Altas temperaturas afetam educação de milhões de alunos no mundo

Com escolas fechadas, crianças e adolescentes perdem a oportunidade de aprender comportamentos que favoreçam a proteção do clima

Michele Bravos Publicado em 16.09.2024
Foto de um menino negro de camiseta branca com a cabeça apoiada nos braços e pernas.
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Resumo

Alunos brasileiros podem perder até meio ano de estudos devido às mudanças climáticas, segundo estudo do Banco Mundial. Especialistas recomendam diálogo intersetorial focado principalmente nas crianças negras e pobres, as mais afetadas.

Em meio a um país queimando em chamas e às portas das eleições municipais, estudantes de 50% dos municípios brasileiros mais pobres podem perder o equivalente a meio ano do ano letivo devido às altas temperaturas. É o que diz o estudo “Choosing Our Future: Education for Climate Action”, do Banco Mundial. Além do Brasil, estudantes de outros países em desenvolvimento também são os mais afetados. Ao todo, desde 2022, mais de 400 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas porque suas escolas fecharam por questões relacionadas ao clima.

No entanto, é justamente por meio da educação que as novas gerações podem ter uma mudança de comportamento em favor do clima. Conforme explica Shwetlena Sabarwal, uma das autoras do estudo e líder para educação e mudança climática no Banco Mundial, a escola, “ao transformar mentalidades, comportamentos, habilidades e incentivar a inovação, pode desempenhar um papel catalisador na mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.

Ao mesmo tempo, apesar de 98% dos professores entrevistados por uma pesquisa da Nova Escola afirmarem reconhecer a importância de ensinar sobre fenômenos climáticos extremos, como enchentes e queimadas, apenas 56% conseguem levar o tema às aulas de modo frequente.

Onde buscar inspiração para uma educação climática?

Em um cenário em que as novas gerações têm consciência sobre o problema, mas se sentem sem saber como agir, como aponta o Banco Mundial, lições sobre o clima com ações comunitárias e abordagens de aprendizado prático, vinculadas aos contextos locais, podem ajudar a mobilizar os alunos. De acordo com Sabarwal, ações de fácil compreensão e que ressoam entre os estudantes ajudam a desenvolver um conhecimento mais abrangente e potencializam o aprendizado.

Como exemplo, ela cita que, na Nova Zelândia, “os ministérios do Meio Ambiente e da Educação trabalharam juntos para desenvolver materiais didáticos sobre o clima que incorporam os princípios indígenas Māori. Isso foi feito em consulta com líderes e educadores desse povo originário local”.

Segundo o relatório, com base em dados de 96 países, cada ano de educação aumenta a conscientização sobre as mudanças climáticas em cerca de 9%. Somado a isso, entende-se que a educação climática pode sensibilizar para mudanças de comportamentos em favor do clima.

Nesse sentido, Lunetas traz outros dois projetos que ajudam a implementar a educação climática nas escolas brasileiras:

  • Escolas climáticas
    O projeto Escolas climáticas, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), visa sensibilizar professores por meio do jogo educativo “Mural do clima”. Com ele, dados científicos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) ajudam a explicar de forma lúdica a crise climática. “Durante a formação, os professores relatam um certo choque ao se darem conta de quão presente as mudanças climáticas estão no nosso dia a dia. Eles percebem que, nesse cenário, toda uma cadeia entra em colapso. Por isso, trabalhamos soluções, no âmbito individual e coletivo”, conta Isabela Teixeira, educadora ambiental no Ipê. Depois, forma-se um “coletivo socioambiental” em cada escola. Assim, membros da comunidade escolar lideram ações de mitigação e adaptação com suporte técnico e financeiro do Instituto.
  • Detetive climático
    O projeto Detetive climático alterna entre atividades coletivas e a reflexão individual em uma espécie de diário de bordo. Para aproximar os alunos da realidade climática local, no Vale do Ribeira, “os exercícios são baseados no planejamento territorial participativo e buscam inspirar a implementação de atividades que valorizem os conhecimentos tradicionais”. É o que explica a professora e pesquisadora Sylmara Gonçalves Dias, da Universidade de São Paulo. Em colaboração com a Climate-U, da University College London, ela coordena esse projeto.

Por que desenvolver ‘habilidades verdes’?

