Indicadores apontam o crescimento de todas as formas de violência contra as mulheres no último ano. Neste cenário, o cuidado com as meninas deve ser prioridade
Enquanto mais de 50 mil mulheres sofrem violência diariamente no Brasil, especialistas comentam como proteger e preparar as meninas de hoje.
Às vésperas deste 8 de março, oportunidade para reafirmar os direitos garantidos das mulheres e lembrar os que ainda são violados, a versão mais recente da pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, divulgada pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrou que todos os indicadores de violência contra as mulheres aumentaram no último ano.
Todos os dias, mais de 50 mil mulheres sofrem algum tipo de violência, entre perseguição; batida, empurrão ou chute; espancamento ou tentativa de estrangulamento; e ameaça com faca ou arma de fogo. Segundo estima o estudo, considerando a projeção populacional do país, 18,6 milhões de mulheres acima dos 16 anos sofreram violência em 2022.
De acordo com a pesquisa, três fatores foram fundamentais para esse aumento: a pandemia de covid-19, que comprometeu os atendimentos públicos às mulheres; o corte de financiamentos do último governo aos programas de enfrentamento da violência contra a mulher; e as intensas ações políticas de movimentos ultraconservadores.
Para Caroline Arcari, escritora e pesquisadora sobre o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, esse aumento pode estar relacionado à percepção das pessoas sobre as violências contra a mulher – ainda que a mudança seja difícil. “Não necessariamente podemos afirmar que há um aumento das violências, mas um aumento das denúncias”, explica. Ao defender o debate em sociedade, Arcari comenta que os processos de dar nome para essas violências, como a psicológica e patrimonial; e a percepção que isso de fato é real, levam mais pessoas a denunciarem o que está acontecendo dentro da família ou na casa vizinha, por exemplo.
28,9% sofreram algum tipo de agressão (18,6 milhões)
23,1% ofensas verbais (14,9 milhões)
13,5% amedrontamento ou perseguição (8,7 milhões)
11,6% batida, empurrão ou chute (7,5 milhões)
5,4% espancamento ou tentativa de estrangulamento (3,5 milhões)
5,1% ameaça com faca ou arma de fogo (3,3 milhões)
Fonte: Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Em artigo publicado no Lunetas, Viviana Santiago lembra que muitas violências que atravessam a vida das mulheres adultas já estão presentes no cotidiano das meninas, sobretudo de mulheres pretas e com filhos, como aponta a pesquisa em parceria entre Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Eu tenho todos os medos do mundo. Mas esse medo não me paralisa. Desde que estava grávida eu me preparei para que a minha filha tivesse instrumentos para se defender”, conta Flávia Ribeiro, jornalista, ativista das causas raciais e mãe de Estela, uma menina de 10 anos que desde cedo aprende que as diferenças existem e precisam ser combatidas.
“Desde sempre as mulheres negras estão na ponta dos índices de violência. Infelizmente, a história do Brasil é esta. Então, eu mostro para ela que não temos que aceitar isso passivamente, sem naturalizar violências para alguns grupos, e podemos buscar outra realidade para nós e para a sociedade”, defende.
As informações necessárias para a proteção das meninas diante da violência contra a mulher devem ser compartilhadas desde a educação infantil, com meninas e meninos, como defende Arcari. “Essas ferramentas são importantes na infância para tomar decisões que vão aparecer na adolescência e na vida adulta. Principalmente investir nos meninos para que aprendam a respeitar limites e entender o consentimento”, enfatiza. “É a partir da educação sexual que as crianças poderão identificar as violências e entender as relações saudáveis, não só as românticas conjugais, mas com todas pessoas, inclusive para pensar os estereótipos de gênero que dizem que as meninas precisam ser dóceis e os meninos agressivos e controladores”, completa.
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Arcari comenta ainda como as políticas públicas promovidas pelo Estado devem ser uma forma de acolhimento, que garanta que “mulheres e meninas vítimas de violência sejam atendidas e acompanhadas”.