O print é eterno! Apagar as imagens e pedir desculpas não é o suficiente para que a Balenciaga demonstre que aprendeu a respeitar os direitos das crianças
Depois de expor crianças fora do contexto lúdico e ser acusada de incitar a normalização da sexualização infantil, a marca espanhola Balenciaga assume a responsabilidade de seus erros. Isso é suficiente? Entenda a polêmica.
Diferente do burburinho que o diretor artístico Demna Gvasalia da Balenciaga costuma criar quando transforma objetos de uso cotidiano em conceitos de luxo para o mercado da moda, a grife espanhola tornou-se um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. Ao divulgar uma campanha com crianças fotografadas com bolsas em forma de ursinhos de pelúcia sadomasoquistas em um ambiente com copos de bebidas alcoólicas, mesmo que vazios.
Após a publicação da campanha primavera-verão 2023 em que os limites dos direitos das crianças foram ultrapassados. As fotos foram compartilhadas e recompartilhadas à exaustão, sempre seguidas de comentários inflamados e da apropriação política das imagens.
“Infelizmente esse é mais um exemplo de como as empresas e marcas de luxo, como a Balenciaga, não estão preparadas para lidar com a exposição de imagens de crianças na era digital. Especialmente quando elas são colocadas em situações vexatórias, fora de contexto do universo lúdico infantojuvenil. O que acaba gerando uma superexposição das crianças que participaram da campanha”, comenta Pedro Hartung, Diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana.
Além da falta de sensibilidade no processo criativo da campanha, Hartung pontua o dever jurídico de proteção da imagem das crianças contratadas para o trabalho infantil artístico na publicidade. E quais são esses deveres? “Não colocar a criança em situação vexatória. Não fazer alusões de violência com relação a criança. E, segundo a observação da convenção número 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil artístico deve ser autorizado por autoridades competentes que devem avaliar o tipo e o contexto desse trabalho“, esclarece.
A repercussão negativa da campanha não vem sozinha. E se soma à outra peça publicitária controversa, na qual uma bolsa Balenciaga – criada em colaboração com a Adidas – aparece em cima de documentos com textos sobre pedofilia. A coincidência entre as duas campanhas acabou gerando dúvidas sobre as intenções da marca, que foi acusada pela opinião pública de incitar a pornografia infantil e a pedofilia.
Após dias de pressão nas redes sociais e nas mídias, a Balenciaga negou as acusações em um comunicado em seu Instagram: “Condenamos veementemente o abuso infantil. Nunca foi nossa intenção incluir o tema em nossas campanhas. As duas campanhas, separadamente, refletem uma série de erros graves, dos quais Balenciaga assume toda a responsabilidade. Estamos reforçando as estruturas do nosso processo criativo e das etapas de validação para evitar a repetição de casos como estes. Queremos aprender com nossos erros. E pedir sinceras desculpas a todos que se sentiram ofendidos, aos artistas e colaboradores.”
“É muito importante ressaltar que pedofilia, violência sexual e o abuso sexual contra criança e adolescente devem ser combatidos de forma direta. Não em mensagens subliminares que dão margem a interpretações. A única coisa que a gente deve fazer é condenar, denunciar e responsabilizar os agentes culpados”, ressalta Hartung.
“Com a violência sexual contra criança e adolescente não se brinca”
Um dia antes da premiação “Global Voices Award 2022”, nesta terça-feira (29), a Business of Fashion (BoF), publicação especializada na indústria da moda, anunciou que Demna Gvasalia seria excluído de seus homenageados. “Para a BoF, a segurança das crianças está em primeiro lugar. Como todos, queremos a verdade sobre as campanhas com referências sadomasoquistas da Balenciaga. O que vai contra os nossos valores”, diz a nota. Fora do prêmio, mas convidados para o evento, a marca preferiu declinar o convite e não se manifestar.
Nas redes sociais brasileiras, conservadores forçam uma comparação entre o caso da Balenciaga com a performance “O bicho”‘, do artista Wagner Schwartz, apresentada no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, em 2017. Culpam a “agenda progressista” pelo erro da Balenciaga, e espalham conspirações e notícias falsas.
Para Marcos Catalan, doutor em direito civil e especialista em sexualização incitada na publicidade, essa guerra de narrativas entre arte e publicidade não deve se confundir. “É evidente que a correlação é insustentável. Exposições artísticas são cercadas de cuidados com a tutela das crianças e dos adolescentes. Fato identificado na determinação imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de que haja advertência sobre a natureza das obras, a faixa etária à qual não se recomenda o acesso, ou acerca das restrições aos locais e horários de apresentação. A publicidade, por sua vez, quando difundida através da internet, não é submetida a tais filtros”, esclarece.
Segundo ele, outro ponto de distinção entre um caso e outro está em que a publicidade não pode ser entendida como liberdade de expressão. Não passando de uma estratégia mercadológica com alguns escopos que podem ser, no mais das vezes, claramente identificados. A expressão artística, por quaisquer meios, será sempre liberdade de expressão, goste ou não aquele que tem contato com ela.”
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