Quando o assunto é incorporar educação climática aos currículos escolares, também é preciso estimular o desenvolvimento das chamadas “habilidades verdes” entre estudantes e professores, o que envolve:

  1. Resolução de problemas: para enfrentar desafios climáticos, é fundamental focar em soluções práticas que ajudem a minimizar os danos ao meio ambiente, individual e coletivamente.
  2. Colaboração: a união de diversas áreas do conhecimento para resolver questões ambientais aumenta nossas chances de criar estratégias mais eficazes e duradouras.
  3. Comunicação: falar sobre o meio ambiente de forma clara e objetiva é crucial para sensibilizar e incentivar as pessoas a ter atitudes mais sustentáveis em seu dia a dia.
  4. Tomada de decisão: decisões conscientes, informadas e responsáveis são a base para práticas que impactem positivamente o meio ambiente também a longo prazo.
  5. Pensamento crítico: avaliar de forma crítica as informações que recebemos sobre as mudanças climáticas permite entender melhor a profundidade dos problemas e nos capacita a agir de forma mais assertiva.
  6. Trabalho em equipe: ações climáticas eficazes dependem de esforços coletivos, de modo a viabilizar soluções que seriam difíceis de alcançar sozinhos.
  7. Inteligência emocional: essa é uma forma de lidar com o estresse e continuar engajado nas soluções, uma vez que enfrentar os desafios ambientais pode ser emocionalmente desgastante.
  8. Resiliência: isso permite continuar avançando, mesmo diante de obstáculos, pois, quando lidamos com crises ambientais, adversidades fazem parte do processo.
  9. Empatia: o exercício de se colocar no lugar das comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas faz refletir sobre a necessidade de criar soluções que beneficiem a todos.
  10. Compaixão: é o que nos move a agir, não apenas em benefício próprio, mas em prol de um futuro sustentável para as próximas gerações.

Mas só a escola é responsável?

Deixar a maior parte da responsabilidade por conter os avanços da mudança climática na educação pode “aumentar a carga sobre profissionais que já estão sobrecarregados. E, ainda, sem financiamento”, diz Anne Heloise, coordenadora de educação climática do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC). Para ela, as iniciativas de promoção das “habilidades verdes” devem ser criadas em diálogo entre governo, organizações da sociedade civil e movimentos sociais.

“Do contrário, estaremos vivendo uma educação climática de aparências”

Segundo o estudo “Choosing Our Future: Education for Climate Action”, apenas 1,5% do financiamento climático foi destinado ao setor educacional em 2021. No entanto, a análise feita pelos pesquisadores do Banco Mundial mostra que “governos podem agir agora para adaptar as escolas às mudanças climáticas de forma econômica”.

Como explica Sabarwal, um pacote de adaptação de baixo custo para sistemas educacionais custaria cerca de US$ 18,51 por aluno. Outros pacotes mais eficazes, mas também mais caros, custam entre US$ 45,68 e US$ 101,97 por aluno. “Todos incluem soluções para controle de temperatura, resiliência da infraestrutura, ensino remoto durante fechamentos escolares e capacitação de professores”, afirma.

Mas, quando o acesso à conectividade não é o mesmo para todos, Heloise lembra que “o foco de investimento deve estar no espaço público de convivência e nas pessoas”. Isso porque o confinamento limita o desenvolvimento de habilidades interpessoais, fundamentais para o futuro de crianças e jovens.

Quem são os estudantes mais afetados?

Para a coordenadora de educação climática do CBJC, Anne Heloise, um diálogo honesto sobre os efeitos da mudança climática na educação e, por consequência, sobre o desenvolvimento dos mais novos, deve considerar, entre outros fatores, raça, gênero e classe social.

Por exemplo, durante o desastre ambiental ocorrido no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, muitas escolas públicas foram destruídas, outras passaram a funcionar como abrigos temporários para populações que perderam suas casas. Mas, em geral, isso não aconteceu com escolas particulares.

“Lembrar quem ocupa espaços e territórios onde estão as escolas é fundamental. Crianças negras são, sem dúvida, as mais afetadas”

Após cruzar dados sobre as áreas afetadas pelo evento climático em questão e os dados de renda e raça do Censo 2010 (dados do Censo 2022 ainda não estavam disponíveis), o Observatório das Metrópoles confirmou então que as regiões mais afetadas eram predominantemente ocupadas por populações negras e de baixa renda.

Além da educação climática nas escolas públicas brasileiras ainda ser pontual, e não de forma perene, diz Heloise, “são os estudantes de escolas particulares, de zonas mais ricas, que costumam ter a chance de estudar mais esse tema”. Ou seja, crianças brancas, a maioria em escolas menos afetadas, acabam tendo mais chances de orientarem suas respostas aos desafios climáticos.

Desse modo, a coordenadora teme que esse cenário aprofunde a exclusão social. Assim, ao perderem mais dias de aula por conta dos impactos nas suas escolas, podem ter seu desenvolvimento acadêmico prejudicado. No futuro, isso pode significar menos oportunidades de participar na criação de soluções para um problema que as afeta diretamente.

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