10 ações para conter a crise ecológica e proteger os indígenas

Valorizar os saberes tradicionais e o protagonismo indígena são formas de evitar novos desastres ambientais, afirma a Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Da redação Publicado em 14.08.2024
Imagem de capa para matéria sobre ações para conter a crise ecológica mostra um homem indógena usando roupas tradicionais e cocar. Ele segura a Constituição brasileira e caminha em uma manifestação na rua.
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Resumo

Valorizar os saberes tradicionais e assegurar a demarcação de territórios indígenas são medidas urgentes para conter a crise ecológica e as violências contra os povos originários. Para a Abrasco, o Governo deve garantir mais políticas públicas articuladas.

Equilibrar a vida humana e a natureza é uma emergência para combater a exploração dos recursos naturais, as mudanças climáticas e, principalmente, as violências contra os povos originários. Nesse sentido, visando a proteção da população indígena, que detém saberes ancestrais para a manutenção das florestas e dos rios, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) lançou o relatório “Território, ambiente e saúde dos povos indígenas – vidas e políticas públicas em contínuo estado de emergência”. O documento foi elaborado pelo Grupo Temático Saúde e Ambiente e aponta dez ações para enfrentar a crise ecológica e de saúde entre os povos originários.

Em primeiro lugar, a proposta é que o Governo brasileiro proteja os territórios indígenas, reforçando a implementação de políticas públicas articuladas na área da saúde, segurança e educação. Ao mesmo tempo, essas medidas precisam ter a participação ativa dos povos originários nos processos de organização e decisão. De acordo com o relatório, a urgência em conter a crise ecológica “não se trata apenas de pensar no futuro dos povos indígenas, mas também no futuro da vida em todos os territórios do Brasil, da democracia e dos direitos fundamentais de existência que devem ser defendidos”. 

Além disso, o relatório indica a valorização dos saberes ancestrais na atenção à emergência climática para a proteção imediata das florestas e restauração ecológica. Para a Abrasco, é preciso considerar a fala do xamã Davi Kopenawa Yanomami quando diz que o “hoje já é o futuro”. Portanto, em todas as ações para enfrentar a crise ecológica, a associação destaca que “os povos indígenas devem ser os principais protagonistas deste processo amplo e aliados por um futuro comum”.

Confira as 10 propostas para enfrentar a crise ecológica, segundo a Abrasco 

1. Demarcação e homologação de Terras Indígenas 

A urgência da demarcação excluindo o marco temporal é o principal ponto defendido pela associação. Segundo o relatório, o marco temporal é inconstitucional e não pode haver flexibilização nas leis para a exploração econômica de Terras Indígenas. Assim, o uso desses territórios deve ser restrito aos povos originários. Além disso, a Abrasco pede o fim do pagamento de indenização para os que ocupam de forma violenta as áreas públicas, de direito dos povos originários. O Lunetas já apontou como o marco temporal afeta diretamente os direitos das crianças indígenas na saúde, educação e cultura

A Lei 14.701/2023, chamada de marco temporal, foi aprovada pelo Congresso Nacional em setembro do ano passado. Embora o presidente Lula tenha vetado, em outubro, o ponto principal sobre as demarcações de terra a partir da data da Constituição, o Congresso derrubou o veto em dezembro. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) realiza uma série de audiências de conciliação com lideranças indígenas para discutir a constitucionalidade da nova lei.

2.  Protocolos de consulta prévia dos povos originários

Todas as esferas de governo, empresas e instituições devem cumprir protocolos específicos para garantir a consulta e a participação dos indígenas antes de executar qualquer ação de saúde, educação e meio ambiente que os envolvam. Desse modo, deve-se seguir a Convenção n. 169/1989/OIT74, presente na legislação brasileira. Esse ponto visa manter o respeito, a autonomia e a manifestação das vontades das comunidades tradicionais, reforçando seus saberes e sua cultura.

3. Responsabilização das violações de direitos e do genocídio indígena

A violação dos direitos indígenas à terra, à economia, à educação, à saúde, ao ambiente e à organização sociocultural ocorre desde a invasão dos colonizadores. Apesar de documentos como a Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas, por exemplo, os povos originários sofrem constantes e históricas violências. Isso culmina no extermínio de comunidades e, portanto, também afeta crianças e adolescentes, que sofrem com doenças, violência sexual e territorial. Nesse sentido, o relatório aponta que essas violações impedem o desenvolvimento de seus modos de vida em equilíbrio com a natureza. Por isso, o Estado tem o dever de apurar e reparar integralmente os povos originários responsabilizando poluidores, invasores e agressores com fiscalização e controle da ação de corporações e empresários nos territórios indígenas. 

