Reconhecer a chegada da adolescência é importante para a família entender o que muda além do corpo, e como os próprios adolescentes se sentem
A transição da infância para a adolescência costuma ser marcada por dúvidas e mudanças no comportamento. Em meio ao turbilhão de informações e hormônios, famílias e especialistas explicam como essas marcas acontecem, e os adolescentes dizem como se sentem.
Foi como acordar de manhã e perceber o corpo diferente, as roupas encolhidas, a voz mudando, e a cabeça cheia de perguntas. “Senti muito sono à tarde, meu apetite aumentou e prestei mais atenção no que as pessoas pensam de mim”, conta Teo, 16. Já Júlio César, 14, recorda que, há um tempo atrás, “gostava de juntar um monte de amigos e amigas para brincar de pique-ajuda ou bandeirinha. Agora, a gente não faz muito isso, mas era muito bom brincar”.
A adolescência, fase de mais mudanças físicas e comportamentais, chegou na vida de Teo e Júlio como uma jornada de descobertas. Nessa travessia, o apoio da família é importante para que cada um se sinta acolhido. “A gente nunca disse ‘você está adolescente e vai acontecer isso’, conta Estéfi Machado, mãe de Teo. “Mas, falamos com ele de outras formas. Perguntando o que está sentindo, pedindo para nos escutar até o final. É como uma DR, mas sem climão.”
Já para a mãe de Júlio, Jaqueline Silva, perceber a adolescência nele e na filha mais velha, Juliana, 17, foi diferente. “Com ele foi mais sutil, pois ainda gosta de brincar e sair para se divertir. Mas com Juliana, senti um rompimento quando ela ficou mais fechada. Não sei se era por causa do corpo mudando ou do período menstrual. Parecia ser mais complexo”, conta. Juliana confirma que ficou mais tímida e com vontade de ficar em casa. “Não sei explicar muito bem por quê.”
“Sinto falta de brincar de queimada na rua”, desabafa Juliana. O irmão também deixa claro que mais interação não faria mal. “Fico mais em casa pois parece que hoje não tem muita gente para brincar. Também não gosto da cobrança. Sei que tenho que fazer algumas coisas, mas é chato”, conta Júlio César.
Mesmo com pernas e braços maiores, timidez e a tensão do crescimento, os adolescentes ainda querem atenção dos pais. De acordo com a psicóloga e orientadora parental, Sue Missé, esses meninos e essas meninas ainda estão descobrindo o mundo e precisam de carinho. “Como eles já têm uma certa independência prática em se banhar, se alimentar, por exemplo, as interações com a família acabam sendo muito para cobrar as faltas ou para brigar.”
“Eu entendo que pai e mãe tenham que cobrar certos comportamentos, mas quando é muito fica chato, sobrecarrega e pode criar trauma”, diz Teo. Nesse sentido, a psicóloga lembra que as queixas de pouco afeto são recorrentes em seus atendimentos. Por isso, ela destaca que é importante não perder a vontade de interagir com o adolescente, valorizar suas opiniões e ouví-los quando necessário. “Eles me dizem que sentem falta do carinho e da atenção, porque agora os pais cobram muito mais. Além disso, sentem falta da escuta e da conexão, principalmente dos pais se abrirem com eles sobre as transformações dessa fase.”
Quando Estéfi cria conteúdos nas redes sociais sobre sua relação com Teo, ela costuma receber mensagens de pais e mães perguntando como conduz essa fase. “Existe medo da adolescência, porque é comum acontecer um afastamento ou estranhamento. Eu digo para não desistirem de se aproximar deles e encontrarem novos formatos de lidar com aquela pessoa que, na verdade, é a mesma que você conheceu quando criança, só está crescendo.”
Para não perder essa conexão, Jaqueline precisou se inteirar dos assuntos que Juliana e Júlio César gostam, e saber até onde cobrar as responsabilidades. “Fui me policiando em algumas questões para entender essa nova realidade da adolescência, pois sou uma mulher de 40 anos e minha criação foi outra. Vivi um mundo totalmente diferente do deles hoje”, diz. Ela admite que nunca sentou para conversar, de fato, sobre as mudanças da adolescência, mas entendeu que precisava estar mais perto. “Tentei me adequar porque achava importante. Me questionei no que eu também precisaria mudar e abrir mais a mente para entendê-los.”
Compreender que a pessoa dentro de casa não é mais criança é essencial na relação da família com os adolescentes, pois, segundo a psicóloga, “há pais que ficam muito conectados à infância, querendo a criança de volta e estranhando as experimentações do adolescente”. Desse modo, a melhor maneira de se conectar é “se abrir para essa nova fase e para conhecer o ser humano que está se desenvolvendo”.
A explicação é biológica: no cérebro, existe um eixo entre a hipófise e o hipotálamo, glândulas responsáveis pela liberação de vários hormônios. Segundo a hebiatra Eloisa Souza, “ocorre o desbloqueio desse eixo, como se um interruptor fosse ligado”. Assim, inicia a liberação de hormônios que controlam os sentimentos e as sensibilidades físicas. “Com a produção de hormônios sexuais (testosterona, estradiol e progesterona), e ainda a estimulação de outros hormônios (como o do crescimento e tireoidianos), acontece uma complexa cascata hormonal.” Isso, portanto, culminará nas mudanças físicas e comportamentais.
Além disso, a fase deixa mais ativa duas partes do cérebro: o sistema límbico e o córtex pré-frontal. Enquanto o primeiro está ligado à memória e se relaciona aos hormônios das emoções; o outro é a camada responsável pelo pensamento crítico, autocontrole e atenção. Desse modo, a conexão entre as emoções e as decisões resulta em um comportamento mais emotivo e impulsivo.
Porém, os sinais no corpo são os mais evidentes e, num primeiro momento, se manifestam entre semelhanças e diferenças em meninos e meninas:
Estéfi e Jaqueline compartilham experiências de lidar com as mudanças de suas crianças para a adolescência, em um processo que demanda muita escuta e adaptação. Apesar de tudo ser novo, tanto para mães e pais quanto para os filhos, há pontos em comum que elas destacam nessa descoberta:
Puberdade
A partir dos 10 anos, meninos e meninas começam a transição para a adolescência. Na puberdade é quando ocorrem mudanças físicas como “o desenvolvimento das características sexuais e da capacidade reprodutiva”, explica Eloisa Souza, pediatra e hebiatra – especialidade voltada para o cuidado dos adolescentes, do Hospital Universitário da USP. Ela conta que tudo é mediado por “uma gama de hormônios produzidos no hipotálamo (glândula do cérebro)”.
Mas, quando esses sinais chegam antes dos oito anos, nas meninas, e antes dos nove anos, nos meninos, é sinal de puberdade precoce. As causas vão desde a alteração do sistema nervoso central a fatores externos. Segundo a hebiatra, “o estirão de crescimento e a mudança no formato do corpo, como a formação dos seios e o aumento dos testículos, são os principais sinais”. Assim, um profissional de saúde de confiança deve acompanhar cada caso e avaliar a necessidade de medicamentos para atrasar o processo.