Álbum da Copa para quem? Preços altos restringem a brincadeira

Em um cenário de fome e desemprego, colecionar figurinhas da Copa fica em segundo plano - ou nem mesmo chega a acontecer

Eduarda Ramos Publicado em 30.08.2022
Montagem que mostra um menino negro segurando uma bola de futebol acima da cabeça, em preto e branco. Atrás, figurinhas da copa coloridas.
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Resumo

O caso de João Gabriel, 8, que desenhou seu próprio álbum da Copa por não poder adquirir um, levanta reflexões sobre como a insegurança por não saber como será o próximo dia dificulta a tradição de comprar e trocar figurinhas.

Faltam exatos 82 dias para o início da Copa do Mundo no Qatar. Enquanto isso, meninos e meninas se engajam na tradição de colecionar figurinhas para completar o álbum da Copa. Contudo, cada vez menos lares do país têm essa oportunidade – a diversão de trocar figurinhas com amigos e familiares está sendo repensada pelos valores envolvidos na atividade: estima-se que seja gasto no mínimo R$ 536 para completar um álbum, sendo cada pacote de figurinhas R$ 4 mais o custo dos álbuns entre R$ 12 (brochura) e R$ 44,90 (capa dura). Isso desconsiderando as figurinhas repetidas em cada pacote, o que encarece ainda mais a brincadeira.

Entre as crianças que não podem se dar esse luxo no momento, o pequeno João Gabriel, 8, repercutiu por desenhar o próprio álbum da Copa do Mundo. Completar as 670 figurinhas do álbum comprometeria metade da renda mensal da família. Seu pai, feirante, recebe cerca de um salário mínimo por mês.

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Montagem com dois quadrantes. Em um, as figurinhas desenhadas por João Gabriel. No outro, o menino. (Acervo pessoal/G1)

O salário mínimo necessário recomendado para o mês de julho pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é de R$ 6.388,55, contra os R$ 1.212 do salário mínimo vigente. O desemprego atinge 10,1 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Jenner Couto está na estatística de desempregados, o que o impede de adquirir o presente para o filho, um garotinho de dez anos, que não para de pedir o álbum de figurinhas da Copa desde os primeiros anúncios das vendas. Amante de futebol, coleciona álbuns da Copa desde 1994 e comprou até álbum de 2018, mas o cenário econômico atual não permitiu a concretização da atividade este ano.

“Ele tem um primo com uma condição bem melhor que a nossa, que até conseguiu uma figurinha lendária do Cristiano Ronaldo. Ele mostrou pro meu filho, e mesmo conversando muito com ele, sabe como é criança, né?”

Aos 33, embora não tenha filhos, Paolo é um dos amantes do futebol que adquiriram o álbum de figurinhas. Apesar do apelo emocional que trocar figurinhas e entrar em ritmo de Copa proporciona, os altos valores para completar o álbum o fizeram desanimar da atividade esse ano, mesmo com o álbum já comprado. Com o hobby de colecionar figurinhas desde a infância, a vida adulta não proporcionou estabilidade financeira para seguir realizando a atividade. “Eu comecei a comprar figurinha na infância por causa dos meus amigos da rua e escola. A gente tinha o hábito de obter as figurinhas jogando bafo”, relata.

“Era difícil por causa do poder de compra ser nulo e nossos pais sempre estarem sem grana. Era mais comum um amigo mais bem de vida abastecer o mercado de figurinha do grupo”

‘Esse ano a gente teve que escolher as batalhas’

Enquanto em 2018 os alunos realizaram uma copinha no ambiente escolar, em 2022, ninguém fala sobre a Copa do Mundo nas classes em que Raíssa Neves coordena, em uma escola pública de Mogi das Cruzes (SP). A educadora relata que a escola não conseguiu trabalhar a Festa Junina e Copa do Mundo, além dos alunos não possuírem estímulo em casa para manter o interesse nesses eventos. Entre atrasos de entrega de uniformes e ênfase em assuntos curriculares que não permitem um respiro dos estudantes voltado ao lazer, ela conta que 2022 foi um ano de “escolher as batalhas”, já que as perdas de aprendizagem da pandemia também impactam agressivamente no cotidiano dos pequenos.

O professor Marcos André, que leciona para turmas de 5º a 9º ano em São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, se contenta em observar a animação dos poucos alunos que trocam figurinhas no intervalo entre classes, mas sem colecionar figurinhas para um álbum particular este ano. Infelizmente, grande parte dos alunos fica apenas na vontade, observando a minoria que pode realizar a atividade.

“A maioria dessas crianças está tendo que se virar com só um membro da família empregado. Comprar um álbum e figurinhas seria um luxo”

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