Pais e educadores devem estar atentos aos desafios das crianças expostas à internet durante o período de distanciamento social
Neste período de quarentena e isolamento domiciliar, Viviana Santiago reflete sobre os desafios que pais e cuidadores têm em limitar o tempo de internet e analisar os conteúdos consumidos por seus filhos, para evitar expor jovens e crianças à violência e discriminação.
Reduzir a circulação de crianças e adolescentes, desde o início foi entendido como medida vital para conter a propagação do novo coronavírus e, especialmente, para proteger as mais velhas e os mais velhos. Portanto, suspender as aulas nas escolas foi a primeira medida a ser tomada em todo o país. Redes públicas e particulares tiveram cerca de 15 dias para encerrar as atividades, tempo em que as famílias deveriam se preparar para instalar uma nova dinâmica em suas vidas.
De lá para cá, crianças e adolescentes em todo o Brasil já vivenciam mais de três semanas de isolamento. Nesse período, somaram-se gradualmente outras medidas: interdição do acesso a parques, praças, clubes, projetos sociais. A casa passou a ser o único espaço permitido.
Cientes do incrível desafio imposto às famílias nesse contexto de quarentena, em que muitas mães e muitos pais se encontram em home office ou perderam seus empregos, produtores de conteúdo infanto-juvenil se solidarizam e disponibilizam o máximo possível de conteúdo on-line: são contações de histórias, oficinas, brincadeiras, desenhos, shows – tudo que possa manter as crianças e os adolescentes entretidos, informados e educados. Famílias recebem as informações com alívio, e o que se vê é um aumento vertiginoso de consumo de horas de internet. Se isso por um lado é muito potente, por outro, me causa muito medo.
O que me causa medo é que as famílias parecem ter temporariamente esquecido os desafios que temos em relação à presença de crianças e adolescentes na internet.
Se por um lado percebemos como muito potente a mobilização para construção desse repertório positivo, por outro, continuamos identificando os riscos inerentes à exposição insegura de crianças e adolescentes às dinâmicas on-line.
Não há dúvidas de que a internet seja incrível, mas também é lugar de pedofilia, de assédio, de violência sexual contra crianças e adolescentes. Violências como revenge porn, como cyberbullying, sextorsão, aliciamento sexual infantil, entre outras.
Quase 40% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos já observaram casos de discriminação na web: 26% ligados são ligados à raça — nunca é demais lembrarmos de como os algoritmos vinculam a busca “menina-feia” às meninas negras e a maneira como isso impacta a subjetividade das meninas –, 16% a atributos físicos e 14% à orientação sexual (dados da pesquisa TIC Kids Online, publicada em 2017 pelo Comitê Gestor da Internet).
No Brasil, 127 mulheres e meninas se mataram, entre 2015 e 2017, por causa de exposição on-line.
Segundo estudo do Unicef Caretas, meninas que têm imagens íntimas vazadas na internet não contam com redes de proteção e apoio. E isso é grave. A pesquisa abordou o vazamento de imagens íntimas on-line e mostra que mais de 70% das meninas entre 13 a 18 anos receberam nudes sem solicitar, 80% disseram que já lhes foi pedido o envio de imagens delas nuas e 20% já enviaram. No caso de vazamento das imagens, 35% não contaram a ninguém, 80% sentiram-se culpadas e 27% pensaram em tirar a própria vida.
Vivemos numa cultura de profunda objetificação e erotização de meninas, e isso afeta exponencialmente meninas negras, tidas historicamente como objetos sexuais. Na internet, são reduzidas a fogosas, lascivas que querem sexo – não importa a idade. A informação mais potente desse estudo é que mais de 70% nunca haviam discutido esse assunto em família.
Em um tempo em que estamos estimulando a presença de meninas e meninos na internet, é preciso que mães, pais, cuidadoras e cuidadores não esqueçam que seu papel de proteção também inclui prover a mediação on-line. Conheça os espaços on-line frequentados por suas filhas e filhos, limite o tempo de utilização da internet, e, principalmente, converse sobre os riscos, ensinando a eles estratégias de autoproteção.
Traga esse assunto para perto. Tenha uma postura aberta e acolhedora, para que se algo aconteça, meninas e meninos possam buscar apoio na família.
É preciso atenção: proteger do coronavírus e continuar ciente e atuando sobre todos os demais perigos que se apresentam às crianças e jovens todos os dias.
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