Técnica é buscada por mulheres que pretendem adiar a maternidade; mas o método não é totalmente isento de riscos, tampouco há garantia de conseguir engravidar
Considerada uma tendência entre mulheres com menos de 35 anos, a técnica do congelamento de óvulos quase dobrou nos últimos anos. Entenda como funciona o procedimento, quais as chances de sucesso e os riscos.
O número de mulheres que decidem pelo congelamento de seus óvulos não para de crescer no Brasil. A quantidade de óvulos congelados entre 2020 e 2023 quase dobrou: saltou de 56.710 unidades para 111.413, um aumento de 96,4%, segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre as mulheres com menos de 35 anos, esse número também quase duplicou: de 23.033 óvulos congelados em 2020 para 45.203 três anos depois.
“Esse aumento pode ser atribuído a diversos fatores, como uma maior conscientização sobre a preservação da fertilidade, os avanços na tecnologia de reprodução assistida e mudanças sociais, entre elas o adiamento da maternidade por razões profissionais e pessoais. E esse crescimento é uma tendência para o futuro”, afirma Alvaro Pigatto Ceschin, presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
Vale explicar, antes de tudo, que os óvulos são os gametas femininos. Eles ficam armazenados nos ovários e, quando são fecundados por um espermatozoide (gameta masculino), geram um embrião.
Segundo o ginecologista e obstetra João Antônio Dias Junior, especialista em reprodução assistida do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do Grupo de Saúde da Mulher do hospital, o congelamento de óvulos é mais eficaz quanto mais jovem for a mulher. O ideal é que seja feito antes dos 35 anos, porque após essa idade a quantidade e a qualidade dos óvulos tendem a cair exponencialmente. “A taxa de sucesso da gravidez [com um óvulo congelado] depende basicamente da idade que a mulher tinha quando congelou e quantos óvulos foram congelados. Quanto mais jovem for a paciente, além de obtermos óvulos com mais qualidade, ela também terá maior chance de conseguir coletar mais óvulos”, explica Dias.
Ele ressalta, no entanto, que o processo não é como comprar um seguro que vai garantir que a mulher consiga engravidar mais velha, quando decidir ter filhos. “Não temos como garantir o ressarcimento da fertilidade. O congelamento de óvulos é um ótimo tratamento, que proporciona chances efetivas de sucesso no futuro, mas é importante a mulher entender que ele oferece somente possibilidades, e não certeza, de gravidez”, pondera.
Ceschin ressalta que, embora o congelamento seja uma técnica valiosa para a preservação da fertilidade, o sucesso do procedimento depende de vários fatores, como a saúde reprodutiva geral. “Mesmo com seus gametas congelados, a taxa de sucesso de fertilização e desenvolvimento de uma gravidez saudável pode variar”, lembra.
Outro ponto é que, apesar de razoavelmente simples, o procedimento não é totalmente isento de riscos e efeitos colaterais. Segundo Dias Junior, a paciente passa por duas etapas: a primeira é a estimulação ovariana e a segunda, a coleta dos óvulos propriamente dita. Na primeira fase, a mulher toma uma medicação para estimular os ovários e, nesse período, é comum a sensação de distensão abdominal (aumento do volume) e de retenção de líquidos (mais edemas e inchaço).
No dia da coleta dos óvulos, a paciente pode sentir um pouco de dor pélvica (tipo cólica), que acontece devido à manipulação dos ovários durante a aspiração. “Mas quando a dor existe, ela é absolutamente suportável e costuma ser resolvida com analgésicos simples”, afirma o ginecologista do Einstein.
A seguir, confira as respostas para algumas das principais dúvidas sobre o congelamento de óvulos.
A criopreservação é a tecnologia em que os óvulos são congelados a uma temperatura extremamente baixa, de -196°C. Ela é indicada para mulheres que terão comprometimento dos ovários por uma doença (como endometriose), para aquelas que estão em tratamentos oncológicos (quimioterapia e/ou radioterapia) ou quem deseja postergar uma gestação.
Sim. Ao estimular os ovários a produzirem vários óvulos, eles vão aumentar de volume, podendo causar algum desconforto. Além disso, há risco de sangramento durante a punção folicular e de ocorrer uma torção do ovário em função do aumento de volume.
Mas todas essas reações são raras. “Ter sangramento numa intensidade importante e que necessite de algum tipo de tratamento é raro, menos do que um a cada 1.500 procedimentos. A infecção pós-punção é mais rara ainda e, quando acontece, é tratada com antibióticos”, pontua o médico do Einstein. “Já a torção ovariana ocorre porque o ovário aumentado de tamanho pode torcer sobre seu eixo vascular e causar dor.”
Sim. Durante a estimulação dos ovários, a mulher pode ter dor de cabeça, inchaço do abdômen e dos membros e sensação de peso no baixo ventre. Após a punção, o inchaço tende a desaparecer entre cinco e 14 dias, especialmente após o próximo ciclo menstrual.
A quantidade de óvulos coletada durante um ciclo de estimulação ovariana depende da resposta individual de cada mulher ao tratamento hormonal, variando conforme a idade, a reserva ovariana e a saúde geral da paciente. Em mulheres de 30 a 35 anos com reserva ovariana adequada, espera-se coletar aproximadamente 15 óvulos. Aquelas com mais de 35 anos e reserva ovariana reduzida produzem menos óvulos, às vezes menos de 10 por ciclo. Mas isso varia de pessoa para pessoa.
