Saúde, segurança e educação: o que precisa estar em pauta nos planos de governos dos candidatos?
O Lunetas analisou os planos de governo e conversou com organizações ligadas aos direitos das crianças sobre os desafios essenciais que precisam estar na pauta destas eleições com relação aos temas infância, saúde, segurança e educação.
A proteção da infância e a educação são temas recorrentes nas campanhas eleitorais para os mais variados cargos políticos. O tema ganhou a centralidade em alguns momentos da corrida presidencial em 2018, em decorrência das afirmações dos candidatos sobre programas sociais como o Bolsa Família, e também acerca de educação à distância, Educação Infantil e porte de armas.
Em um fluxo tão grande de debates e informações, nem sempre é plausível distinguir o que são apenas propostas genéricas das propostas realizáveis, que podem realmente beneficiar a situação atual.
No primeiro turno, o Lunetas fez uma análise de como e quantas vezes as expressões Infância e Criança, Educação/Educação infantil e Creches apareciam nos planos de governo dos cinco presidenciáveis mais cotados na época. (Confira aqui o resultado).
Na sequência da nossa cobertura, desta vez para o segundo turno entre o candidato Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), para que você tenha insumos ao analisar os planos de governo na hora de votar, o Lunetas conversou com organizações sociais ligadas aos direitos das crianças sobre os desafios fundamentais que precisam estar na pauta dos candidatos para realmente proteger e fazer valer os direitos das crianças.
Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq, em entrevista ao Lunetas, afirmou que a infância e a adolescência devem ser prioridade em qualquer contexto político. “Considerando as especificidades de um ano eleitoral, e principalmente de um ano eleitoral que se inicia marcado por instabilidades em diversos setores da sociedade, é preciso avaliar as ameaças em relação às conquistas que estão embasadas no reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”, pondera Heloisa.
“É preciso atenção às propostas dos candidatos com relação a esse público em seu programa de governo. Não costumamos prestar muita atenção a essas propostas. Se o candidato não se compromete com as políticas de investimento na infância enquanto é candidato e quer conquistar votos, ele certamente não priorizará isso se for eleito”, defendeu.
Conforme diz a campanha da Fundação Abrinq:
“O voto consciente é importante para todos, principalmente para aqueles que não podem votar”
Intitulada “O caminho da prosperidade”, o plano de governo de Jair Bolsonaro se apresenta a favor da família, e defende que o Estado não deve interferir. A campanha afirma que “prender e deixar na cadeia salva vidas” para focalizar na importância de combater o estupro de mulheres e crianças. Apesar de não se ampliar no assunto (nas 81 páginas do texto, há somente cinco menções à palavra “criança” e zero à “infância”), a adolescência tem destaque.
O argumento central do texto em relação ao tema é de que a educação no Brasil deveria ser proporcional aos gastos públicos do segmento. O plano cita exemplos do sistema educação do Japão, Taiwan e Coréia do Sul como fundamentais para o desenvolvimento econômico e social, pautado em empreendedorismo e tecnologia. O texto se posiciona contra a doutrinação, e defende que o conteúdo de aprendizagem no Brasil deve ter “mais Matemática, Ciências e Português, sem doutrinação e sexualização precoce”.
Segundo o texto, a prioridade do governo Bolsonaro será a educação básica e o Ensino Médio/Técnico, e defende uma estratégia de Integração entre os Governos Federal, Estadual e Municipal.
Ele também defende a educação à distância, e diz: “deveria ser vista como um importante instrumento, e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”. O texto diz que é preciso revisar e modernizar o conteúdo “expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), impedindo a aprovação automática e a própria questão de disciplina dentro das escolas”
Não são apresentadas propostas para a Educação Infantil, sendo que o termo aparece uma vez ao longo das 81 páginas. As palavras creche e primeira infância também não são mencionadas.
A palavra segurança aparece dez vezes no plano de governo de Bolsonaro. O plano defende “reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa”. Diz também que “prender e deixar na cadeia salva vidas”. Um dos pontos destacados na campanha de Bolsonaro é a redução da maioridade penal para 16 anos.
O material também sugere “acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias”. O candidato do PSL reforça que as as Forças Armadas terão um papel essencial diante do desafio no combate ao crime organizado. A promessa é que haverá, em dois anos, um colégio militar em todas as capitais de Estado.
Mencionada 18 vezes, a palavra saúde é tratada como prioridade à prevenção. Bolsonaro promete fazer mudanças na Estratégia Saúde da Família, realizando treinamento para os agentes comunitários de saúde. Na proposta, eles se tornarão técnicos de saúde preventiva para auxiliar o controle de doenças frequentes, como diabetes, hipertensão, etc. Ainda no campo da prevenção, sugere que programas de saúde bucal de gestantes diminuirão o número de nascimentos prematuros.
