Tecnologia pode transformar a escola se o aluno é protagonista

Recursos tecnológicos precisam valorizar a inovação e a criatividade da criança e do adolescente para serem uma tendência eficaz

Vanessa Fajardo Publicado em 18.09.2025
Plataforma auxilia educadores a orientarem crianças na internet: na foto, crianças olham para um tablet enquanto são orientadas por um professor. A imagem possui intervenções de rabiscos coloridos.
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Resumo

Lousas digitais, tablets e impressoras 3D já foram moda, mas nem sempre se consolidaram como ferramentas tecnológicas transformadoras nas escolas. Agora com a IA generativa, o desafio é empregar o recurso de forma exploratória, privilegiando o protagonismo dos alunos.

Recursos tecnológicos como tablets distribuídos em larga escala ou a criação de espaços disruptivos com tecnologia de ponta costumam chegar às escolas com muita expectativa. Mas é comum que sejam subaproveitados ou se tornem ociosos com o tempo. Para que se consolidem como ferramentas pedagógicas transformadoras, especialistas sugerem que sua utilização esteja atrelada a uma proposta de educação que priorize o interesse e o protagonismo de crianças e adolescentes.

As lousas digitais são exemplo disso, conta a professora Débora Garofalo. Segundo ela, alguns motivos foram: “falta de formação docente, infraestrutura inadequada, manutenção limitada e, principalmente, ausência de uma proposta clara que sustentasse seu uso com intencionalidade pedagógica”.

“O erro comum é pensar a tecnologia como um fim em si mesma, e não como um meio para promover aprendizagens significativas”

O levantamento TIC Educação (2024) mostrou que, embora 89% das escolas tenham computadores, na rede estadual, só 68% utilizam com regularidade para atividades educacionais. “Isso reforça a ideia de que a tecnologia sem intencionalidade não gera impacto real”, complementa Débora, que atuou por 20 anos na rede pública de São Paulo e idealizou o projeto “Robótica com sucata”.

Por outro lado, em meio à expansão digital, atividades desplugadas ganham força como aliadas no desenvolvimento integral das crianças. Além disso, importante lembrar: o uso do celular sem fins pedagógicos está proibido em todas as escolas do Brasil neste ano.

Mudança deve estar na forma de ensinar

Apesar de ser tendência, a tecnologia por si só não é capaz de promover transformações. Por falta de conhecimento, pode ainda reforçar modelos antigos e ineficazes de educação. De acordo com Thais Eastwood Vaine, coordenadora de formação e inovação pedagógica do Instituto Escolas Criativas, é a forma de ensinar que precisa ser revista, não só o recurso tecnológico em si.

Para ela, reproduzir a visão instrucionista baseada em tutoriais que o professor tem sobre tecnologia acaba impedindo uma aula mais exploratória em que os estudantes possam materializar as ideias e contribuir para a solução de problemas reais. Ou seja, o que conta é o propósito pedagógico atrelado à tecnologia.

“O emprego da tecnologia deve ajudar a externalizar as ideias que estão na cabeça do aprendiz”

Assim, ao invés de o professor explicar como uma chave de fenda funciona, o ideal seria propor uma atividade em que seu uso fosse necessário, sugere Thais. “Posso chegar na sala de aula e, a partir de um problema que envolva marcenaria, sugerir a construção de uma cápsula do tempo, que vai ser um baú. Quando os alunos tiverem de colocar a dobradiça, vão usar a chave de fenda, sem precisar de uma aula específica sobre a ferramenta.”

Da mesma forma, utilizar tablets apenas para jogos educativos também pode representar um subaproveitamento do potencial tecnológico, ainda que essas ferramentas proporcionem uma aprendizagem lúdica. Thais defende que é mais valioso usá-los para estimular as crianças a criarem suas próprias produções, como fotos ou vídeos com entrevistas relacionadas ao conteúdo. Ou, ainda, “se um projetor vem em substituição a um quadro de giz, ele não está adicionando algo de muito diferente àquela experiência de aprendizagem. Mas, se for usado para que as crianças possam desenhar nos slides e verem seus desenhos projetados com papéis celofanes coloridos, por exemplo, é outra coisa”.

Se não é a tecnologia, o que pode mudar a educação?

De acordo com o pesquisador do MIT Media Lab, Mitchel Resnick, que dirige o grupo de pesquisa Lifelong Kindergarten, a prioridade das escolas no mundo atual deve ser a de ajudar alunos a se desenvolverem “como aprendizes criativos, curiosos, empáticos e colaborativos”.

No entanto, ano passado, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), uma avaliação da OCDE que mede o desempenho de estudantes de 15 anos em leitura, matemática e ciências, mostrou que mais da metade (54%) dos alunos brasileiros possui baixo nível de criatividade. Isso porque “apresentam ideias óbvias e têm dificuldades em propor mais de uma solução para um problema”.

Mitchel Resnick aponta que as crianças de hoje enfrentarão uma série de desafios incertos, desconhecidos e imprevisíveis ao longo da vida e que a proliferação de novas tecnologias de inteligência artificial só aumentará essas transformações e rupturas. Por isso, para o pesquisador, é mais importante do que nunca que elas tenham oportunidades de “pensar de forma criativa, agir com empatia e trabalhar em colaboração para que possam lidar, de maneira coletiva e reflexiva, com os desafios de um mundo complexo e em constante mudança”.

Para a professora Débora Garofalo, mais do que dominar ferramentas digitais ou automatizar processos em sala de aula, o desafio da escola é formar crianças com autonomia, empatia, criatividade e pensamento crítico, especialmente na educação infantil. “Ela é a base de tudo. Quando construída com experiências significativas, integrando linguagem, corpo, movimento, arte e investigação, a educação de crianças pequenas prepara o terreno para que as tecnologias futuras façam sentido.”

E a inteligência artificial?

Entre as tendências que desafiam as escolas a equilibrar inovação com intencionalidade pedagógica, uma pesquisa global feita pela Unesco com mais de 450 escolas e universidades apontou que menos de 10% delas têm políticas formais ou orientações institucionais sobre o uso da inteligência artificial generativa.

A Unesco entende que a IA pode ajudar a acelerar o progresso rumo à educação de qualidade para todos. Mas, para isso, o centro de seu desenvolvimento e de sua aplicação precisa estar no ser humano, com inclusão, equidade e ética. Assim, os conceitos técnicos de IA, letramento digital e pensamentos crítico e ético podem ser trabalhados sem o uso de recursos digitais, por meio de jogos, atividades e tabulações que simulam o funcionamento dos algoritmos.

Para Elaine Silva Rocha Sobreira, doutora em Educação pela USP, pedagoga e cientista social, o uso da IA na educação “precisa oferecer oportunidades para ela se transformar em uma ferramenta criativa, ao invés de ser apenas um recurso para gerar informações ou instruções de forma rápida”.

Então, para que os alunos desenvolvam as habilidades necessárias para conviver e acompanhar as transformações deste mundo tecnológico, Elaine recomenda reforçar a consciência sobre o uso responsável de informações e assegurar um olhar crítico que interprete os vieses dos resultados trazidos pela IA. “Precisamos educar para que os alunos conheçam os perigos que podem correr ao expor seus dados em uma ferramenta de IA e também para que possam avaliar as informações que recebem.”

Para a professora Débora Garofalo, é preciso entender a inteligência artificial como parte de um processo mais amplo de inovação educativa, que valoriza o ser humano e coloca a aprendizagem no centro.

“O futuro da educação não está apenas nas telas, mas nas conexões que criamos com a tecnologia e entre nós.”

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