Os médicos devem avaliar a reserva ovariana da mulher antes do procedimento e, assim, dar uma estimativa de quantos óvulos devem ser obtidos para o congelamento. Essa avaliação pode ser feita por um exame de sangue chamado hormônio antimülleriano (AMH, na sigla em inglês) ou por meio de um ultrassom que avalie a contagem de folículos antrais.
Não existe um limite de idade para que as mulheres congelarem seus óvulos, mas o recomendado para um bom prognóstico é fazer o procedimento antes dos 35 anos. Com o avanço da idade, além da diminuição natural da quantidade de óvulos, há uma alteração da qualidade deles.
Não há um limite rígido para o número de óvulos que podem ser congelados.
Além da idade, o médico poderá solicitar exame do hormônio antimülleriano e dosagens hormonais FSH, LH, estradiol, prolactina, T4 e TSH para serem coletadas no período menstrual. Também é importante realizar ultrassom transvaginal para contagem de folículos. Esses procedimentos vão indicar a quantidade esperada de óvulos disponíveis para o congelamento.
A aspiração dos óvulos é realizada com sedação e um anestésico chamado propofol. O procedimento dura em torno de 10 a 15 minutos e é feito por meio de um ultrassom transvaginal, ao qual se acopla uma agulha que chega até os ovários. Em seguida, punciona-se o ovário contendo os folículos que abrigam os óvulos.
A coleta deve ser realizada em sala cirúrgica adequada, anexa ao laboratório de reprodução assistida, onde serão analisados os óvulos por meio de uma lupa. Após essa avaliação, os gametas serão congelados pelo método de vitrificação e guardados em containers de nitrogênio líquido.
O processo de acompanhar o estímulo ovariano e coletar os óvulos tem um custo aproximado entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. A medicação para estimulação varia conforme a reserva ovariana de cada mulher: de R$ 5 mil a R$ 10 mil. A manutenção dos óvulos congelados em clínicas especializadas custa em torno de R$ 1 mil a R$ 1.500 por ano.
Os óvulos podem ficar congelados por muitos anos. Após serem descongelados, a “taxa de sobrevivência” deles é de 90%, em média.
A qualidade morfológica do óvulo é aferida no dia da coleta, durante a análise em laboratório. Apenas os maduros ou os que estão no estágio final de maturação é que são congelados, pois esses é que serão passíveis de ser fertilizados. Ao congelar os óvulos, não é possível saber se a carga cromossômica ou genética do óvulo está correta. Atualmente, só dá para avaliar os cromossomos ou genes específicos de embriões formados após fertilização in vitro.
Não há diferença nem alteração na qualidade dos óvulos.
Não. Congela-se um prognóstico reprodutivo, não a certeza de uma gestação. Quanto mais óvulos, melhores as chances de sucesso.
Depende de fatores como a idade em que o congelamento foi realizado e a quantidade dos óvulos congelados. Outro aspecto é se a mulher desejar usar seus óvulos com um parceiro cuja qualidade dos espermatozoides seja ruim.
Considerando um exemplo em que a qualidade seminal esteja adequada e a mulher congelou 10 óvulos, ela teria chances de 60% de sucesso se o congelamento ocorreu antes dos 30 anos; de 50% se o congelamento se deu aos 35 anos; de 37% aos 38 anos e de aproximadamente 20% se o congelamento foi realizado aos 40 anos.
Engravidar mais velha com óvulos congelados enquanto a mulher era jovem reduz os riscos de o embrião gerado ter alguma alteração cromossômica (como síndrome de Down), pois o óvulo foi congelado antes dos 40 anos. Mas é importante ressaltar que a gestação após essa idade pode ser mais suscetível a toxemia gravídica, trabalho de parto prematuro e diabetes gestacional, independentemente da idade em que os óvulos foram congelados.
Não, pois o procedimento não “rouba” óvulos. Toda mulher nasce com cerca de 2 milhões de óvulos e perde cerca de 1,6 milhão na infância. Na primeira menstruação, ainda há cerca de 400 mil óvulos. Desse total, todos os meses cerca de mil óvulos “competem entre si” e somente um ovula – os outros 999 vão morrer. Mulheres que tomam pílula não ovulam, mas não são poupadas da perda de reserva ovariana – os cerca de mil óvulos vão morrer de qualquer maneira.
Se, ao estimular a ovulação, a mulher tiver a capacidade de produzir 15 óvulos, esses 15 vão ovular e, em vez de perder 999 naquele mês, ela vai perder 985. Ou seja, isso não adianta a menopausa.
Por razões óbvias, uma mulher grávida não pode congelar óvulos. Fora isso, não existem contraindicações clínicas absolutas. Mas ter a reserva ovariana muito diminuída, dificuldade de acesso ao ovário por cirurgias anteriores, estado de saúde debilitado e grandes cistos de ovário são questões que precisam ser avaliadas com um especialista antes de se iniciar qualquer estimulação ovariana.
Fonte: Agência Einstein