Montessori: um guia para descobrir a ‘pedagogia da autonomia’

Como aplicar na vida a ideia preconizada pela educadora Maria Montessori, de que é possível descobrir o mundo com as mãos, os olhos, o nariz e os ouvidos?

Camilla Hoshino Publicado em 05.12.2017
Menina engatinha em cima da cama e olha para a foto. Ela veste uma camiseta cor de rosa e é loira. Ao lado esquerdo aparece um pote de vidro derrubado, com diversas sementes brancas dentro e fora dele.

Resumo

Mais do que uma palavra da moda, Montessori define um pensamento para a educação e para a vida que confia na capacidade de 'ser' das crianças.

Uma criança se senta no chão do quarto e, pela primeira vez, dá sinais de que tentará amarrar o cadarço do sapato, sozinha. O movimento desajeitado demora algum tempo, até que os pais percebem o desafio, observam e decidem deixar que ela conquiste os próprios resultados.  Essa simples imagem descrita acima, que retrata um capítulo já vivido por muitas famílias, nos fornece um ponto de partida para pensar a abordagem Montessori na vida cotidiana, uma pedagogia focada na autonomia e no desenvolvimento natural do indivíduo. 

“Nunca devemos interromper a criança envolvida em uma atividade que ela acha que pode fazer sozinha”

Montessori, quem? 

Nos sites e blogs sobre infância e maternidade, a palavra Montessori desponta como um verdadeiro fenômeno, quase uma moda. O Pinterest está cheio de inspirações “montessorianas”, as lojas entupidas de ideias e a cabeça das mães e dos pais cheia de porquês. Afinal, quem foi Maria Montessori? O que ela defendia para a infância? Existe brinquedo montessoriano? Trata-se de uma linha pedagógica? O que é uma escola montessoriana? Conversamos com especialistas para compreender a fundo essas e outras dúvidas recorrentes dos pais.

De acordo com Gabriel Salomão, doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e especialista em Montessori, autonomia é a palavra-chave. A partir daí, é possível aplicá-la ao dia dia, à escola, ou às relações de uma forma geral.

“Nunca devemos interromper a criança envolvida em uma atividade que ela acha que pode fazer sozinha”, sugere o pesquisador.

Segundo ele, outras duas palavras também são essenciais: independência e liberdade. O que não significa “deixar que a criança pule em direção à janela”, como brinca o professor, mas fornecer as condições favoráveis para ela florescer e se desenvolver com suas próprias ferramentas.

Quem foi Maria Montessori?
Maria Montessori (1870-1952) foi uma psiquiatra italiana que se dedicou por quase dez anos ao estudo da Educação. Em 1907, montou o “Lar das Crianças” (
Casa dei Bambini), considerada uma revolução educacional que rompeu com a ideia de escola ou creche. Ali, ela observou algumas surpresas, a partir do aprendizado por meio dos sentidos: crianças aprendiam a ler e a escrever de forma tranquila e rápida, o que a imprensa da época chamou de “explosão da escrita”. Na opinião da educadora, crianças se revelam, pois possuem liberdade para trabalhar. Em 1909, escreveu “O Método da Pedagogia Científica Aplicado à Educação Infantil no Lar das Crianças, uma obra de cunho acadêmico e analítico, na qual expõe seu pensamento completo.

(Fonte: Gabriel Salomão, professor e pesquisador da USP)

A criança como uma pesquisadora nata

O desenvolvimento da abordagem Montessori acontece a partir da observação dos chamados “planos sucessivos de independência”, isto é, diferentes fases da busca por autonomia pela criança em relação aos adultos ao seu redor.

Em cada fase, de acordo com Salomão, predominam comportamentos específicos, o que permite elaborar possibilidades de aprendizado para as faixas etárias. Aos adultos, cabe confiar nas crianças e observar com atenção o que as ações dos pequenos têm a dizer sobre suas demandas.

A partir dos três anos, por exemplo, quando as crianças começam a montar, empilhar e colocar objetos em sequência, surge uma oportunidade de fornecer aos filhos uma atividade na qual eles possam se envolver. Segundo o professor, existem várias possibilidades, desde um brinquedo que exija interação – como o lego, por exemplo -, até atividades cotidianas da casa, como fazer suco, regar as plantas e arrumar a cama.  

 “Se mostrarmos às crianças, com paciência, como fazer as coisas, elas irão curtir muito e se dedicar à atividade. A criança se torna independente a, ao mesmo tempo, mais cooperativa, pois sente que o adulto está fazendo de tudo para ajudá-la. Então, quando o adulto pede alguma coisa, ela também faz, pois existe uma relação mútua de respeito, muito pacífica”, defende o professor. 

E a televisão?

