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Por que ensinar Filosofia e Sociologia para crianças na escola?

Um menino de cabelo escuro e camiseta amarela levanta a mão que segura um lápis amarelo para fazer uma pergunta na sala de aula. Outras crianças com roupas coloridas estão sentadas em suas respectivas carteiras.

A criança, que pergunta e investiga, vai sendo podada ao longo da vida escolar”, diz o professor Marcos Lorieri. Ele foi integrante do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, instituição que funcionou entre as décadas de 1980 e 2000.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Elias Gomes, o sistema de educação perde quando não oferece aulas de Filosofia e Sociologia para crianças do ensino fundamental. Isso porque, segundo ele, as disciplinas possibilitam construir relações entre os conteúdos ministrados pelos demais professores, garantindo, um melhor desempenho escolar como um todo.

“Quando um aluno está aprendendo a ler, é fundamental que ele compreenda o sentido de um texto. E essa capacidade se constrói durante as aulas de Filosofia”, explica Gomes. O mesmo acontece com a Sociologia e suas possíveis relações com a Matemática, diz, pois permite mostrar, por exemplo, o uso prático da estatística na vida dos estudantes.

O ensino de Filosofia para crianças começou no final da década de 1960, nos Estados Unidos. Isso porque o filósofo americano Matthew Lipman identificou que seus alunos adultos de um curso universitário tinham dificuldades para organizar pensamentos e contextualizá-los em situações mais amplas. A partir dessa constatação, Lipman tentou descobrir em que momento as habilidades de pensamento – da pergunta e investigação – se perdiam. E se deu conta de que essa capacidade era bem desenvolvida até o quarto ou quinto ano do ensino fundamental. A partir de 1976, esse programa de ensino foi difundido em diferentes países.

Quem teve a oportunidade de cursar Filosofia desde o sexto ano como Isabela Topein, 17, conta como isso impactou sua vida. Apesar do amor pelas exatas, “Filosofia era a única matéria que eu estudava com gosto”, diz Isabela. A jovem, que sonha em fazer faculdade de Direito e Filosofia, ainda se lembra de detalhes das histórias que os professores compartilhavam num colégio particular de Santos, litoral de São Paulo. E reforça: o pensamento crítico das crianças deve ser incentivado, e não negligenciado.

“Com o tempo a gente vai deixando a curiosidade esquecida em um canto, porque a criança acaba se espelhando muito no adulto, que faz as coisas no automático e sem se interessar”, diz Isabela.

Aprender Filosofia e Sociologia para quê?

Como a maioria das indagações filosóficas não tem resposta única ou certa, a Filosofia passa a ter sua importância diminuída, diz Jeferson Costa, doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Quem não compreende a importância da Filosofia, não vê sentido em o jovem ir para escola para questionar então o significado da felicidade.”

Mas é justamente nas aulas de Filosofia que estudantes têm a oportunidade de serem ouvidos e refletirem sobre essas questões importantes da natureza humana e social. Além disso, podem entrar em contato com diferentes perspectivas e pontos de vista. “Estamos em uma fase na qual passamos por muitas mudanças. E a filosofia nos ajuda a compreendê-las”, afirma a estudante Ester Hansen, 15.

“Esse exercício estimula crianças e adolescentes a pensar de forma autônoma, encontrando o protagonismo que buscam, mas nem sempre têm oportunidade de desenvolver em outros espaços do cotidiano escolar”, diz Ester.

A estudante, que teve seu primeiro contato com o conteúdo no ensino fundamental, em uma escola pública de Barueri, interior de São Paulo, diz que aprender Filosofia na escola pode ainda ajudar os adolescentes a ter mais empatia. Ester recorda um episódio em que seu professor alertou os alunos sobre a diferença entre gosto pessoal e respeito, enfatizando, assim, a importância desse sentimento para a convivência pacífica entre pessoas que pensam diferente. “Minha sala tinha vários alunos que faziam entre si brincadeiras que não eram saudáveis, algo parecido com bullying. Depois disso, essas coisas pararam de acontecer”, diz. Para ela, “certamente a aula de filosofia teve um impacto”.

Vinícius, 11, e Gabriela, 12, alunos do colégio Bom Jesus, em Curitiba, Paraná, também são fãs da disciplina. Vinícius acredita que a Filosofia se conecta com outras matérias do currículo, como História, porque “fala muito sobre coisas que aconteceram no passado”. Já sua colega adora quando as aulas acontecem ao ar livre, como eram as discussões filosóficas na Grécia antiga. “Muitas das coisas que a professora fala sobre Platão, por exemplo, funcionam como mensagens para a gente”, diz a menina. “Isso ajuda a gente a se conhecer melhor.”

Já Vinícius, 13, e Susan, 13, se recordam das atividades sobre mitologia que tiveram nas aulas de Filosofia do professor Marcos Quevedo Borges, na rede pública de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. “Ali eu entendi que não existe apenas a mitologia grega, também existem outras, como a africana”, diz Vinícius.

Enquanto isso, o professor ressalta que a possibilidade de explorar diversas crenças e ideias é ampla, já que “as crianças têm uma curiosidade natural, que facilita muito a dinâmica das aulas”. Ao mesmo tempo em que Borges acredita na importância das aulas de Filosofia e Sociologia no ensino fundamental, ele afirma que uma revisão dos currículos dos cursos de licenciatura das respectivas disciplinas deve acompanhar o aumento da oferta das aulas. Em sua opinião, ainda há mais ênfase na produção de pesquisa do que na docência.

A quem interessa crianças com senso crítico?

Apesar de depoimentos como esses, uma parcela da população brasileira desacredita na utilidade prática desse campo do conhecimento. Até o golpe militar de 1964, Filosofia e Sociologia faziam parte dos currículos da maior parte das escolas no Brasil. Desse modo, a liberação das disciplinas como optativas só aconteceu após a redemocratização, em 1986. Em 2008, passaram a ser obrigatórias por meio de um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE).

“A ditadura trouxe uma visão de ensino extremamente tecnicista. Isto é, não havia interesse em fomentar o pensamento crítico, analisa Jeferson Costa. Ele explica que, desde a Constituição de 1988, há dois polos de debate sobre a educação no Brasil. De um lado, uma parcela da população defende uma escola mais humanista, baseada nas ideias de Paulo Freire. Do outro, um grupo de pessoas que não vê sentido em aprender alguma coisa “que aparentemente não ajude a arrumar um emprego”.

A reforma do ensino médio, em 2016, derrubou a obrigatoriedade das disciplinas em todos os anos escolares. Com a nova lei do ensino médio, a partir de 2022, Sociologia e Filosofia voltariam a ser obrigatórias, apesar de variarem significativamente entre os estados. Um levantamento realizado pelo jornal O Globo, em 2023, identificou que apenas 10% da grade horária das escolas pelo país é reservada às Ciências Sociais.

Em março de 2024, o documento final da Conferência Nacional de Educação (Conae) entregue ao Ministério da Educação (MEC), defendeu a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia nas três séries do ensino médio, bem como a implementação progressiva de ambas as disciplinas nos anos finais do ensino fundamental. O material então subsidiará o MEC na elaboração do Projeto de Lei do próximo Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034.

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