Você permite que uma professora tenha dificuldade com seu filho?

Como você age diante de uma professora que teve um problema com seu filho?

Alexandre Coimbra Amaral Publicado em 16.10.2019
Imagem de uma mãe levando seu filho para escola. A professora está sorrindo com uma cesta em suas mãos entregando um presente para a mãe
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Resumo

Nosso colunista Alexandre Coimbra Amaral sugere que pensemos nesta situação: um dia, acontece um problema entre o seu filho e a professora. Como você fica diante dela?

Numa semana marcada pela celebração da infância e pela existência das professoras e professores em nossas vidas, preferi escrever uma coluna especial sobre a classe profissional mais vulnerável em tempos que ousam questionar o benefício do pensamento crítico e científico. Eu fico com a pureza da resposta das professoras – no feminino plural, já que uma maioria de mulheres povoam a memória dos grandes e o tempo presente dos pequenos.

Professoras insistem em ensinar, há séculos, ultrapassando adversidades de estrutura, salário, clima emocional, sensação de insegurança e baixíssimo reconhecimento social da sua importância na trajetória de cada uma e um de nós. A professora, quando nasce de um desejo ou de um destino (“é o único curso gratuito noturno que eu consigo atingir a nota para entrar na universidade pública”), entra num mundo que exige dela toda a resiliência que consiga construir como alicerce diário de seu ofício.

As pessoas não celebram a sua entrada como uma vitória para ela e um presente para seus futuros estudantes. Os olhos que saúdam a nova futura docente podem até ser de lamento, imaginando a dureza que enfrentará em cada dia letivo, o valor dos proventos no final do mês e a quantidade de dissabores que experimentará enquanto preenche o quadro com palavras em giz branco.

Um dia, termina a formação básica e ela vai para o emprego. Ainda como auxiliar, participando com menos autonomia do que gostaria na condução dos processos educativos em sala de aula. Desde o início, entre o desafio de ser discreta e “saber o seu lugar” e conviver com a invisibilidade poucas vezes reconhecida, por quem a constrói e até por ela, que a sente no corpo. Passam os anos, e ela se transforma em professora titular da sala de aula da Educação Infantil ou Fundamental.

O dilema desta professora é equilibrar vários pratos, cada um deles representando um de seus estudantes: suas potências e limitações cognitivas, dificuldades de interação social, os fenômenos de grupo que acontecem na sala de aula (lideranças e porta vozes, alianças por interesses, exclusões, bullyings). Há que se realizar um planejamento que seja criativo e inclusivo, sem deixar de ser conteudista, porque precisa contemplar as diretrizes para aquele ano letivo. Não pode deixar de pensar na condição social, familiar e emocional de cada criança, sobretudo se o trabalho acontecer com populações vulneráveis.

Ela sabe que muitas agressividades ou silêncios em sala espelham a alma de uma criança que testemunha violência conjugal, pobreza, racismo estrutural, desemprego, dependência química e tantos outros sofrimentos mentais e sociais. A professora sabe da dureza que é exigir daquele pequeno que responda, atento, à tabuada do nove, enquanto chora tantas dores de existir.

Há outras dezenas de crianças ali, e a estrutura do trabalho não lhe permite atender a todas as necessidades urgentes que vê diante de si. Se ela trabalha em regiões dominadas pelo tráfico, ainda sente medo. Ela está, enquanto se esforça para construir saberes, na rota da violência urbana.

E ela pode ser uma professora da rede privada num outro turno, para complementar renda, mas isto não lhe confere um mar de privilégios que acalmem o coração. Ali, ela tem pais que pagam, e exigem o retorno do investimento. Eles entregam o filho ao sistema, pedindo que deixem-no pronto para a vida acadêmica universitária, desejando passar no curso mais reconhecido e com a melhor nota. Ali a lógica é a da competitividade, porque as crianças são criadas para serem melhores do que seus potenciais concorrentes na lógica do mercado.

Um dia, acontece um problema entre o seu filho e esta professora. Esta mulher, exausta com as mil tarefas e tantas outras metas inatingíveis na escola. Esta mulher, que também tem uma vida, tem filhos que também têm questões, pode estar em desilusão amorosa ou com a mãe adoentada cronicamente e sob seus cuidados (afinal, as filhas são melhor vocacionadas para cuidar de seus pais – contém ironia). Esta mulher, por tudo isto e por tantas outras razões não contempladas nestas linhas, tem um mau momento com seu filho. Pode ser um grito, um ato destemperado, um olhar desesperançoso ou temporariamente desistente. Como você fica diante dela? Como reage a um desvario desta mulher, que recebe a projeção impossível de sustentar um olhar amoroso, competente e vinculado com a turma e com cada um de seus membros em particular?

Pense em como você reagiria. A dor do seu filho é legítima, e merece o seu acolhimento. Ele pode ter construído parte do impasse na relação com a mestra, ou pode ser somente vítima de um momento em que ela, infelizmente, agiu com o seu pior lado com o seu filho. Mas pense também na sua raiva dela, e como ficam as suas emoções ao marcar a reunião com ela, ou com a coordenadora da escola. Nesta hora, pode ser que você, por amor e lealdade ao seu filho, não consiga construir uma conversa que compreenda que até você, que é mãe, oferta o seu pior ao seu filho. Entende que ele representa desafios à sua paciência, à sua capacidade de compreensão. Esta conversa poderia ser não somente um alerta sobre o absurdo da agressão sofrida pelo seu filho, mas quem sabe o momento de conversarem sobre as dificuldades de se educar uma criança naquele contexto social, familiar e escolar? Meu sonho seria poder ver estas duas mulheres se abraçando, falando de suas dificuldades, se aliando em benefício não somente da criança em questão, mas delas mesmas. Porque, no final, são duas mulheres que são hiper exigidas, que se frustram por não conseguirem realizar tudo o que gostariam para si e para os filhos, na profissão na vida afetiva, e que são parte de um ecossistema que pouco se une, em perfeita metáfora de uma vida vivida de forma muito isolada e individualista.

Para você, que precisa ter uma conversa deste tipo com a professora de seu filho, entre no silêncio de seu coração mais empático, antes de proferir-lhe falas destrutivas.

Ela vive, talvez, uma vida com um nível de complexidade alheio à sua compreensão. Ter interesse em compreender esta mulher não desampara o seu filho; ao contrário: pode ensinar-lhe que os impasses podem nos cegar quanto a quem seja o nosso real oponente. Todos nós temos olhos de ver, é só querer. Pense nisso.

E, para terminar: para cada uma e cada um que acorda diariamente para construir a educação possível diante de tantas impossibilidades, o meu maior abraço. Feliz dia da professora. Feliz dia do professor. Feliz dia de quem sustenta, sem nem saber ao certo de onde vem tamanha força, o desejo de fazer da infância brasileira um lugar de saber, curiosidade, potência e futuro.

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