A literatura apresenta oportunidades para conversar com as crianças sobre temas sensíveis como imigração e a infância em situação de refúgio
Refugiados e imigrantes: como falar sobre o assunto com as crianças? A literatura pode estimular jovens leitores a discutir sobre o tema em família ou nas escolas. Conheça 9 títulos infantis e infantojuvenis que abordam a questão.
Nem todo mundo que vive no Brasil é daqui, sabia? Tem muita gente – crianças, inclusive – que precisou abandonar o seu país de origem e buscar uma vida melhor em outros lugares. As motivações são inúmeras, seja por dificuldades financeiras ou guerras. Ou ainda por perseguição baseada em raça, religião, nacionalidade, identidade de gênero, orientação sexual, opinião política ou devido à violação de direitos humanos. Esse movimento de deslocamento de refugiados e imigrantes é agora um dos maiores registrados na história.
A literatura pode ser uma alternativa para falar sobre refúgio e conversar com os filhos ou os alunos sobre milhões de crianças que vivem nessa situação. São obras que trazem crianças refugiadas em papel de protagonismo e apresentam a consciência infantil diante dessas histórias. Além de estimular a igualdade entre meninos e meninas desde a infância, é também uma forma potente de combater a desinformação, o preconceito e a xenofobia.
“Você na multidão é a multidão”, Lua Ferreira
A partir da reflexão e da empatia que nos (re)aproximamos da humanidade em nós mesmos e podemos inspirar mudanças sociais. Para ajudar a estabelecer essa conversa, selecionamos 21 livros infantis e infantojuvenis que tratam sobre a infância em situação de refúgio ou traz a questão em destaque.
Sem fazer uso de palavras, este livro é como um álbum de família, que percorre a história de um migrante, que deixa a esposa e a filha em sua cidade natal para tentar a vida em um país estrangeiro. Após longa travessia, ele chega a uma terra estranha, onde as pessoas falam uma língua indecifrável, comem alimentos exóticos e convivem com objetos flutuantes e animais bizarros. Repleto de símbolos arquetípicos, como a cauda do dragão que aparece fortuitamente no caminho do protagonista, o livro ressalta aspectos comuns e particulares às histórias de estrangeiros em países distantes.
Essa história começa com um país em guerra, de onde Azzi precisa fugir às pressas com seus pais. Eles embarcam para um novo lugar, que possa proporcionar uma vida mais segura. A menina terá que enfrentar a saudade da avó, aprender uma nova língua, adaptar-se à escola e buscar novas amizades.
Enquanto se preparava para ir à escola, Fonchito via da janela um velhinho solitário, sentado em frente ao mar. Um dia, aproximou-se para saber da sua história. E a cada manhã, antes do ônibus chegar, ouvia um pouquinho sobre as desventuras de um grupo de crianças que navega pelos mares do mundo em busca da terra prometida. O livro foi inspirado no relato do escritor francês Marcel Schwob (1867-1905), que diz: “Enchiam a estrada como um enxame de abelhas brancas. Não sei de onde vinham. Eram peregrinos muito pequeninos. Usavam cajados de aveleira e de bétula. Levavam uma cruz no ombro; e todas essas cruzes eram de várias cores.”
O livro apresenta um olhar sobre deslocamento, respeito à diversidade e recusa à intolerância. No primeiro momento, o que é diferente assusta, como a nova cidade de Eloísa, que a faz sentir um “peixe fora d’água”. Mas, com o passar do tempo, a menina vai se adaptando às mudanças.
Mersene é uma linda menina, de tranças coloridas no cabelo e olhos apertados. Viajou por terra, água e ar, junto com sua mãe, para chegar até o Brasil. Lá na República Democrática do Congo, na África, ela já aprendia muitas línguas, por isso, teve facilidade com o português. Enquanto se adapta à nova vida, a menina brinca de abraçar o vento para matar a saudade de sua terra e sentir o calor de seu pai.
As jornalistas, autoras também de “Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil“, voltam a se unir para contar histórias de vida de pessoas que vieram para o Brasil em busca de um lugar melhor para viver e agregam diferenças que tornam nossa nação tão plural. Com uma linguagem acessível e sensível, a obra demandou uma pesquisa de cerca de 80 histórias de vida de pessoas refugiadas no Brasil, de 20 nacionalidades distintas, durante três anos. É referência ao traçar um panorama histórico do refúgio no Brasil e no mundo, apresentando conceitos, dados e infográficos sobre os principais conflitos que geraram esses fluxos migratórios.
