A construção de uma sociedade mais saudável pode estar diretamente relacionada à qualidade da nutrição durante a gestação, afirmam especialistas
Canela é abortiva? Tâmaras ajudam no parto? Verdades e mitos sobre alimentação durante a gestação circulam por aí. O Lunetas consultou especialistas para esclarecer essas dúvidas. O principal, segundo eles, é comer comida de “verdade”.
Você já pensou que a alimentação realizada durante a gravidez pode mudar os padrões de saúde de uma população? É comprovado que a sobrevivência e o potencial de desenvolvimento de um ser humano está relacionado à qualidade da nutrição na infância, incluindo os períodos fetal e embrionário. “Da gestação aos dois anos, o bebê está realizando toda a programação metabólica, que é formada através da nutrição”, explica a professora e nutricionista materno-infantil, Camila da Silva Pereira. Por isso, é fundamental que, durante a gestação e no pós-parto, as famílias busquem oferecer às mulheres a melhor alimentação possível na gravidez.
De acordo com o ginecologista e obstetra Rogério Guimarães, muitas doenças dos adultos podem ter sua origem durante a vida intrauterina. “A epigenética [ciência que estuda interações do meio ambiente com o código genético] tem mostrado que o que se come impacta diretamente a expressão dos genes”, afirma. Isso não significa, segundo ele, que a sequência do DNA seja alterada, mas que pode haver mudanças na expressão da informação contida nesta molécula, devido à interação da mãe com fatores ambientais.
“O mundo passou de um cenário de escassez para abundância de alimentos. Ao mesmo tempo, eles deixaram de ser consumidos diretamente da terra e passaram a ser ultraprocessados, estimulando a expressão de genes ruins”, descreve Guimarães. Ele explica que a grande preocupação para as futuras gerações não é mais a carência de minerais, vitaminas e outros nutrientes essenciais, como nos últimos séculos, mas a qualidade dos alimentos consumidos, que podem levar à epidemia de doenças cardiovasculares, obesidade e diabetes.
“O alimento de má qualidade está adoecendo as pessoas, sobretudo, o açúcar”
Diante disso, quais são os melhores alimentos para a mulher durante a gravidez? Será que as afirmações e restrições sobre alimentação nesse período são verdadeiras ou uma crença popular sem base científica?
Os especialistas entrevistados pelo Lunetas esclarecem as principais dúvidas sobre o assunto.
Sim. O ginecologista e obstetra Rogério Guimarães explica que o corpo humano tem a sabedoria de reconhecer nutrientes que estão em falta e pode expressar essa carência de muitas formas, entre elas, por meio do desejo da gestante. “É como um mecanismo de alerta do próprio corpo”, afirma. Como se trata de uma fase de formação de um novo organismo, o ideal é que haja o máximo de oferta de energia. Mas, é mito que os desejos alimentares não atendidos das gestantes interferem na saúde do bebê, viu?
Mito. A canela não é abortiva, segundo a professora e nutricionista materno-infantil Camila da Silva Pereira, mas é preciso atentar a qualquer substância ingerida em excesso. Da mesma forma, algumas infusões herbais (chás) podem causar má formação ou aborto, portanto, devem sempre ser ingeridas com acompanhamento de algum especialista durante esse período.
Depende. Isso acontece para prevenir doenças transmitidas por comida mal lavada e carne crua ou mal passada que podem conter parasitas como o da toxoplasmose, preocupação bastante comum há décadas. Com a evolução da fiscalização sanitária, ocorreu uma melhora na cultura de higienização e preparo dos alimentos em geral. Mesmo assim, é preciso ter cuidado, principalmente quando se come fora de casa.
Para quem ainda não contraiu a toxoplasmose, é importante evitar carnes cruas e apenas consumi-las bem passadas. Mesmo se já houve contato com a doença, recomenda-se buscar lugares de confiança, com bons cuidados higiênicos e sanitários. Já os peixes não são transmissores de toxoplasmose.
Mito. Não existe nenhuma relação com o sono, segundo Camila. A nutricionista explica que os carboidratos são vistos como vilões, mas são indispensáveis para a nutrição da gestante e do bebê. A questão, segunda ela, é estar atento aos carboidratos refinados, presentes em produtos industrializados.
Mito. Queijos, leites e derivados podem ser consumidos pois ajudam a prevenir que o bebê tenha alergias alimentares. “Não é indicado fazer restrições de alimentos como se fossem fazer mal ao bebê, a não ser que faça mal à mãe. Quanto maior a variedade, melhor”, afirma Camila.
