Dar susto em criança não é engraçado!

Brincar faz parte do desenvolvimento infantil de toda criança; colocá-la em situação degradante, não

Eduarda Ramos Publicado em 11.08.2022
Susto em criança: foto em preto e branco de uma criança que chora e coloca a mão na boca.
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Resumo

É necessário falar sobre o medo que as crianças sentem: uma tendência no TikTok que consiste em assustar crianças em um cômodo trancado pode colocá-las em situação degradante.

Por que o medo da criança vira piada na internet? Você já reparou em quantas pessoas dão susto em criança e acham isso engraçado? Uma tendência no aplicativo TikTok consiste em prender crianças em cômodos, como banheiro ou quarto, e assustá-las com o filtro de um fantasma após a saída dos responsáveis. Um dos vídeos que viralizaram mostra que, após terem sido deixadas sozinhas no banheiro, as crianças são assustadas com o barulho da “assombração”. E tentam desesperadamente sair do cômodo, sem sucesso, pois a porta foi trancada.

Todo mundo sente medo de algo, seja um medinho, um medo ou um “medão”. Mas por que o medo na infância vira piada na internet quando deveria ser acolhido de maneira adequada. Sem colocá-las em situação de chacota, ou desrespeitando seus sentimentos e autonomia?

O que vem junto do medo?

Em entrevista para o Lunetas, o psicólogo e psicanalista Christian Dunker definiu o que é medo: “É um afeto, e envolve o modo como um estímulo nos afeta, e também o que ele evoca em nós em termos de resposta, ou seja, de emoção. No processo de socialização, a interpretação do medo é muito básica, tanto para pensar mecanismos de defesa da espécie, quanto de ligação com o outro”, explica o especialista.

Mas acompanhado do medo na infância, deve existir inteligência emocional dos pais, educadores e responsáveis, para que a criança se sinta segura e amada, sem constrangê-la ou invalidar seus sentimentos. Admitir que o medo existe e que precisamos passar por ele é preciso, mas não precisamos fazer isso sozinhos.

“Quando proclamamos que aquilo que a criança sente não deveria ser sentido, acabamos dizendo que diante daquilo ela está desprevenida. Estamos privando a criança de fazer um uso produtivo dos afetos. Um pouco de medo é muito importante para aprender a fazer escolhas. A coragem vem daí, é uma virtude que surge a partir do tratamento que damos ao medo”, conta o psicanalista. A coragem não é a ausência do medo, mas sim a travessia dele.

“Quando uma criança diz que está com medo, é comum que o adulto a console dizendo ‘não é nada’, ou ‘vai passar’. Ainda que com boa intenção, ao fazer isso, muitas vezes acabamos invalidando o medo e não o enfrentando”

Limites para o humor e a exposição

Entre os mais de 116 mil vídeos que seguem a tendência no TikTok, um deles mostra a tentativa de um adulto de dar susto em criança, desta vez sem sucesso. Em outro, a vítima até ri do fantasma que aparece na tela. Entre risadas, reações variadas e críticas, é importante lembrar que crianças são seres vulneráveis, que estão em desenvolvimento. Acolher o medo na infância é construir caminhos saudáveis para o futuro: nem todo mundo lida com as coisas do mesmo jeito. 

“Se os adultos transformam o brincar em zombaria, além de gerar sofrimento e angústia aos pequenos de maneira imediata, podem também prejudicar as crianças a longo prazo. Dificultando a criação de vínculos, enfraquecendo laços sociais e tornando negativa a autopercepção das crianças”, conta a psicóloga Bruna Richter. A especialista explica que é necessário traçar limites bem definidos para que a saúde mental das crianças seja preservada, prezando por uma vida saudável, leve e acolhedora. “É positivo quando a criança pode rir junto, interagir, divertir-se também e, com isso, se desenvolver. Não quando ela se torna, tragicamente, um mero objeto de prazer dos pais”, pontua.

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