Muitos pais ficam perdidos sem saber o quanto de atenção dar aos filhos. Mas é possível estabelecer limites e ainda assim cuidar com muito carinho e afeto
O medo de mimar as crianças está por trás dos principais dilemas da primeira infância. Como ensinar regras e ainda assim estimular a individualidade? Especialistas mostram que o caminho envolve muito afeto e limites bem estabelecidos.
De repente a criança para no meio do supermercado, começa a chorar, se debater e gritar. As pessoas olham. Os pais se envergonham. A cena parece durar uma eternidade. No olhar dos outros, o veredicto: está ali uma criança mimada! O temor da maioria dos pais – o mimo – é um terreno fértil para senso comum e palpites. Há quem relacione esse comportamento indesejado a um “excesso” na educação. Muitos acreditam que dar colo e atenção demais ou amamentar em livre demanda são atitudes que acostumam mal os pequenos. Afinal, qual o limite de tudo isso? Pode mimar ou não pode?
De acordo com a definição do dicionário, a palavra “mimado” significa alguém que é tratado com muitos agrados. “Se formos avaliar essa definição não é nada demais mimar as crianças porque elas precisam sim de muitos cuidados e agrados, principalmente nos primeiros anos de vida. Nessa fase, ela está aprendendo a se perceber como pessoa e a desenvolver-se nos aspectos sociais, cognitivos e afetivos. Esse cuidado da família é imprescindível”, afirma a psicóloga do Autonomia Instituto, Bárbara Calmeto.
No entanto, ela lembra que no senso comum a criança mimada é aquela que tem baixa tolerância à frustração, não sabe ouvir “não” e comporta-se de modo socialmente inadequado. “Quando acontece isso, pode se tornar um problema e prejudicar o desenvolvimento social”, alerta a especialista.
“Assim como precisa ser cuidada, respeitada e tratada com afeto, a criança também precisa aprender regras e limites de convivência”
Kathleen Fernanda Richter sempre se preocupou em dar atenção ao filho, Henrique, que tem 1 ano e meio. “Em alguns momentos, por exemplo, quando estou lavando a louça ou cozinhando e ele quer atenção, eu o coloco em uma cadeira para ele ficar ao meu lado e ver o que estou fazendo. Quando possível, eu o deixo ajudar. Mas quando não tem jeito, eu paro tudo, pego no colo e tento acalmá-lo. Depois, eu volto para as minhas atividades”, conta.
A psicóloga Bárbara explica que estar presente e ter uma real troca afetiva é algo essencial na vida de todos.
“Afeto e atenção são fatores muito importantes para o desenvolvimento infantil. A criança se sente segura e valorizada quando os pais estão atentos e a tratam com afeto e respeito”
Segundo ela, o excesso só vai atrapalhar quando o pequeno começar a ter comportamentos de nunca saber esperar, por exemplo. “Fazer tudo pela criança, não dar espaço para o desenvolvimento autônomo, não permitir que ela se frustre são situações nas quais o excesso de atenção podem ser prejudiciais”
A pediatra Gabriela Zembruski lembra ainda que cada faixa etária exige um tipo de comportamento dos pais.
“Crianças são seres humanos e, em cada fase do seu desenvolvimento, suas necessidades emocionais e físicas mudam. Não existe fórmula para todas as crianças, cada uma delas é única”
Especialmente no caso dos menorzinhos, essa atenção pode vir em forma de colo ou mesmo de muito leite materno. Porém alguns pais ficam em dúvida se existe um excesso também nesses “recursos”. Muitos acreditam que colo demais “estraga” e vicia, e que amamentar tem que ser regrado para o pequeno não ficar mal-acostumado.
Mas, para responder a essas perguntas é preciso antes entender como acontece o desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida.
Logo que o bebê nasce, ele tem necessidade de contato físico. A transição do mundo intrauterino – quente, silencioso, acolhedor – para o mundo real é um choque aos recém-nascidos. “No caso dos bebês pequenos, o colo frequente é necessário, até porque a criança sequer consegue sentar-se sozinha. O colo, nessa fase, traz acolhimento, aconchego, segurança, contato com o mundo e mais proximidade com os cuidadores”, explica Gabriela.
Conforme eles crescem, é importante que andem com as próprias pernas, literalmente. “Nessa fase, é fundamental mostrar que os pais confiam na criança e que ela é capaz, além de dar espaço para que ela aprenda na prática, fazendo as coisas”, diz.
Na casa da Karina Melo, mãe da Maria Cecília, de 2 anos, o colo é um recurso essencial na criação. Ela cuida da filha 24 horas por dia, sem ajuda de terceiros, e se sente muito segura com sua escolha. “Sempre fui bem resolvida com isso. Dou colo quando pede. E quando amamentava, era em livre demanda. Todos me falavam que eu ia deixá-la mimada, mas eu sempre quis criar este afeto”, conta.