Clique aqui para ler a proposta de Bolsonaro na íntegra.
Com o mote “O povo feliz de novo”, o plano de governo de Fernando Haddad dedica uma parte de seu plano de governo a discutir a infância como prioridade, e a situa dentro de um histórico de afirmação de direitos. Diz que promoverá a efetivação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), combaterá o trabalho infantil, retomará e ampliará as políticas de proteção às crianças no contexto de suas famílias e comunidades, prevenindo o abandono e a violência.
O plano também diz que serão aperfeiçoadas as redes de atendimento e proteção, qualificando e equipando os Conselhos Tutelares e integrando toda a rede de garantia de direitos desde o nascimento. “O cuidado com a primeira infância será uma diretriz estratégica do governo, de caráter transversal, com ações de proteção integral em todos as áreas”, afirma.
Com 62 páginas, é o material que menciona mais vezes as palavras “criança” e “infantil”, propondo atender às demandas não só de educação infantil, mas também de trabalho e desnutrição infantis. Sobre esses dois últimos pontos, propõe-se a criar a política nacional de segurança alimentar e nutricional, promovendo a soberania alimentar.
Ademais, vai promover a agricultura familiar, em bases agroecológicas, sem o uso de agrotóxicos, aproximando produção e consumo de modo a assegurar o acesso de todos e todas a alimentos de qualidade. Liderando pelo exemplo, o Brasil vai retomar o protagonismo internacional no enfrentamento à fome e à miséria”, diz o texto.
O plano diz que Haddad tem comprovado compromisso com todas as etapas e modalidades de educação. Ele consolidará a política de educação especial na perspectiva inclusiva em todas as etapas e modalidades de ensino e também devolverá à educação a prioridade estratégica atuando da creche à pós graduação.
Haddad retomará as políticas de saúde para as gestantes e de combate à mortalidade infantil, bem como apoiará fortemente os municípios para a ampliação das vagas em creche, que, além de representar um direito dos bebês e crianças, contribui para a autonomia das mulheres.
Na Educação Infantil, na perspectiva da educação integral, o plano de compromete a retomar intensamente a colaboração com municípios para ampliação com qualidade das vagas em creches e diz que priorizará a primeira infância.
Para o Ensino Fundamental, sugere realizar ajustes na Base Nacional Comum Curricular, em diálogo com a sociedade, “para retirar as imposições obscurantistas e alinhá-la às Diretrizes Nacionais Curriculares e ao PNE”.
O texto também se dedica ao assunto valorização do professor e promete investimentos na educação do campo, indígena e quilombola. Além disso, se discorre sobre assuntos relacionados ao EJA – Educação de Jovens e Adultos – e Ensino Médio. Para combater a evasão escolar, pretende criar um programa de permanência na escola para jovens em situação de pobreza.
A coligação PT/PCdoB/PROS afirma o compromisso de defender o SUS – Sistema Único de Saúde – como direito social de todo o povo brasileiro e dever do Estado. O Plano trata a saúde como direito fundamental e a palavra aparece 66 vezes ao longo do texto. Uma das propostas é aprimorar a regulamentação das relações com o terceiro setor de saúde, em particular com as organizações sociais, “superando o paradigma da precarização e da terceirização da gestão”. Ademais, regulará de forma mais transparente os planos privados de saúde, em favor de 22% da população que pagam por planos coletivos e individuais. Para isso, promete fortalecer conselhos e conferências de saúde.
Haddad diz que vai atuar fortemente na área da promoção da saúde, com políticas regulatórias e tributárias (referentes ao tabaco, sal, gorduras, açúcares, agrotóxicos etc.), por meio de programas que incentivem a atividade física e alimentação adequada, saudável e segura.
Diz também que o governo federal, em parceria com Estados e municípios, vai criar a rede de Clínicas de Especialidades Médicas em todas as regiões de saúde. Integradas com a atenção básica, as Clínicas garantirão o acesso a cuidados especializados por equipes multiprofissionais para superar a demanda reprimida de consultas, exames e cirurgias de média complexidade.
O capítulo dedicado à segurança diz que “O quadro atual da segurança pública é devastador. O número de homicídios no país superou a marca de 63,8 mil por ano. Isso significa uma média de mais de 170 mortes por dia, ou seja, é como se todos dias caísse um grande avião sem sobreviventes no país. Diz também que as vidas ceifadas são, em grande medida, de pessoas jovens, negras e moradoras da periferia.
Nesse contexto, o plano defende que política de controle de armas e munições deve ser aprimorada, reforçando seu rastreamento, por meio de rigorosa marcação, nos termos do estatuto do desarmamento. O texto também cita a o debate de militarização das polícias e também a valorização do profissional da segurança e fortalecimento da polícia científica.
Clique aqui para ler o plano de Fernando Haddad na íntegra.
