Fala da criança: ‘as telas não trazem a riqueza da troca’

A fonoaudióloga do Departamento de Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, Ana Cristina Montenegro, tira dúvidas sobre a fala da criança

Camilla Hoshino Publicado em 04.07.2017
Foto em preto e branco. Uma mulher de cabelos presos, em um rabo de cavalo com tranças, faz carinho com o dedo indicador no rosto de um bebê com cabelos cacheados.

Resumo

As primeiras sílabas, os primeiros sons, e as tão esperadas palavras, frases, perguntas e conversas: a fala das crianças é um dos marcos mais esperados do desenvolvimento infantil. Porém, esperar por esse marco, muitas vezes, pode gerar angústia nas famílias.

As primeiras sílabas, os primeiros sons, e as tão esperadas palavras, frases, perguntas e conversas: a fala da criança é um dos marcos mais esperados do desenvolvimento infantil. Porém, esperar por esse marco, muitas vezes, pode gerar angústia e frustração nas famílias: e quando a criança demora a falar? Até que ponto pode-se considerar natural o atraso na linguagem? Quando procurar auxílio profissional? As dúvidas são muitas.

Conversamos com a fonoaudióloga e coordenadora do Departamento de Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, Ana Cristina Montenegro, sobre o assunto para sanar as principais dúvidas.

“No meio de outras, a criança precisa falar, pedir, compartilhar o brinquedo. A troca entre elas que é muito rica. Crianças aprendem juntas”

De acordo com a especialista, a fala de uma criança é resultado de diversos fatores, mas a família e os adultos com quem a criança convivem tem um papel importante nesse desenvolvimento:

“O olho no olho, na mesma altura da criança, o contar histórias, a leitura: esse contato é muito mais qualitativo do que quantitativo, é um diferencial pra criança”

Confira a entrevista:

Lunetas: Com que idade é esperado que a criança comece a falar?

Ana Cristina Montenegro: A gente espera que a criança comece a falar os primeiros sons e sílabas por volta de um ano e meio. Tem crianças que falam mais rápido. Mas o que acontece muito são os pais e cuidadores não deixarem com que a criança tenha a necessidade da fala. A criança aponta e já ganha o que quer. Ela não tem a necessidade de falar. Por volta dos três anos é esperado que a criança converse sem ajuda de um adulto. Com  dois anos isso ainda não acontece.  Nessa idade é comum a mãe ou outro adulto mais próximo “traduzirem” a conversa.

Lunetas: Quais são os sinais de que há algum atraso no desenvolvimento da fala?

Ana Cristina Montenegro: Por volta do primeiro ano, é preciso notar se a criança demonstra atenção quando chamada, se ela corresponde ao olhar de terceiros e aos chamados. A não correspondência pode ser um indício de alguma outra circunstância que pode merecer atenção.

Lunetas: Devemos corrigir a fala da criança?

Ana Cristina Montenegro: A gente deve dar o modelo adequado, e não a correção. Não é legal repetir a pronúncia errada, porque a criança guarda essa pronúncia errada. Basta repetir a palavra da forma correta.

“Por volta do primeiro ano, é preciso notar se a criança demonstra atenção quando é chamada”

Lunetas: Falar com voz de bebê é prejudicial?

Ana Cristina Montenegro: Da mesma forma como repetir o que a criança fala errado não é legal, falar com vozinha de criança também não é legal. A criança precisa ter acesso à língua da forma como é falada.

Lunetas: Qual é a importância de falar com as crianças? Da interação com os adultos?

Ana Cristina Montenegro: O olho no olho, na mesma altura da criança. O contar histórias, a leitura, esse contato com a criança, que é muito mais qualitativo do que quantitativo, é um diferencial para o seu desenvolvimento.

Lunetas: Tablets e outras telas: eles atrapalham o desenvolvimento da fala?

Ana Cristina Montenegro: Com os tablets e a televisão a criança fica quieta. Esses dispositivos não trazem a riqueza da troca. O cérebro da criança começa a processar de uma forma diferente. Todas as necessidades estão naquilo ali. Pais com seus tablets: esses são os modelos de interações que as crianças estão aprendendo. De fato, cadê o olho no olho, cadê? A atenção compartilhada que nos diferencia dos outros seres. Mas é uma geração [que cresceu em contato com os tablets] que estamos começando a conhecer.

“Falar com vozinha infantil não é legal. A criança precisa ter acesso à língua da forma como é falada”

Lunetas: Qual é a importância da convivência com outras crianças?

Ana Cristina Montenegro: Existem crianças que convivem com os mais velhos, que ficam parecendo um adulto pequeno, mas o que mais ocorre é que os adultos suprem essa necessidade.

Lunetas: Qual é a importância da leitura para o desenvolvimento da fala?

Ana Cristina Montenegro: A leitura favorece o aumento de vocabulário e expressões que não usamos na linguagem falada. A imaginação, a memória, a construção de um discurso e o acesso feito de uma forma menos estranha, que já faz parte do dia a dia, ajuda a naturalizar o momento da alfabetização. A leitura faz com que a criança aumente o vocabulário, conheça formas e expressões que não usamos no dia a dia. Isso tudo são diferenciais: a criatividade, a imaginação. A criança começa a imaginar e a criar.

Lunetas: E a chupeta e a mamadeira: o uso prejudica o desenvolvimento da fala?

Ana Cristina Montenegro: Há um processo que vem da amamentação e depois com a alimentação. O uso da chupeta e da mamadeira não são recomendados. Eu sou mãe e dei chupeta pros meus filhos, é difícil… Mas essa fase da sucção precisa ser nutrida, pois fortalecerá a musculatura da boca, utilizada na fala.

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