Sindicato das Mães e Cuidadoras: porque cuidar é trabalho

É urgente falarmos das mães como uma categoria de trabalhadoras que têm seus direitos negados, todos os dias

Ana Castro Publicado em 10.05.2021
Foto de uma mãe, de pele clara e cabelo castanho, abraçando sua filha, uma menina de pele clara e cabelos loiros, que encosta a cabeça sobre seu peito
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Resumo

Neste artigo, Ana Castro, do coletivo ‘Política é a mãe’, defende a ideia da criação de um sindicato para mães e cuidadoras, pois “discutir a questão do trabalho doméstico e do cuidado é falar sobre economia e construção de uma sociedade mais justa”.

O cuidado é um direito humano. Mais do que direito. É uma condição obrigatória para sobrevivermos. Diferente de outros animais, levamos muitos anos até que tenhamos autonomia, maturidade e conhecimento suficientes para viver sem alguém que cuide de nós. 

Quem presta esse serviço essencial para a humanidade são as mães*. Sem o trabalho das mães, a vida (como a conhecemos) seria impensável. São as mães que gestam, dão à luz, adotam, amamentam, alimentam, cuidam quando adoecem, lembram das vacinas, ajudam com a lição de casa, cozinham, lavam, trocam fraldas, passam madrugadas em claro, dão suporte emocional, ensinam como viver em sociedade, a arrumar a cama, a dizer obrigado, a pedir desculpas. 

Todas essas e muitas outras atividades cotidianas (e infinitas) que permitem que os seres humanos continuem existindo são realizadas por uma categoria de profissionais que são reconhecidas apenas no segundo domingo de maio. Nos outros 364 dias, o trabalho de manutenção e reprodução da vida permanece invisível e não reconhecido.

Geração após geração, as mães assumem uma enorme quantidade de trabalho sem nenhuma compensação. 

Como diz a filósofa e pensadora italiana Silvia Federici, “o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”.

Misturar o amor e o afeto que as mães e cuidadoras sentem por suas crianças e companheiros/companheiras é uma das armadilhas mais bem construídas da história. Faz parecer que quanto mais amor você sente pelos os seus, mais trabalho você irá realizar. E, claro, tudo sem cobrar nada. 

Afinal, que mãe terrível diria que cuidado é trabalho (invisível e não remunerado)?

Mas é. Para que a roda do mundo continue a girar do lado de fora das casas, é preciso que alguém trabalhe arduamente dentro das casas. Já passou da hora de falarmos sobre as mães como uma categoria de trabalhadoras que têm seus direitos negados.  

Uma pesquisa da Oxfam demonstrou que o trabalho de cuidado não remunerado que mulheres e meninas realizam em todo o mundo gera uma contribuição de US $10,8 trilhões por ano para a economia global. Esse valor representa três vezes o da indústria de tecnologia do mundo. Mas ninguém imagina um engenheiro do Vale do Silício fazendo o seu trabalho sem ser pago. 

As meninas são socializadas desde cedo para serem dóceis, gentis, servis e cuidadoras. Elas realizam mais trabalhos domésticos do que os meninos, muitas deixam a escola ou têm menos oportunidades de estudo e trabalho. E quando se tornam mães, continuam realizando essas tarefas sem que haja algum reconhecimento financeiro. Ao redor do mundo, meninas e mulheres assumem  75% do trabalho de cuidado que não é pago. 

Valorizar e remunerar apenas o trabalho que é realizado da porta de fora da casa perpetua a desigualdade econômica e de gênero.

É preciso entender que as mulheres, as meninas, as mães geram riqueza para a humanidade – e que discutir a questão do trabalho doméstico e do cuidado é falar sobre economia e construção de uma sociedade mais justa. 

Nós, da Política é a Mãe, acreditamos que  precisamos de uma sociedade com uma lógica que coloque a vida no centro. Quem cuida da manutenção e reprodução da vida precisa ser reconhecida. Essa é uma revolução que precisa ser parida agora. Ela vem sendo gestada há décadas por muitas mulheres que vieram antes de nós. E chegou a hora dela nascer. 

Para isso, propomos: 

  • criação urgente de um Salário Social para todas as mães e cuidadoras; para as que trabalham apenas dentro de casa e para as que também trabalham fora;
  • criação de um Sindicato das Mães e Cuidadoras, para que elas sejam reconhecidas como categoria de trabalhadoras com direitos;
  • empresas com horários mais flexíveis de trabalho para as mães que têm dupla jornada;
  • proteção para as mães que foram expulsas do mercado de trabalho, especialmente durante a pandemia;
  • reconhecimento de doenças trabalhistas como: burnout, depressão, acidentes de trabalho;
  • incentivo à divisão do trabalho doméstico com uma educação livre de estereótipos de gênero;
  • criação de estruturas coletivas e cooperativas para a economia do cuidado: creches, cozinhas coletivas, entre outros.

A Constituição Brasileira afirma, em seu artigo 227, que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

Cuidar das mães e reconhecer que elas têm feito boa parte deste trabalho sozinhas são os melhores presentes para qualquer dia das mães. Que a sociedade e o Estado valorizem o trabalho que as mães realizam para toda a humanidade. 

 *Mães e cuidadoras: as principais responsáveis pelo cuidado das crianças. Sejam mães biológicas, adotivas, afetivas, madrastas, cis ou trans)

Ana Castro é mãe da Tarsila e do Ernesto. Jornalista, escritora e cofundadora do coletivo Política é a Mãe.
Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas

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