Para o Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância – assegurar o direito à educação é mais que matricular na escola. É preciso ampliar o investimento de recursos públicos na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio (10% do PIB) conforme aprovado no Plano Nacional de Educação. Segundo o Fundo, é necessário garantir a eficácia dos investimentos em educação, fazendo com que os recursos sejam usados para reduzir as desigualdades na oferta de educação para os grupos mais vulneráveis.
Do mesmo modo é preciso desenvolver a política de promoção da igualdade racial na educação por meio das leis 10.639/03 e 11. 645/08 (que versam sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira). Além disso, oferecer condições para que as escolas construam currículos para promover inclusão, igualdade nas relações raciais e equidade nas oportunidades de aprender e desenvolver-se. Já a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que todas crianças tenham acesso à creche em tempo integral.
Reduzir a violência é mais que investir em segurança pública. Para o Unicef é preciso garantir dotações orçamentárias adequadas para programas multissetoriais que integrem aspectos da segurança pública com programas de educação e emprego, assistência social e proteção para os adolescentes mais vulneráveis e suas famílias. Além disso, as políticas devem incluir reforçar a legislação para limitar o acesso e a circulação de armas de fogo.
Entre as ações, sugere que, nos territórios em que se concentram os homicídios, sejam realizadas ações de proteção de adolescentes ameaçados e de articulação das políticas de segurança com as demais políticas sociais e também adotar protocolos de prevenção de conflitos e de atendimento a famílias e pessoas do círculo de amizade de adolescentes vítimas de homicídios.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também se pronunciou sobre o tema e recomendou em sua agenda que escolas, centros esportivos, núcleos comunitários, precisam ser objeto de atenção especial das autoridades, para que não se repitam trágicos episódios de mortes e sequelas geradas por conflitos com criminosos.
Garantir a sobrevivência das crianças é mais que haver serviços de saúde. Segundo o Unicef é preciso ampliar os investimentos na promoção da saúde, na atenção básica (SUS) e no saneamento básico. Garantir também investimentos em coleta de lixo e tratamento do esgoto.
Para isso, é preciso ampliar a estratégia de Saúde da Família em municípios e territórios vulneráveis, fortalecer as políticas de capacitação continuada na atenção básica do SUS e focar na qualidade da atenção básica, em especial pré-natal, parto e nascimento, tratamento de doenças infecciosas e parasitárias e prevenção das imunopreveníveis, monitorar sistematicamente a cobertura vacinal e criar estratégias para áreas de menor cobertura.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também insiste na importância da imunização. Recomenda que se fortaleça o Programa Nacional de Imunização para manter altos os níveis de cobertura da população em geral, em especial de crianças e adolescentes, afastando o risco das doenças infectocontagiosas.
Além disso, sugere que a relação entre planos de saúde e médicos deve ser reequilibrada, com efetivo arbítrio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a partir do fim da interferência das empresas na atuação dos profissionais, assegurando-lhes autonomia, com base nas evidências científicas, e respeito aos contratos de trabalho estabelecidos.
Ademais propõe que as mulheres contem com suporte para oferecer o leite materno aos seus filhos, o que inclui medidas como a ampliação do tempo de licenças maternidade e paternidade; a criação de núcleos de apoio nos ambientes de trabalho; a criação de unidades em todas as maternidades para assistirem as lactantes durante todo o período da amamentação; e a realização de campanhas permanentes de orientação e estímulo ao aleitamento.
Veja aqui as recomendações do Unicef e da SBP
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A importância da ONU e dos ODS
Em 2015, mais de 150 líderes mundiais se reuniram na sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova York para adotar uma agenda comum em relação ao desenvolvimento global. O resultado dessa agenda são os chamados ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), metas internacionais em diversas áreas de atuação que devem ser implementadas por todos os países do mundo durante os próximos 15 anos, até 2030.
Ao todo, são 17 ODS. Dentre elas, estão educação inclusiva e equitativa, igualdade de gênero entre meninas e meninos, emprego e trabalho para todos, redução de desigualdades econômicas, construção de sociedades pacíficas e justas para todos, entre outras.
Utilizado como parâmetro de desenvolvimento, os ODS também podem funcionar como um termômetro para avaliar o que cada candidato tem a dizer sobre os temas que estão no foco das atenções políticas em todo o mundo.
O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, declarou, em agosto deste ano, que, caso seja eleito, irá retirar o país da ONU, inviabilizando a presença nos planos de desenvolvimento comum com nações de todo o mundo. A afirmação aconteceu durante um evento da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio de Janeiro.
“Se eu for presidente eu saio da ONU, não serve pra nada esta instituição”, afirmou o candidato, conforme notícia publicada pelo portal G1.
Clique aqui para saber mais sobre os ODS e se informar para cobrar seu candidato em relação às prioridades globais de desenvolvimento.