Ampliar a licença-paternidade é criar condições para uma mudança cultural que promova equidade, fortaleça vínculos e proteja a infância
Homens que experimentaram períodos mais longos de licença relatam impactos positivos para toda a família. Enquanto 82% deles desejam uma licença mais longa, a urgência na votação de uma nova proposta foi aprovada na Câmara dos deputados.
Pais brasileiros têm apenas cinco dias de licença após o nascimento de um filho. O período é considerado curto demais diante das demandas de um recém-nascido. Estudos indicam que a presença ativa do pai nos primeiros dias de vida da criança tem efeitos significativos no fortalecimento dos vínculos familiares, no desenvolvimento infantil e no engajamento paterno ao longo da vida.
Um levantamento da Coalizão Licença Paternidade (CoPai), que defende a regulamentação da licença-paternidade estendida, remunerada e obrigatória, revelou que a maioria da população brasileira apoia a extensão para 30 dias. Além disso, 82% dos homens desejam uma licença mais longa. Esse dado é reforçado pela pesquisa “Radar da parentalidade”, que ouviu mais de 800 colaboradores de empresas.
Além do fortalecimento dos laços familiares, o maior envolvimento dos pais ajuda a reduzir a sobrecarga materna e, consequentemente, tem impactos no combate às desigualdades de gênero. Para Carolina Burle, presidente-adjunta da CoPai, negar a extensão da licença-paternidade reflete uma visão distorcida de família e cuidado. “Quando o Estado diz que o pai deve ficar só cinco dias com o bebê, ele está dizendo, na prática, que o cuidado é coisa de mãe”, afirma.
“Ao ampliar a licença-paternidade para pelo menos 30 dias, estamos criando condições para que os homens estejam presentes desde o início da vida de seus filhos e possam se responsabilizar pelo cuidado de forma mais justa e contínua.”
Rodrigo Mieldazis, gerente em uma multinacional, teve seis meses de licença-paternidade quando nasceu Layla, sua segunda filha. Além de estar presente nos primeiros meses de vida da bebê, ele pôde compartilhar os cuidados com a esposa.
“Esse período impactou de forma muito positiva minha experiência como pai”, diz. “Também ajudou na integração da Layla na família e com a nossa outra filha, de quatro anos.”
Já Matheus Steinmeier, gerente em uma agência de comunicação e pai de Raul, retornou recentemente de uma licença-paternidade de 30 dias. Para ele, poder estar em casa foi fundamental do ponto de vista emocional e para a adaptação do casal, pais de primeira viagem.
“Seria devastador se eu tivesse que voltar ao trabalho após cinco dias e deixar eles sozinhos em casa”, reflete. “A licença-paternidade padrão não é suficiente para compreender as transformações críticas que acontecem na vida da mulher e do homem. Então, estar com eles por 30 dias foi muito transformador. Vou sempre poder falar que estava lá no começo da vida do Raul.”
Felipe Daniel, analista de sistema, terá direito a 20 dias de licença quando seu bebê nascer. Segundo ele, esse período é visto por muitos como “um luxo”. Mas, para ele, 30 dias seria “o mais próximo de um cenário ideal”.
Desde 2023, mais de 100 organizações que fazem parte da CoPai decidiram não esperar. Elas então passaram a oferecer ao menos 30 dias de licença-paternidade. Algumas até ampliaram o benefício para 120 ou 180 dias. Em países como Noruega, Islândia e Espanha, onde a licença-paternidade é ampla, obrigatória e remunerada, os resultados são maior corresponsabilidade entre homens e mulheres, vínculos mais fortes com os filhos e avanços reais na equidade de gênero.
A atual legislação de apenas cinco dias de licença-paternidade representa um descompasso em relação ao movimento de transformar o cuidar em responsabilidade social compartilhada, e não ser apenas uma tarefa privada e feminina.