Kathleen compartilha da mesma opinião. Tem sido assim na sua casa desde o nascimento do Henrique. “Eu sempre achei que colo e peito tinham que ser oferecidos sem limites. Até hoje quando preciso de colo, minha mãe dá. Não acho que isso seja mimar, acho que é estabelecer uma relação de apego e confiança”, relata.
“Certamente, em algum momento, meu filho não vai precisar mais de colo, porém vai ter a certeza de que poderá contar comigo”
A livre demanda na amamentação, deixando o bebê mamar a hora que quiser, é uma das polêmicas da maternidade. Tem mãe que acredita ser o melhor caminho, mas tem mãe que prefere estabelecer horário para evitar que a criança fique mal acostumada – e mimada.
No entanto, segundo Bárbara Calmeto, é importante que a amamentação seja mais flexível em um primeiro momento. “A livre demanda é o respeito às necessidades de alimentação do recém-nascido, que tem o estômago pequeno ao nascer, e precisa receber o leite em poucas doses, aumentando no decorrer dos meses. Isso fortalece os sentimentos de afeto, respeito e segurança do bebê que sabe que será acolhido e saciado na sua necessidade fisiológica de fome.”
Conforme ele vai crescendo, é importante que os pais entendam que existem outras formas de acolhimento e que, após os seis ou sete meses, é essencial que ela espace mais as mamadas, tendo em vista também a fase de introdução de alimentos sólidos.
Não existe receita mágica quando se trata de criação dos filhos. Mas algumas estratégias podem ajudar a evitar que as crianças fiquem mimadas. A primeira delas é saber que o mimo tem muito mais a ver com falta de limites e superproteção do que com afeto.
“Percebo que os pais tentam compensar sua falta de tempo com excesso de presentes e de ‘pode tudo’. Já ouvi famílias dizerem: ‘Não posso dizer não, pois quase não fico com ele’. Essas atitudes prejudicam muito o desenvolvimento afetivo dos filhos, porque trazem dificuldades para lidar com as frustrações e resoluções de problemas”, explica a psicóloga.
Segundo ela, outra maneira é fazer tudo pela criança, diminuindo as possibilidades de autonomia e independência em situações cotidianas, como colocar um sapato, trocar a roupa, guardar os brinquedos, escolher um alimento dentre outros. “É por isso que gosto muito daquela frase de Maria Montessori:
‘Qualquer ajuda desnecessária é um obstáculo na aprendizagem’
Já a pediatra lembra que dar presentes ou fazer o que a criança quer como forma de compensação não resolve o problema da falta. “Uma lata de refrigerante amassada com uma bela companhia pode virar um campeonato de futebol. Agora a bola mais cara do shopping, sem a companhia que precisamos, é só uma bola. A falta de conversas e momentos juntos pode gerar danos que aparecem cedo e se refletem até na fase adulta, como baixa autoestima, dificuldade de lidar com frustrações e de manter relacionamentos saudáveis”, detalha.
Algumas atitudes como agressividade, desobediência, irritabilidade, choro fácil, insegurança quanto a ser amado, desatenção, agitação, alterações no sono ou exigências na hora de dormir podem provocar nos adultos a sensação de que a criança é mimada.
Antes de rotular os pequenos, é importante lembrar que eles demonstram como se sentem principalmente pelo comportamento. “Esses sinais sugerem que algo mais grave pode estar acontecendo. O estresse emocional ou tóxico pode provocar, a longo prazo, transtornos alimentares, ansiedade, depressão e outras doenças”, explica a pediatra.
O diálogo com a criança e a demonstração respeitosa de que os pais ou cuidadores validam os sentimentos dela são ferramentas importantes para evitar que os pequenos recorram a um comportamento “mimado” como forma de demonstrar insatisfação.
“Ser firme e afetuoso e não voltar atrás nas decisões é essencial para dar segurança para os filhos”, orienta a psicóloga.
Ter tempo de qualidade, demonstrando interesse pela vida do filho e dando autonomia para ele, à medida em que ele cresce, também são fundamentais.
Tanto Karina quanto Kathleen concordam que estar por perto, de verdade, é algo essencial para os filhos. “Eu dou atenção 100%. Se ela quer colo, eu dou; se quer me abraçar, eu abraço. Considero uma criança mimada aquela que não sabe ouvir não. Quando ela chora, eu acalento, mas sempre educo”, detalha Karina. Kathleen completa:
“Colo e atenção são essenciais. É amor, é carinho. Ninguém fica mimado por ser amado”
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A livre demanda é uma experiência desafiadora para as mulheres. O Lunetas conversou com mães e especialistas para entender este momento. Leia mais em: “Amamentação: livre demanda não é escolha fácil, é preciso apoio”