Com enredos que exaltaram a cultura afro e originária, desfiles das escolas de samba também mostraram que carnaval é coisa de criança
Neste Carnaval, meninos e meninas protagonizaram comissões de frente, alegorias e alas próprias nas escolas de samba e em enredos que exaltaram a cultura afro e originária.
A Viradouro, escola campeã do Rio de Janeiro, apresentou o enredo “Arroboboi, Dangbé”, sobre o culto das guerreiras Mino, do reino Daomé, com destaque para os toques de atabaques na bateria. Além dela, seis das 12 escolas de samba do grupo especial homenagearam personagens da cultura africana. Em São Paulo, a campeã Mocidade Alegre, mostrou as viagens de Mario de Andrade, um escritor negro, com o enredo “Brasileia desvairada”. Nos últimos dez anos, a temática apareceu 39 vezes na avenida de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas só quatro vezes rendeu títulos de campeã.
Além do destaque para as lutas antirracistas, outro tema recorrente neste Carnaval foi o respeito aos povos originários. A esperança em salvar o mundo criado por Oxalá apareceu no desfile da Unidos de Vila Isabel. Já a Acadêmicos do Salgueiro trouxe um enredo a favor dos povos Yanomami para tratar de questões como a crise ambiental e o cuidado com a floresta.
É por meio de sambas-enredo que Regina Lucia dos Santos, coordenadora do Movimento Negro Unificado de SP, diz ter contato com “tantas outras coisas da cultura da população negra e indígena […] num país que a única história que toda a educação formal ensina é a da Europa”, escreveu em artigo publicado pelo site Alma Preta.
Esse viés educativo da festa ganha ainda mais relevância ao garantir um espaço de destaque para as crianças. Elas, que costumam participar dessa tradição em suas comunidades, apareceram no enredo de algumas escolas de samba ou protagonizaram coreografias inteiras de uma ala.
A Unidos do Viradouro foi a campeã do Carnaval 2024, no Rio de Janeiro, ao falar sobre a serpente Dangbé, cultuada pelas mulheres guerreiras africanas. Mas, no desfile das escolas de samba mirim, o enredo “E todo menino é um rei” foi comandado por meninas e meninos da comunidade que fazem parte do projeto Virando Esperança.
Com o enredo “Um defeito de cor”, inspirado no livro de mesmo nome, da escritora Ana Maria Gonçalves, a Portela reuniu referências da história de Luiza Mahim (ou Kehinde), mulher escravizada que participou de revoltas como a dos Malês. Se na literatura, temos a carta de uma mãe ao filho perdido, no samba, é o filho que responde à mãe “Teu nome vive, teu povo é livre, teu filho venceu, mulher”. Em uma das alas, 16 mulheres levavam objetos que lembravam seus filhos vítimas da violência. Elas eram também uma representação de Kehinde na luta pela memória das crianças e na luta por justiça. O desfile fez até o livro voltar à lista dos mais vendidos e até esgotou em uma plataforma.
Depois de 16 anos, a Acadêmicos do Salgueiro retomou uma ala própria das crianças. Com o enredo “Hutukara”, a escola homenageou os povos Yanomami com um desfile cheio de referências à sabedoria ancestral e um alerta para a situação dos povos da floresta. Durante a preparação do desfile, o xamã Davi Kopenawa visitou o barracão da escola e fez questão de conversar com as crianças da Aprendizes do Salgueiro, que forma novos ritmistas e passistas da escola. Para ele, as crianças lhe dariam mais atenção do que os adultos e depois contariam aos pais suas descobertas com mais entusiasmo.
Protagonistas da comissão de frente da escola, oito crianças simbolizaram a esperança da criação do mundo por Oxalá, história fictícia baseada na cultura iorubá. O enredo “Gbala – Viagem ao templo da criação” foi uma releitura do desfile de 1993 e mostrou as consequências da humanidade não honrar a natureza. Os orixás, portanto, reuniram crianças para salvar as próximas gerações – apesar de não serem necessariamente as responsáveis por essa salvação.
Com o enredo “A negra voz do amanhã”, crianças da comissão de frente participaram da primeira coreografia que representava a infância de Alcione, homenageada pela escola de samba. Depois, no último carro alegórico, crianças do projeto social Mangueira do Amanhã voltaram a dançar ao redor de Alcione, que ocupava o trono de rainha mangueirense. A cantora é a presidente de honra do projeto que beneficia crianças e adolescentes da comunidade da zona norte do Rio de Janeiro.
Em Nova Friburgo (RJ), a escola do grupo especial, Imperatriz de Olaria, também tem uma ala destinada às crianças. Este ano, o enredo “Um brinde à alegria! E vai rolar a festa!” mostrou como as regiões brasileiras e até outros países comemoram suas festas típicas. Teve dia das bruxas, homenagem ao boi de Parintins e maracatu de Pernambuco.