A princípio, como explica Salomão, o pensamento da educação montessoriana não trabalha com a televisão. Porém, reconhecendo a realidade social e cultural das famílias e possibilitando uma adaptação a ela, o pesquisador sugere optar por filmes no lugar dos desenhos. Ou ainda por documentários. Ele explica o porquê: “Nos documentários, a câmera fica parada, as cenas são mais lentas e não há muito barulho. É menos agressivo e não vicia, portanto, não afeta a criança e nem faz ela perder o sono.”

Educação e ambiente escolar

Atualmente, a abordagem Montessori é aplicada em inúmeras escolas pelo Brasil, desde os berçários até o nível universitário.

A diretora pedagógica da Prima Escola Montessori de São Paulo, Edimara de Lima, explica que a aplicação dessa linha pedagógica exige professores que se comportem como “eternos aprendizes”, buscando sempre novas descobertas no campo da Ciência da Educação e da Psicologia.

Embora a prática montessoriana proponha “planos de desenvolvimento” para cada idade, não se pode deixar de considerar a individualidade dos alunos. “Cada criança que entra na escola tem uma história diferente, que pode exigir instrumentos diferentes de aprendizado. Portanto, é preciso paciência para entender essas necessidades e não apenas preencher fórmulas”, diz a diretora.

Um dos processos de ensino que ela descreve é a alfabetização, cuja corrente utilizada por Maria Montessori focou em três princípios: o texto, a palavra e a sílaba ou som das letras. Ela explica que, com base na fonética, são apresentados os tons e nomes das letras e, a partir do momento em que crianças conseguem identificá-las, começam a compor as palavras. Para isso, utilizam um alfabeto móvel de madeira, antes de aprenderem a escrever.

“Montessori dizia que é preciso isolar as dificuldades, fazendo uma coisa de cada vez, estabelecendo etapas.” E, ao mesmo tempo em que criança aprende a construir a palavra, também trabalha com o reconhecimento dos textos, seja pela escuta da leitura de terceiros ou montando histórias oralmente.

Preparando a casa

Pensado originalmente para a educação, a abordagem Montessori acabou sendo adaptada para o cotidiano das famílias. Para praticar em casa, o ideal é ter um ambiente preparado, onde a criança possa ter autonomia, de acordo com a sua idade, para fazer suas próprias tarefas.

É isso o que a empresária Cintia Rimkus Giorgi Gomiero organiza no dia a dia da família. “São coisas simples do cotidiano, que em Montessori são chamadas de ‘atividades da vida prática’, como pentear o cabelo, escolher uma roupa, escovar os dentes ou limpar algo que sujou”, afirma.

Mãe de Miguel, de cinco anos, e de Ana Júlia, de um ano e dois meses, a empresária conta que disponibiliza os objetos de forma acessível para as crianças, como um banquinho para alcançar a pia do banheiro ou um cesto baixo para roupa suja. “Isso não significa que nós não estamos ali, junto com eles. Nós estamos, mas muitas vezes apenas observando.” Para ela, essas são atitudes simples que não alteram a rotina.

Cíntia também é idealizadora da loja Quando Viramos Pais, que oferece brinquedos e materiais de madeira ou crochê para crianças, todos feitos à mão e inspirados no pensamento Montessori.  

Existem ‘brinquedos montessorianos’?

Segundo Gabriel Salomão, não. Para ele, o que há são brinquedos ou materiais pelos quais o interesse da criança perdura.

Geralmente, eles se encaixam na categoria de “brinquedos educativos”, como jogos de encaixe, sequencia lógica, sem muitas cores ou fórmulas. Em geral, são de madeira, pano ou metal. “Se a criança acha muito complexo, ela desiste. Se consegue enxergar potencial de sucesso, persiste”, afirma o pesquisador.  

Independentemente da forma como se organiza a casa ou do brinquedo escolhido para cada idade, o mais importante, segundo Salomão, é prestar atenção naquilo que a criança está dizendo por meio de suas ações. “Se ela está mostrando que quer algo de encaixar, ela pode brincar até com as panelas”, ressalta.

E ainda que a liberdade seja elemento indispensável nessa pedagogia, a autonomia da criança deve ir até certo ponto; por isso, alguns limites devem ser colocados desde cedo: a criança não pode fazer coisas perigosas, nem mal a ela mesma ou às pessoas ao seu redor. Também não pode destruir o meio ambiente, por exemplo.

“Esses limites podem ser estabelecidos com firmeza, mas com cuidado, sem agressão ou raiva”, diz o pesquisador, que encontra na fonte inspiradora de seu trabalho as palavras mais adequadas para definir o legado de Maria Montessori: “uma ajuda à vida”. 

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