Para escrever a história de Mustafá, Marie-Louise Gay se inspirou em uma viagem que fez à Croácia e à Sérvia, onde conheceu famílias que viviam em abrigos improvisados em Belgrado, aguardando a nova etapa de suas viagens. Ela olhava para as crianças brincando e pensava “tinham medo ou esperança no futuro?” O livro conta a história de um menino refugiado que se sente invisível em um lugar de língua desconhecida, até que uma amizade traz um novo significado para sua vida.
Após atravessarem o oceano, Ileana e a família chegam a outro país. Superando a barreira da língua e apesar das culturas distintas, ela faz amizade com Joana, a princípio se comunicando por meio de gestos e desenhos, depois por palavras e gostos comuns, como o céu – um refúgio sem barreiras ou fronteiras. O jogo de palavras com o título Refúgio (local de acolhimento, proteção), que remete ao verbo refugiar (ou seja, retirar-se para lugar em busca de segurança, proteção), ressalta a perspectiva do acolhimento das diferenças, um dos principais fios condutores da narrativa que aborda a questão dos refugiados a partir do olhar de uma criança.
Um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Juvenil 2020, o livro aborda temas como imigração, diversidade cultural, identidade latinoamericana e racismo a partir da história de Maria, uma garota boliviana, que se cruza com a história da haitiana Ludmi, que vem ao Brasil em busca de seu pai. Para apresentar esta delicada narrativa sobre a comunidade boliviana e a recente imigração haitiana para São Paulo, há diferentes recursos, como cartas, jornal em papel, rede social. O provérbio haitiano “Meu vizinho é meu lençol” expressa essa percepção de que dependemos de uma rede de apoio e de solidariedade.
Inspirado na experiência da jornalista brasileira Marie Ange Bordas com jovens de um dos maiores centros de refúgio do mundo — o Kakuma, fundado em 1992, no Quênia, na África Oriental — o livro traz fotoilustrações e fotografias da autora e é uma forma introduzir o assunto da imigração e dos direitos das crianças com os pequenos a partir da história dos amigos Geedi, um garoto de 12 anos de origem somali, e Deng, sudanês, que vivem em Kakuma. Companheiros de vida e sonhos, inquietações e dúvidas sobre o futuro, Geedi não imagina como é a vida fora desse enorme campo em que vive com a mãe e a irmã, e Deng chegou sozinho a Kakuma, ainda menino, fugindo da guerra que devastava seu país. Lá, adultos de diferentes nacionalidades sobrevivem na esperança de voltarem para a sua pátria ou serem acolhidos por algum país onde possam reconstruir suas vidas.
Publicado pela primeira vez em 1948, este poema narrativo destaca a árdua peregrinação de um grupo de crianças órfãs que, em meio a um implacável inverno na Polônia, foge dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Sem perder a esperança e a solidariedade, os pequenos peregrinos lutam contra a fome, o frio, a miséria e o desamparo em busca de descanso, em um lugar de paz. Com traços imprecisos, em preto e branco, a ilustração reflete a fragilidade das crianças diante da crueza da guerra.
A partir do encontro de Sasko, um menino que veio da Macedônia, com outra criança não-imigrante, o livro descreve a dificuldade em se encaixar na nova terra. Também aborda os sentimentos em relação ao diferente, trazendo a expectativa da amizade e a necessidade do afeto. Além de ainda introduzir questões filosófica sobre “estar no lugar do outro” e as razões que movem as pessoas no mundo. O autor se inspirou em épicos como “Odisseia” e “Ilíada”, de Homero, e também em personagens da mitologia grega. O livro está disponível gratuitamente no formato e-book e há também uma versão animada em videobook.
Tristeza, saudade, medo, insegurança, expectativa são alguns dos sentimentos experimentados por Amin. O garoto sírio passa por muitas mudanças ao fugir da guerra em seu país e chegar ao Brasil, mas é acolhido por novos colegas, que têm curiosidade de conhecer o país de Aladim, como o chamam carinhosamente. Ele então relata como era viver na Síria, antes e durante a guerra. “O quintal acabou. A mesa cheia acabou. Acabou o cheiro de anis. O que restou foi cinza e chão vazio.” Uma narrativa sobre amizade, respeito e aceitação social.