4. Educação escolar diferenciada e intercultural

Crianças e adolescentes indígenas têm direito a melhores condições de educação escolar. Ao mesmo tempo, ações específicas para uma educação diferenciada, de acordo com suas culturas e realidades, precisam ser ampliadas. A Abrasco defende que os estudantes indígenas tenham uma educação intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, com respaldo do poder público. Além disso, reivindica a oferta de ensino técnico e superior para os estudantes dentro e fora de seus territórios.

Segundo a recém-sancionada reforma do ensino médio, a educação indígena deve ser oferecida na língua materna das comunidades assim como em todo o ensino básico. O direito a uma educação específica, intercultural e comunitária está previsto nas legislações brasileiras e reforçado no decreto 6.861/2009. Além disso, o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas são obrigatórias, como prevê a Lei nº 11.645/2008.

5. Atenção diferenciada à saúde 

Devido às grandes distâncias entre as comunidades e os centros de referências de atendimento à saúde, é urgente garantir o acesso a ações, serviços e tecnologias em seus territórios, em especial à atenção primária. Ao mesmo tempo, deve-se oferecer formação permanente aos trabalhadores da saúde indígena. Esses trabalhos devem ser organizados segundo os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e referenciados para a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). As ações de saúde diferenciada precisam também considerar os impactos causados pelos eventos climáticos extremos e a exploração da natureza, como as queimadas e o despejo de mercúrio pelo garimpo nos rios das Terras Indígenas.

6. Proteção dos ecossistemas e da saúde com uma política de vigilância

Desenvolver e implantar uma política de vigilância da saúde com objetivo de superar o extrativismo e valorizar a sabedoria e as práticas dos povos originários. Ao defender a promoção da saúde e da articulação das justiças social, sanitária e ambiental/territorial, a Abrasco sugere a visão crítica do atual modelo de desenvolvimento que se apoia na expropriação da natureza e no modo de produção de mercadorias nos biomas brasileiros. 

7. Cumprimento dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas 

Governo federal, estadual e municipal devem articular e pôr em prática ações coletivas para cumprir os eixos apontados na Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI). Dentre os principais temas estão: proteção territorial e dos recursos naturais; governança e participação indígena; prevenção e recuperação de danos ambientais; e uso sustentável de recursos naturais. De acordo com a associação, o PNGATI é o principal documento para organizar e articular ações nas Terras Indígenas.  

8. Priorização do Programa Nacional de Saneamento Indígena 

Elaborado para atender as populações do campo, da floresta e das águas, o Programa Nacional de Saneamento Rural teve um pedido especial da população originária. Segundo eles, é necessário considerar as especificidades dos territórios e as formas de organização das etnias. Ou seja, o saneamento nos territórios indígenas precisa funcionar sem causar impactos no modo de vida tradicional das comunidades.

9. Potencializar ações de Vigilância em Saúde das Populações Expostas aos Agrotóxicos 

Proibir lavouras geneticamente modificadas próximas a territórios indígenas é a principal reivindicação da Abrasco. Isso porque esse tipo de plantio está diretamente relacionado ao aumento de agrotóxicos e herbicidas. Portanto, há maiores riscos à saúde das populações tradicionais, especialmente de gestantes e crianças. Desse modo, a proposta é pesquisar e conhecer a situação de contaminação de territórios indígenas, monitorando constantemente amostras de água, solo, ar e alimentos. Consequentemente, essa medida passa também pela articulação dos serviços de atenção primária à saúde e demarcação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos em terras originárias. 

10. Ação do Governo para a Convenção de Minamata do Mercúrio 

Cumprir, através do Ministério da Saúde, a Convenção de Minamata do Mercúrio, um dos acordos ambientais essenciais para proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos do mercúrio, que vão de malformações congênitas a danos nos sistemas nervoso e respiratório. A ação sugere que o ministério estabeleça ainda diretrizes para identificar e proteger as populações vulnerabilizadas pela contaminação de alimentos tradicionais com o uso de mercúrio. Segundo o relatório, é preciso “banir o mercúrio dos territórios indígenas”. 

‘Amazônia, a nova Minamata?’

O documentário dirigido por Jorge Bodanzky mostra como o povo Munduruku, no Pará, vive uma luta constante contra os efeitos do garimpo do ouro em seus territórios. O uso descontrolado do metal nos rios contamina a comunidade por meio do consumo dos peixes, por exemplo. No filme, que participa de mostras e circuitos de cinema, a realidade da exploração da Amazônia pelo garimpo é comparada à história da população japonesa de Minamata. Em 1956, houve sérios problemas de saúde por causa da contaminação por mercúrio que resultou também em mortes e nascimentos de crianças com malformação congênita.

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