‘Uma educação para que e pra quem?’

Educadores do ensino público convidam a sociedade a pensar qual o sentido da educação frente os desafios da pandemia

Wesley Pedroza Raphael Gimenes Publicado em 15.10.2020
Imagem de uma professora loira usando óculos mostra uma prancheta em frente ao celular que grava uma aula online
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Resumo

Professores nos convidam a discutir o sentido da educação no contexto da pandemia, quando se acentuaram as desigualdades sociais e a precarização do trabalho docente. “Educação é pensar caminhos para uma sociedade plena no exercício de seus direitos fundamentais”.

Enquanto governantes, secretários de educação e suas equipes decidem quando será o retorno às aulas presenciais, a falta de acesso à educação de qualidade é evidenciada de maneira ainda mais preocupante em meio à pandemia. Além do perigo de contaminação por Covid-19, lidamos, de norte a sul do país, com a não compreensão do que é ciência e do que é boato. Vivemos um tempo de compartilhamento desenfreado de notícias falsas que também impactam o debate sobre qual é a educação que queremos.

A princípio, todos defendem a educação. Porém, de qual educação estamos falando? Qual é seu sentido para cada brasileiro ou brasileira? Estudar para passar em uma prova? Ter o conhecimento técnico para exercer alguma atividade? Ou será que educação é pensar caminhos para uma sociedade plena no exercício de seus direitos fundamentais? 

Nós, educadores do Rio Grande do Norte e de São Paulo, convidamos cada leitor e leitora a pensarmos juntos, de maneira complexa e corajosa, sobre estas perguntas. 

Uma educação transformadora pode e deve provocar estudantes a refletirem sobre sua identidade e seu lugar no mundo.

Em uma sociedade que teve mais de 300 anos de escravização e com índices de desigualdade gritantes, crianças, jovens e adultos educandos precisam se reconhecer em diálogo com as histórias e os territórios em que vivem para, assim, poder transformá-los, seja num contexto de pandemia, seja na volta à suposta normalidade.

Dados de uma recente pesquisa da Central Única das Favelas (Cufa) em parceria com o Instituto Locomotiva e a Unesco Brasil ressaltam a importância de uma reflexão educacional em permanente conexão com a história e com as condições sociais presentes. O levantamento revelou que, neste período de pandemia, faltou dinheiro para comprar alimentos para 40% das pessoas negras brasileiras e que apenas 30% da população negra tinham algum tipo de reserva financeira antes do isolamento social. Então, como debater os desafios do processo de ensino e aprendizagem sem levar em consideração que milhões de pessoas não estão conseguindo se alimentar?  

A pesquisa traz, também, que 94% dos entrevistados afirmaram que negros têm mais chance de serem violentados ou mortos pela polícia. Como discutir uma educação com sentido se o direito à vida não é assegurado para a maior parcela da população brasileira, composta de pretos e pardos?

Somado a isso, é necessário também superar desafios que atravessam o trabalho docente em todo o Brasil. Professores e professoras, como nós, têm sido limitados e até mesmo perseguidos por proporem debates críticos como este a seus estudantes. Em nome de uma suposta neutralidade, o debate educativo dentro das escolas tem sido restrito direta e indiretamente.

Além da coerção direta, a precarização do trabalho dos professores impõe uma visão simplista e tecnicista, promovendo a desvalorização não só de disciplinas que estimulam o pensamento crítico, mas também aquelas que discutem o pensamento humano em si. Trabalhamos em duas ou três escolas ao mesmo tempo. Somos consumidos por burocracias mesmo em meio à pandemia e buscamos, individualmente, atender da melhor maneira possível cerca de 700 estudantes.

Vemos colegas profissionais da educação expressando desilusão, angústia e doenças psicológicas como depressão. Se, por um lado, economizamos tempo de deslocamento na pandemia, por outro, vemos o acirramento das desigualdades com a falta de condições e direitos básicos para muitos educadores e estudantes, além de jornadas exaustivas de aulas, reuniões e atividades extracurriculares. Nos reconhecemos no desespero de nossos colegas professores e professoras e acreditamos na importância de uma educação transformadora a ser construída com nossos estudantes. 

Pensar os sentidos para esta educação envolve defender a importância da experiência de ensino e aprendizagem além das aulas diárias e que possam efetivar uma educação integral aos alunos e alunas. 

Lutamos por uma educação em que o estudante saia da escola ao final de suas aulas, mas que a escola não saia do estudante.

Que a escola siga durante o restante do dia fazendo sentido para a sua vida, suas relações, suas atividades de lazer e seu estar no mundo. 

É necessário aprofundar o trabalho educativo – principalmente em contexto de pandemia e de crise sanitária -, sobre o mundo que vivemos e sobre as relações humanas. Será que a educação proposta hoje é efetiva e alcança o objetivo de transformar a sociedade em um lugar melhor? Para educar e sermos educados precisamos, obviamente, estar vivos. E viver plenamente pressupõe o acesso aos direitos sociais garantidos pela nossa Constituição. Para isso, acreditamos em uma educação que estimule estudantes e suas famílias a construírem conosco uma sociedade próspera, consciente e igualitária.

*Wesley Pedroza, de São Gonçalo Amarante (RN), e Raphael Gimenes, de São Paulo (SP), são professores do ensino público e premiados em edições do Desafio Criativos da Escola, com o projetos Missão Galo e Visão do Rap, respectivamente.

**Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

Programa do Instituto Alana. Movimento que encoraja crianças e jovens a transformarem suas realidades, reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança.
Criativos da Escola

Movimento que encoraja crianças e jovens a transformarem suas realidades, reconhecendo-os como protagonistas de suas próprias histórias de mudança. Programa do Instituto Alana, a iniciativa faz parte do Design for Change, movimento global presente em 65 países, inspirando mais de 2,2 milhões de crianças e jovens ao redor do mundo.

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