Pobreza multidimensional atinge 32 milhões de crianças e jovens

Estudo do Unicef reforça que não é suficiente analisar apenas a renda para mensurar a situação sócio-econômica de crianças e adolescentes no país

Eduarda Ramos Publicado em 17.10.2023
Na imagem, um menino de pele escura segura uma criança no colo. Ele está na parte externa de uma habitação feita com pedaços de madeira. A imagem ilustra matéria sobre pobreza multidimensional.
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Resumo

Estudo do Unicef mostra que o cuidado voltado às crianças deve ser intersetorial e medir apenas a renda não basta para entender todas as complexidades vividas por crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.

A quantidade de crianças privadas de algum direito no país caiu apenas 3% nos últimos três anos. Mesmo assim, cerca de 32 milhões ainda vive em condições de “pobreza multidimensional”, como aponta o relatório do Unicef, lançado este mês e que utiliza os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2016 e 2022.

O documento considera que a pobreza, na infância e na adolescência, nunca é só monetária, mas sim multidimensional. Ou seja, ela é o resultado de uma série de privações, exclusões e vulnerabilidades a que meninas e meninos estão expostos. Por isso, o Unicef analisou o acesso de crianças e adolescentes a seis direitos básicos: informação, renda, educação, água, saneamento e moradia. Esses indicadores explicam a ideia de pobreza multidimensional, que considera a situação da criança para além da condição financeira.

Informação e renda refletem na pobreza alimentar

O Unicef considera que crianças e adolescentes sem internet e televisão em casa estão em situação de privação extrema de informação. Já para mensurar a renda familiar, o valor é avaliado pela linha de pobreza monetária extrema. O que corresponde a R$ 220 mensais por pessoa em áreas urbanas e R$ 180 em áreas rurais.

Informação e renda são os índices que mais melhoraram. Em 2022, 3% das crianças e adolescentes estavam privados na dimensão de informação, frente a 7% em 2019. Na dimensão de renda, a proporção caiu de 39% para 36% no mesmo período. Os indicadores reforçam que “é necessário pensar de modo prioritário nos direitos de crianças e adolescentes. Mas isso é algo que somente a informação de rendimentos não revela”, explica Santiago Varella, especialista em políticas sociais do Unicef Brasil. Para ele, políticas públicas de transferência de renda como o bolsa família, por exemplo, podem ter efeitos na saúde e educação. Porém, “é importante ir além da renda” quando o objetivo é monitorar “ações e políticas públicas mais abrangentes, que podem contribuir para os direitos de crianças e adolescentes”.

Embora o índice da renda esteja melhor, isso não refletiu na dimensão de alimentação, que ficou estável, como explica Varella. “Isso ocorre por uma ampliação dos preços dos alimentos, que é a informação que usamos para calcular esse indicador”. No geral, o relatório aponta que cerca de 20% da população de crianças e adolescentes têm renda familiar abaixo do necessário para uma alimentação apropriada.

Educação ainda tem queda na alfabetização

Na dimensão educacional, especialmente voltada a indivíduos negros e ao analfabetismo, o relatório indica uma piora recente. Atualmente, cerca de 40% das crianças de sete anos é considerada analfabeta, frente a 20% em 2019. Todos os cortes afetados pela pandemia durante a fase de alfabetização mostram um aumento considerável das taxas de analfabetismo.

Por outro lado, a privação correspondente à idade correta para o ano escolar apresentou índices positivos. Segundo Varella, é possível ser “mero efeito estatístico por causa do maior número de aprovações durante a pandemia”. Para ele, apesar da queda na alfabetização, há sinais positivos no âmbito federal. “Seja no próprio Plano Plurianual (PPA), com a priorização dessa dimensão, ou em ações recentes do Ministério da Educação, como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.”

Água, saneamento e moradia precisam de políticas públicas integradas

A privação de saneamento é a maior entre as analisadas pelo estudo: 37% das crianças e adolescentes vivem com pouco ou nenhum saneamento básico, o que são quase 20 milhões de indivíduos. Já as privações de água e moradia, respectivamente, chegam a 5% e 9%, índices menores do que em 2019.

Comportando a necessidade de políticas públicas voltadas a um sistema integrado e que considere a ideia da pobreza multidimensional, Varella cita o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O mecanismo desenvolve ações intersetoriais e até menciona o conceito em seus documentos. Nesse sentido, há mais perspectivas para objetivos em conjunto, “porque, ao ser executado nos municípios, cada serviço se comunica e encaminha pessoas para outro serviço, e vice-versa.”

Ele também destaca a importância das agendas dos PPAs a nível federal, pois é uma “sinalização de que o Governo Federal atua na priorização das crianças e dos adolescentes, tratando o assunto com um objetivo transversal, endereçado em conjunto por mais de um setor de políticas públicas”.

Do mesmo modo, o Unicef reforça que é preciso compreender a pobreza multidimensional como uma mazela que atinge vários fatores da infância no Brasil. Por isso, também é necessário unir esforços que contemplem todos os indicadores, de maneira conjunta, para garantir os direitos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta.

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