Licença de 30 dias para os pais garante mais presença e cuidado

Ampliar a licença-paternidade é criar condições para uma mudança cultural que promova equidade, fortaleça vínculos e proteja a infância

Madson de Moraes Publicado em 17.07.2025
30 dias licença-paternidade: Imagem mostra um homem negro segurando um bebê no colo.
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Resumo

Homens que experimentaram períodos mais longos de licença relatam impactos positivos para toda a família. Enquanto 82% deles desejam uma licença mais longa, a urgência na votação de uma nova proposta foi aprovada na Câmara dos deputados.

Pais brasileiros têm apenas cinco dias de licença após o nascimento de um filho. O período é considerado curto demais diante das demandas de um recém-nascido. Estudos indicam que a presença ativa do pai nos primeiros dias de vida da criança tem efeitos significativos no fortalecimento dos vínculos familiares, no desenvolvimento infantil e no engajamento paterno ao longo da vida.

Um levantamento da Coalizão Licença Paternidade (CoPai), que defende a regulamentação da licença-paternidade estendida, remunerada e obrigatória, revelou que a maioria da população brasileira apoia a extensão para 30 dias. Além disso, 82% dos homens desejam uma licença mais longa. Esse dado é reforçado pela pesquisa “Radar da parentalidade”, que ouviu mais de 800 colaboradores de empresas.

Embora prevista na Constituição Federal, a regulamentação da licença-paternidade não avançou de forma consistente nas últimas  décadas. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou o prazo de 18 meses para que o Congresso aprovasse uma lei com regras claras para a licença dos pais. Mas somente nessa quarta-feira (16) a Câmara dos deputados aprovou a urgência da votação do principal projeto de lei 3935/2008 que visa a ampliação da licença-paternidade. A proposta em discussão prevê 15 dias consecutivos de afastamento, com estabilidade no emprego por 30 dias após o retorno, incluindo também pais adotantes.

Apesar do avanço, entidades e especialistas reforçam a importância de reiterar, pelo menos, 30 dias. Entre os 110 projetos sobre o tema apensados, a referência é o PL 6216/2023, pois propõe a regulamentação da licença-paternidade de 30 dias, com previsão de ampliação progressiva até 60 dias, além da criação de um salário pago pelo INSS. A CoPai também apoia o PL 3773/2023 (Senado), que começa com 30 dias, passa para 45 e chega a 60 dias após cinco anos

Além do fortalecimento dos laços familiares, o maior envolvimento dos pais ajuda a reduzir a sobrecarga materna e, consequentemente, tem impactos no combate às desigualdades de gênero. Para Carolina Burle, presidente-adjunta da CoPai, negar a extensão da licença-paternidade reflete uma visão distorcida de família e cuidado. “Quando o Estado diz que o pai deve ficar só cinco dias com o bebê, ele está dizendo, na prática, que o cuidado é coisa de mãe”, afirma.

“Ao ampliar a licença-paternidade para pelo menos 30 dias, estamos criando condições para que os homens estejam presentes desde o início da vida de seus filhos e possam se responsabilizar pelo cuidado de forma mais justa e contínua.”

O que dizem os pais?

Rodrigo Mieldazis, gerente em uma multinacional, teve seis meses de licença-paternidade quando nasceu Layla, sua segunda filha. Além de estar presente nos primeiros meses de vida da bebê, ele pôde compartilhar os cuidados com a esposa.

“Esse período impactou de forma muito positiva minha experiência como pai”, diz. “Também ajudou na integração da Layla na família e com a nossa outra filha, de quatro anos.”

Já Matheus Steinmeier, gerente em uma agência de comunicação e pai de Raul, retornou recentemente de uma licença-paternidade de 30 dias. Para ele, poder estar em casa foi fundamental do ponto de vista emocional e para a adaptação do casal, pais de primeira viagem.

“Seria devastador se eu tivesse que voltar ao trabalho após cinco dias e deixar eles sozinhos em casa”, reflete. “A licença-paternidade padrão não é suficiente para compreender as transformações críticas que acontecem na vida da mulher e do homem. Então, estar com eles por 30 dias foi muito transformador. Vou sempre poder falar que estava lá no começo da vida do Raul.”