Nesse sentido, avanços recentes no campo da política pública do cuidado estabeleceram o dever do Estado em promover a parentalidade positiva, incentivando a participação ativa de pais e mães na criação dos filhos (lei 14.826/2024) e instituíram a Política Nacional de Cuidados, que reconhece o direito ao cuidado como pilar da dignidade humana e propõe a corresponsabilidade entre homens e mulheres nesse processo (lei 15.069/2024).
Para Hayeska Costa Barroso, pesquisadora da Universidade de Brasília, a ampliação da licença-paternidade no Brasil está diretamente ligada à estrutura patriarcal e machista da sociedade, que historicamente associou o cuidado às mulheres e o papel de provedor aos homens. “É como se a maternidade fosse compulsória e a paternidade, facultativa. A ampliação da licença é quebrar com a lógica que retroalimenta essa dinâmica”, ressalta.
Por isso, segundo ela, avançar nesse debate com políticas públicas efetivas pode levar a um novo paradigma de possibilidade de exercício da parentalidade no Brasil com maior equidade de gênero.
“Políticas de igualdade parental são, sobretudo, políticas de combate às históricas desigualdades de gênero.”
1. “Vai ser muito caro para o governo”
O custo estimado da licença-paternidade de 30 dias representa menos de 0,05% do que a Previdência Social gasta hoje. Ou seja, é um aumento proporcionalmente pequeno diante dos benefícios sociais gerados: melhora na saúde mental dos pais, maior engajamento paterno e apoio à permanência das mulheres no mercado de trabalho.
2. “Isso vai atrapalhar as empresas”
Empresas que já adotaram a licença-paternidade estendida relatam maior retenção de talentos e aumento do bem-estar dos colaboradores. De fato, um estudo de 2016 da Boston Consulting Group, em parceria com a Ernst & Young, revelou que mais de 80% das empresas que oferecem licenças parentais remuneradas observam ganhos de produtividade e engajamento. O custo não recairá sobre os empregadores, segundo os projetos de lei em tramitação.
3. “Homem vai tirar licença e não vai cuidar do filho”
Mudanças culturais levam tempo, mas políticas públicas ajudam a acelerar esse processo. Assim como ocorreu com a Lei Maria da Penha, por exemplo, normas bem desenhadas e campanhas de conscientização podem transformar comportamentos e tornar os pais mais participativos a longo prazo.
4. “Isso é coisa de país rico, não cabe no Brasil”
Políticas como a licença-paternidade estendida começaram de forma modesta em muitos países que hoje são referência. O Brasil não precisa esperar ser “rico” para avançar: começar com 30 dias é possível e necessário como política pública para a promoção da equidade de gênero, fortalecimento dos vínculos familiares e transformação cultural em torno do cuidado.
5. “Ninguém está pedindo isso, não é uma demanda social”
Pesquisas recentes sobre o assunto mostram o contrário: a maioria dos brasileiros apoia a ampliação da licença-paternidade. A população reconhece o papel essencial dos pais no início da vida do bebê e defende o cuidado como responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres.
Embora prevista na Constituição Federal, a regulamentação da licença-paternidade não avançou de forma consistente nas últimas décadas. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou o prazo de 18 meses para que o Congresso aprovasse uma lei com regras claras para a licença dos pais. Mas somente nessa quarta-feira (16) a Câmara dos deputados aprovou a urgência da votação do principal projeto de lei 3935/2008 que visa a ampliação da licença-paternidade. A proposta em discussão prevê 15 dias consecutivos de afastamento, com estabilidade no emprego por 30 dias após o retorno, incluindo também pais adotantes.
Apesar do avanço, entidades e especialistas reforçam a importância de reiterar, pelo menos, 30 dias. Entre os 110 projetos sobre o tema apensados, a referência é o PL 6216/2023, pois propõe a regulamentação da licença-paternidade de 30 dias, com previsão de ampliação progressiva até 60 dias, além da criação de um salário pago pelo INSS. A CoPai também apoia o PL 3773/2023 (Senado), que começa com 30 dias, passa para 45 e chega a 60 dias após cinco anos