Após a morte de seus pais durante conflitos armados no Iraque, Amal foi viver na Síria com seu avô, que lhe ensinou a ler, escrever e pensar a história do mundo. Depois de uma noite em que “choveram bombas”, os livros precisaram ser trocados por comida e itens básicos. Um misto de medo e aventura, a obra narra o percurso de Amal para fugir da guerra na Síria, que a forçará a cruzar sozinha mares e fronteiras, enfrentar viagens de carona e barco, até chegar à Itália, onde deverá encontrar um tio distante. Amal, em árabe, significa “esperança”. A versão impressa traz informações sobre migração e refúgio. Já a narrativa no livro-aplicativo mistura locução, imagens animadas e efeitos sonoros, e é um meio de arrecadação voluntária de recursos para iniciativas humanitárias.
O livro envolve questões como morar em um novo país, aprender uma nova língua, fazer novos amigos. Foram esses os desafios enfrentados por Sebastien, que veio do Haiti; por Rimas, nascida na Líbia; e pelas outras dez crianças presentes no livro. Histórias de quem aprendeu, muito cedo, a lutar por seu lugar no mundo. Todas elas precisaram deixar a sua terra natal por diferentes motivos, como guerra civil, conflitos políticos, desastre natural ou crise econômica. Seja como refugiadas ou imigrantes, essas crianças estão reconstruindo suas vidas no Brasil.
O desafio de quem migra – mudar de país, de paisagens, deixar para trás a língua conhecida, os rostos familiares – é a temática deste livro. Com duas capas e dois pontos de partida distintos, a obra amplia as possibilidades de interpretação sobre o fenômeno. A autora mostra que a palavra migrante pode ser sinônimo de sofrimento e fragilidade, mas também de coragem e de futuro. Como descreveu o educador e mediador de leitura Magno Rodrigues Farias, na seleção Destaques Emília 2015, um livro em que não há uma palavra, mas que tanto diz.
Com ilustrações ricas em detalhes e narrativa poética, o livro acompanha a trajetória de famílias que são forçadas a saírem de seus países de origem em busca de refúgio. Apesar dos obstáculos, as crianças poderão encontrar esperança nas novas histórias que nascem durante a busca pelo novo lar.
A turma de Kiara está preparando uma apresentação sobre xenofobia antes da recepção de Zayn, um novo colega refugiado da Síria. Tudo será novo para ambos, que se tornarão melhores amigos e terão que enfrentar na prática o significado da palavra xenofobia.
O que levar quando é preciso fugir? Com linguagem poética e ilustrações delicadas, o livro revela o impacto da violência da guerra sobre os sonhos das crianças. A narrativa conta a história de uma menina e de sua família que precisam abandonar o próprio lar.
Kalil é um menino sírio que conta como era sua vida antes de fugir da guerra em busca de um refúgio. O sofrimento caminha ao lado do garoto, que vai amadurecendo em sua jornada e também reavaliando seus sonhos.
Inspirada em fatos reais, a narrativa traz os talentos e a relevância das meninas afegãs em áreas do conhecimento como artes, esporte e educação. Em meio às profundezas de vales, a paz era soberana. Até que, um dia, dragões sobrevoaram o céu e iniciaram uma guerra, em que os meninos foram obrigados a lutas. Enquanto isso, as meninas ficaram presas em casa. No entanto, Meena, Shamsia e Sadaf tinham o sonho de mudar o mundo – e também decidiram ir à luta. Suas armas para essa batalha eram diferentes das dos meninos: pincéis e uma lata de spray, luvas de boxe e um violoncelo.
* As descrições sobre cada livro foram elaboradas a partir de material disponibilizado pelas próprias editoras.
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Dados sobre refúgio no mundo
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), até o final de 2019, 79,5 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus países, o que significa 1 em cada 97 pessoas. Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que ao menos 50 milhões de crianças vivem “deslocadas” no mundo após abandonarem seus lares em consequência de guerras, violência e perseguições.
O Brasil é o 5º maior país do mundo em extensão territorial e, mesmo com 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior em 2018, nosso país acolhia apenas 750 mil estrangeiros. Em 2017, o Brasil recebeu 33.866 solicitações de reconhecimento da situação de refugiado, a maior parte de venezuelanos. Dos refugiados no Brasil, 14% são crianças de 0 a 12 anos.