Felipe Daniel, analista de sistema, terá direito a 20 dias de licença quando seu bebê nascer. Segundo ele, esse período é visto por muitos como “um luxo”. Mas, para ele, 30 dias seria “o mais próximo de um cenário ideal”.

É possível fazer diferente 

Desde 2023, mais de 100 organizações que fazem parte da CoPai decidiram não esperar. Elas então passaram a oferecer ao menos 30 dias de licença-paternidade. Algumas até ampliaram o benefício para 120 ou 180 dias. Em países como Noruega, Islândia e Espanha, onde a licença-paternidade é ampla, obrigatória e remunerada, os resultados são maior corresponsabilidade entre homens e mulheres, vínculos mais fortes com os filhos e avanços reais na equidade de gênero.

O cuidado como oportunidade de transformação cultural

A atual legislação de apenas cinco dias de licença-paternidade representa um descompasso em relação ao movimento de transformar o cuidar em responsabilidade social compartilhada, e não ser apenas uma tarefa privada e feminina.

Nesse sentido, avanços recentes no campo da política pública do cuidado estabeleceram o dever do Estado em promover a parentalidade positiva, incentivando a participação ativa de pais e mães na criação dos filhos (lei 14.826/2024) e instituíram a Política Nacional de Cuidados, que reconhece o direito ao cuidado como pilar da dignidade humana e propõe a corresponsabilidade entre homens e mulheres nesse processo (lei 15.069/2024).

Para Hayeska Costa Barroso, pesquisadora da Universidade de Brasília, a ampliação da licença-paternidade no Brasil está diretamente ligada à estrutura patriarcal e machista da sociedade, que historicamente associou o cuidado às mulheres e o papel de provedor aos homens. “É como se a maternidade fosse compulsória e a paternidade, facultativa. A ampliação da licença é quebrar com a lógica que retroalimenta essa dinâmica”, ressalta.

Por isso, segundo ela, avançar nesse debate com políticas públicas efetivas pode levar a um novo paradigma de possibilidade de exercício da parentalidade no Brasil com maior equidade de gênero.

“Políticas de igualdade parental são, sobretudo, políticas de combate às históricas desigualdades de gênero.”

5 mitos sobre a extensão da licença-paternidade

1. “Vai ser muito caro para o governo”
O custo estimado da licença-paternidade de 30 dias representa menos de 0,05% do que a Previdência Social gasta hoje. Ou seja, é um aumento proporcionalmente pequeno diante dos benefícios sociais gerados: melhora na saúde mental dos pais, maior engajamento paterno e apoio à permanência das mulheres no mercado de trabalho.

2. “Isso vai atrapalhar as empresas”
Empresas que já adotaram a licença-paternidade estendida relatam maior retenção de talentos e aumento do bem-estar dos colaboradores. De fato, um estudo de 2016 da Boston Consulting Group, em parceria com a Ernst & Young, revelou que mais de 80% das empresas que oferecem licenças parentais remuneradas observam ganhos de produtividade e engajamento. O custo não recairá sobre os empregadores, segundo os projetos de lei em tramitação.

3. “Homem vai tirar licença e não vai cuidar do filho”
Mudanças culturais levam tempo, mas políticas públicas ajudam a acelerar esse processo. Assim como ocorreu com a Lei Maria da Penha, por exemplo, normas bem desenhadas e campanhas de conscientização podem transformar comportamentos e tornar os pais mais participativos a longo prazo.

4. “Isso é coisa de país rico, não cabe no Brasil”
Políticas como a licença-paternidade estendida começaram de forma modesta em muitos países que hoje são referência. O Brasil não precisa esperar ser “rico” para avançar: começar com 30 dias é possível e necessário como política pública para a promoção da equidade de gênero, fortalecimento dos vínculos familiares e transformação cultural em torno do cuidado.

5. “Ninguém está pedindo isso, não é uma demanda social”
Pesquisas recentes sobre o assunto mostram o contrário: a maioria dos brasileiros apoia a ampliação da licença-paternidade. A população reconhece o papel essencial dos pais no início da vida do bebê e defende o cuidado como responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres.

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