Enxergar a crise climática com o olhar dos povos originários gera reflexões para uma relação saudável entre as novas gerações e a natureza
O conhecimento ancestral é a base para entender a emergência climática e o respeito com os seres vivos. A partir das reflexões da sabedoria pataxó, podemos aprender a nos (re)conectar com a natureza.
Os povos originários do Brasil cultivam desde sempre uma relação de respeito com a terra. Para eles, o planeta é mais do que a casa: a terra é a mãe. Por isso, as práticas milenares de cuidado e manejo com a natureza e com tudo o que é vivo podem aproximar a sociedade atual daquilo que foi se perdendo com o consumo exagerado. Para refletir sobre a sabedoria ancestral e despertar um sentimento de respeito e de pertencer à terra, à água e ao ar limpo do planeta, procuramos olhares de quem já viveu na e da natureza.
À pedido do Lunetas, o ativista pataxó e estudante de direito e ciências sociais na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Genilson Taquari, explicou outras formas de pensar sobre as mudanças climáticas. Confira os seis pontos de atenção que ele comenta:
“Nós, indígenas, acreditamos que o calor extremo, as enchentes, a pandemia, tudo isso é resultado da ação humana. Quando o homem destrói a natureza, ele chama de progresso, mas quando a natureza destrói a obra humana, ele chama de desastre? É preciso respeitar a natureza e conversar com ela. Mas somos mal vistos quando dizemos isso. Nossos ancestrais conversavam com as árvores, tinham com elas uma relação de intimidade. Quem adoece o mundo também está doente e não percebe nada disso. Só quer juntar cacareco, ganhar dinheiro e não vê que o sentido da vida não é usar as coisas e pessoas, mas amar as coisas e as pessoas.”
“Meu avô sempre contava da pescaria. De quando fazia uma armadilha com um monte de palha e deixava em lugares secos, próximos das lagoas e dos rios, porque sabia que ia chover, alagar tudo e ele ia pegar bastante peixe. O clima mudou, já não chove no tempo certo. Cada verão está mais quente, as lagoas e os rios estão ficando menores, muita vida está desaparecendo e tudo é resultado dessa crise. Os nossos mais velhos estão atentos a tudo isso: à temperatura da vida. Precisamos saber escutar o que eles ensinam.”
“A ministra dos povos originários do Brasil, Sônia Guajajara, diz: ‘A luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas’. É na terra que a gente produz para viver. Ao pensar sobre mudanças climáticas, é importante lembrar que, quando os colonizadores chegaram aqui, não encontraram esgoto a céu aberto, animais em extinção, queimadas, desmatamento. O aquecimento global vem da ação humana, que com o seu modo de ser e de viver, modifica e destrói a dinâmica da natureza. Ela está sendo atacada e está dando sua resposta.”
“Nós aprendemos a existir com o diferente. E não só com os humanos, mas com todos os seres. A formiga, a onça, a cobra. Todos querem viver, assim como nós. Da mesma maneira que o jacarandá, o pau-brasil, a sucupira, que são árvores em extinção. É preciso construir uma sociedade onde caiba todo mundo. Por um longo período, nós, indígenas, preservamos e cuidamos da natureza. Nossos saberes não estão nos livros, mas na experiência, que é milenar. E ela precisa ser escutada, inclusive nas conferências sobre o clima.”
“Todo o mal que fazemos à terra, fazemos a nós mesmos. O homem branco inventou a tese do Marco Temporal para dizer que só ia reconhecer terras indígenas a partir de 1988. Mas quem estava aqui antes de 1500? Éramos nós! Esse marco é um marketing temporal, que usa a Constituição contra os brasileiros, se colocando contra a vida indígena. Infelizmente, o país tem muitas pessoas preocupadas com a questão econômica, com a questão política e não conseguem enxergar que sem resolver a questão ambiental, nada fará sentido. Qual o sentido disso sem a vida?”
“Ando muito em escolas não indígenas e vejo o quanto as crianças precisam aprender sobre o planeta. Muitas acreditam que a água nasce da torneira! Não entendem que para a água continuar a jorrar e brotar, ela precisa de um lugar protegido. Os territórios indígenas são protegidos porque nós cuidamos da floresta, da mãe terra, dos animais. Nossa preocupação não é só com a gente, mas com toda a humanidade. Queremos que as gerações de agora e as próximas consigam ver de perto, com os seus olhos, as árvores, a água saudável, uma cachoeira, a natureza viva. Não contada, como se fosse uma coisa do passado, mas algo que possam desfrutar e cuidar também.”