede autorização para a criança se comunicar com outros usuários em jogos pré-definidos com os responsáveis.
“É muito mais interessante quando as famílias investem em noções de segurança e privacidade e quando se interessam pelo que os filhos estão vendo”, diz Bianca Orrico, da Safernet. “Por isso, em vez de proibir um jogo, que tal jogar antes?”
O site “De boa na rede”, lançado pelo Governo Federal, disponibiliza orientações tutoriais de como ferramentas de diversos dispositivos podem proteger crianças e adolescentes na internet. O guia informa como administrar redes sociais, plataformas de vídeos e outros sites. Além disso, há dicas de como proteger a privacidade e segurança em jogos on-line, controlar o tempo de tela e onde denunciar situações de abusos e crimes virtuais.
A cidade onde Iauã mora, o Vale do Capão, na Chapada Diamantina (BA), recebe crianças do mundo todo, que vão passar férias na natureza. De uns tempos para cá, seus amigos trocaram o quintal pelo Free Fire, o que o deixou bem chateado. “Antes, a gente jogava bola e brincava, agora eles só querem saber de celular e desse jogo, que meus pais não deixam, porque tem muita violência”.
Iauã só começou a brincar com o celular aos 5 anos, quando muitos amigos já tinham o próprio aparelho. O pai e a mãe deixaram, mas sem baixar a guarda. “Essa é uma das principais questões do nosso tempo e ela é coletiva, com famílias de diferentes realidades vivendo esse mundo hiperdemandante”, diz a mãe, Leticia Chaves.
A mediação parental vai além de controlar o acesso aos eletrônicos, explica Orrico. “Uma coisa é mapear, controlar, ter acesso. Já a mediação pressupõe conversas sobre privacidade, sobre como interagir on-line e sobre cidadania digital”. Nesse sentido, mediar é acompanhar o uso mais saudável, seguro e criativo da internet com uma ferramenta analógica e eficaz: o diálogo.
Segundo o parâmetro da Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças de 2 a 5 anos podem usar até uma hora de tela por dia, com supervisão; e os maiores até duas horas diárias, fazendo pausas. Não é recomendado o uso por crianças menores de dois anos. Embora Orrico defenda a importância desse parâmetro, ela diz que a maturidade de cada criança pode permitir uma avaliação diferente. Além disso, usar o temporizador pode ser útil.