Depende. Os estudos relacionados à cafeína são conflitantes, mas a maioria sugere a redução ao mínimo desse consumo, já que ela pode afetar o coração do feto e a hora do sono (fetos crescem enquanto dormem). Ao mesmo tempo, a restrição súbita de café pode causar dores de cabeça e mal estar, portanto, a sugestão é que a diminuição aconteça gradualmente e com acompanhamento médico.
As recomendações atuais do Ministério da Saúde indicam o uso máximo de 200mg ao dia, que equivalem a dois expressos pequenos ou duas xícaras de café passado. Mas, é importante lembrar que a recomendação é para a cafeína, também presente em chás verdes, pretos, mate e refrigerantes de cola. O excesso de cafeína está relacionado ao baixo peso ao nascer, parto prematuro e anemia na gestante.
Sim. O Caderno de Atenção ao Pré-Natal de Baixo Risco, do Ministério da Saúde, aponta que essa ingestão pode causar síndrome fetal, incluindo sintomas como baixo peso ao nascer e problemas médicos. “O álcool pode ser grave para alguns bebês independente da quantidade que se consome, por isso, essa é uma das únicas restrições absolutas durante a gestação”, atenta a nutricionista. Também de acordo com Rogério Guimarães, o álcool durante a gravidez pode impactar o destino de uma pessoa, desenvolvendo sensibilidade ou tolerância exagerada à bebida.
Pode ser. Essa informação é incerta, mas, de acordo com a nutricionista, já existem estudos confiáveis e observações na prática clínica que relacionam o consumo de tâmaras com a redução do tempo de trabalho de parto, principalmente quando a data da chegada do bebê se aproxima. Apesar disso, é importante evitar o excesso: uma dica é usar a tâmara batida com sucos e iogurtes naturais para substituir o açúcar ou adoçante.
Sim. Grãos, sementes e cereais possuem muitos nutrientes, concentrando todo o potencial nutricional de uma planta. Mas é preciso ter atenção, pois o processo de industrialização pode interferir nesse armazenamento, como acontece com o arroz branco. “Tudo aquilo que há de bom é retirado e resta apenas o açúcar”, alerta o ginecologista. É por este motivo que alimentos integrais são indicados na gravidez, pois são fontes de energia, proteína e carboidrato balanceados.
Depende. Em vez de “dieta”, vamos falar de alimentação saudável, segundo a nutricionista. “A mulher deve buscar uma alimentação rica em nutrientes e alimentos in natura, evitando sempre os industrializados”, lembra. No caso de pacientes hipertensas ou com diabetes gestacional, a mãe pode precisar de uma alimentação específica, dependendo da fase da gestação e do acompanhamento dos exames pré-natais.
Depende. A nutricionista recomenda evitar longos períodos em jejum para diminuir os enjoos. Uma dica é aumentar a ingestão de alimentos mais cítricos, como limão ou gengibre, que podem contribuir para acalmar o mal estar.
Não. O importante não é quantidade, mas qualidade. “A alimentação deve ser rica em nutrientes, vitaminas e minerais, como ferro, vitamina C, ômega 3, fibras, cálcio”, explica a nutricionista. O importante é evitar ultraprocessados, sucos artificiais, salgadinhos e tudo aquilo que envolve pacotes e embalagens. “A natureza oferece comida pronta ao ser humano e a intervenção da indústria descaracteriza a forma como o corpo irá aproveitar os nutrientes”, conclui o ginecologista.
Alimentação não é tarefa exclusiva da mãe
A mãe pode ser a responsável pelas trocas nutricionais com o bebê durante a gravidez e o período de amamentação exclusiva, mas a função da alimentação pode e deve ser compartilhada com o pai ou outro responsável. “A participação dos pais pode estar em planejar o cardápio, ir ao mercado, fazer a lista. A única coisa que o homem não pode fazer é amamentar”, adverte a nutricionista e apresentadora de TV, Gabriela Kapim, em entrevista ao Lunetas. Além disso, pensando na preparação do material genético, o casal já pode se planejar e iniciar os cuidados alimentares antes da gestação.
Muitos elementos interferem na escolha de uma alimentação adequada na gravidez, tanto para mãe ou bebê. Por esse motivo, as gestantes devem sempre buscar acompanhamento médico especializado, conforme sugerem os especialistas. Olhar para o prato que se apresenta e optar pela opção mais colorida e natural possível é uma atitude indispensável durante esse período: perceber o que há de alimento, de onde vem a matéria prima, se foram cultivados com ou sem agrotóxicos, se há algum processo de modificação feito pela indústria. Segundo a nutricionista Camila Pereira,
“O mais importante da alimentação na gravidez o é comer comida de verdade”
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