Conteúdo on-line traz informações mas não substitui avaliação profissional e pode aumentar a ansiedade das famílias. Saiba o que fazer e onde procurar ajuda
Famílias precisam ter cuidado com autodiagnósticos de redes sociais, pois nem toda mudança de comportamento de crianças e adolescentes significa uma doença ou um transtorno mental. Conheça maneiras seguras de iniciar uma conversa e quando procurar ajuda profissional.
Uma criança que está sempre brincando e não fica sentada por muito tempo é hiperativa? A menina que prefere pesquisar um assunto que pouca gente conhece do que sair para brincar é superdotada? Aquele menino que só diz “não” e desobedece as regras de casa e da escola tem o Transtorno Opositor Desafiador (TOD)? Um adolescente que passa o fim de semana sem interagir com amigos e sem vontade de sair de casa está com depressão?
Antes de “dar um Google” para achar qualquer diagnóstico que se encaixe no comportamento da criança ou do adolescente que você cuida, é preciso saber que conteúdos sobre saúde mental disponíveis na internet não têm o mesmo valor que uma avaliação psicológica.
“As informações das redes sociais podem ser uma alavanca para que a família suspeite ou que os professores percebam algo. Mas a orientação adequada é encaminhar a criança ou o adolescente para os profissionais especializados”, explica Alessandra Wajnsztein, neuropsicóloga e psicopedagoga especializada em neuroaprendizagem.
Por isso, se guiar somente por “carrossel” e “textões” é um risco, aponta Karen Scavacini, psicóloga e idealizadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio. “As postagens podem até ajudar a reconhecer sinais ou a despertar atenção, mas elas simplificam algo que é muito complexo e muitas trazem desinformação.”
Dessa forma, um autodiagnóstico pode levar as famílias a assumirem rótulos incorretos, atrasar a procura por ajuda qualificada, aumentar a ansiedade e até afastar a criança por causa das cobranças excessivas.
“Crianças precisam de diagnóstico seguro, tratamento qualificado e adaptações em casa e na escola. Não é tão simples como um post.” – Alessandra Wajnsztein, neuropsicóloga
Ao mesmo tempo que os conteúdos digitais podem ajudar as famílias, quando alguém, sem base científica, sugere que uma criança ou adolescente “tem algo de errado” isso pode causar desconforto ou ansiedade na família, além de gerar uma onda de capacitismo. Isto é, quando surgem piadas envolvendo algum transtorno, como chamar uma pessoa de “autista” ou de “hiperativo”.
“O que preocupa é o romantismo ou a banalização de quadros de neurodesenvolvimento a partir de diagnósticos sem acompanhamento multiprofissional”, diz Alessandra Wajnsztein. Ela argumenta que tudo depende de análises profundas, com terapias e testes que seguem protocolos utilizados por médicos neurologistas, psiquiatras, neuropsicólogos, picopedagogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
Ou seja, casos de autismo, TDAH, dislexia ou superdotação, por exemplo, precisam de análises que fogem da competência das redes sociais. Nesse sentido, Karen Scavacini sugere que, ao invés de recorrer somente à internet e ter o risco de ver problema onde não existe, a recomendação principal para as famílias passa por:
Pode acontecer, ainda, de uma avaliação não apontar nenhum tipo de transtorno e o profissional perceber que o comportamento da criança ou do adolescente está relacionado a questões ambientais ou de estímulo, como, por exemplo, situações de bullying ou de atraso de fala por falta de interação.
“Crianças e adolescentes estão em desenvolvimento, vivem fases intensas de transformações emocionais e comportamentais, e nem toda oscilação significa que há um transtorno.” – Karen Scavacini, psicóloga
Embora os casos de depressão ou autolesão necessitem de urgência no tratamento, Karen Scavacini recomenda procurar ajuda quando “a tristeza, o isolamento ou a negação persistirem e impactarem a rotina da família”. “O profissional vai considerar a história, o contexto e a singularidade de cada criança ou adolescente”, diz. A atenção dos adultos também deve estar nas falas que revelam desesperança, que a vida não vale a pena ou ideias de morte, mesmo quando aparecem em tom de brincadeira ou em postagens nas redes sociais.
“Toda fala sobre suicídio deve ser levada a sério.” – Karen Scavacini, psicóloga
Entre as ações de conscientização à prevenção ao suicídio, a cartilha “Estratégias para prevenção do suicídio em crianças”, da Associação Canadense de Saúde Mental, pode ajudar famílias e escolas a lidarem como assunto. “É importante identificar as crianças que pensam em suicídio o mais cedo possível para que elas possam receber tratamento adequado relacionado à saúde mental”, aponta a cartilha.
Segundo Karen Scavacini, o primeiro passo para as famílias abordarem o assunto em casa é se aproximar com cuidado. “O ideal é abrir espaço para uma conversa genuína, para que se sintam seguros para falar sem medo de julgamento.”
O responsável precisa entender que ele não vai “sugerir soluções” para a criança, dizendo o que ela deve fazer. No entanto, a ideia é se mostrar disponível para escutá-la. “Nem sempre a resposta vem na hora, e tudo bem, porque o fundamental é mostrar disponibilidade e afeto”, conclui Karen.
Como abordar o assunto?
O que dizer?
Fontes: Karen Scavacini, psicóloga do Instituto Vita Alere, e cartilha Estratégias para prevenção do suicídio em crianças
Se uma criança ou adolescente apresentar sinais de autoagressão ou pensamentos suicidas, busque ajuda imediatamente. Procure apoio psicológico na escola, na UBS de referência, nos CAPS(Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil), em clínicas particulares ou acione o CVV (Centro de Valorização da Vida) — atendimento gratuito e sigiloso pelo 188 (telefone, e-mail e chat). Em casos de urgência, ligue 192 (Samu) ou 193 (Bombeiros).
Segundo um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), cerca de mil crianças e jovens de 10 a 19 anos cometem suicídio a cada ano no país. Já o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mais recente aponta que o suicídio foi a terceira causa principal de morte entre jovens de 15 a 19 anos em 2021, ficando atrás das mortes por agressões e por acidentes de transporte.