Com mais de mil participantes menores de 16 anos, protagonismo de crianças e adolescentes deixa legados que vão além das negociações políticas
Protagonismo de crianças e adolescentes durante a COP30 tem impactos diretos nas negociações e deve contribuir para a consideração primordial dos mais novos nas decisões climáticas das próximas conferências.
Ao reconhecer o protagonismo das crianças na discussão sobre o futuro do planeta, a COP30 pode representar um ponto de virada na diplomacia climática internacional. O colombiano Francisco Vera, por exemplo, esteve entre os 1.118 participantes com menos de 16 anos que, segundo a ONU, passaram pela zona azul do evento. Nesse espaço ocorrem as negociações oficiais e as reuniões de chefes de estado.
“Após Francisco cobrar que as crianças fossem incorporadas ao texto em discussão, alguns Estados passaram então a apoiar essa inclusão”, diz Letícia Carvalho, coordenadora de assuntos internacionais do Instituto Alana. “Isso deve contribuir para a consideração primordial dos mais novos nas decisões climáticas das próximas conferências.”
Foi a primeira vez que a participação infantojuvenil resultou em impactos diretos nas decisões estratégicas de uma COP. Por isso, a COP30 fica marcada como a COP das Crianças.
Para chegar às salas de negociações e ter suas opiniões consideradas em decisões formais, foi preciso primeiro chamar a atenção para quem vai herdar o futuro em construção. “Crianças e adolescentes não contribuíram para as crises climáticas e ambientais, mas precisam ser consideradas como parte das soluções”, lembra Letícia Carvalho. Isso porque “representam um terço da população global e serão quem mais sofrerá com seus impactos”.
Então, desde a preparação para o evento, eles se envolveram em uma série de ações. Nesse sentido, participaram de consultas, debates, intervenções artísticas… E participaram também da Marcha Global pelo Clima, que reuniu mais de 70 mil pessoas nas ruas de Belém, de acordo com os organizadores.
“Vimos crianças, idosos, mães e pais, pessoas com deficiência, bandeiras, borboletas gigantes, placas coloridas e muita vontade de transformar essa na COP das Crianças”, conta Capitu Maciel, analista de natureza do Instituto Alana. Mas também “na COP da Verdade, na COP da Inclusão, na COP da Implementação”.
Por fim, “as crianças foram vistas, ouvidas, contempladas e consideradas de forma transversal nos textos das trilhas de negociação. Isso porque estiveram presentes, pautando seu cotidiano nas mesas que falavam exatamente sobre o futuro que herdarão”.
“Quando ocorre de forma segura e adequada à idade, a participação infantil pode ampliar o entendimento dos tomadores de decisão e fortalecer políticas públicas”, diz Letícia. “Tem também o potencial de enriquecer debates com perspectivas novas e criativas.” Apesar disso, segundo ela, poucos líderes globais promovem a escuta ativa das crianças em pautas políticas.
“Precisamos de menos esgoto a céu aberto”, pediu Miguel, 12, à primeira-dama Janja e à ministra da igualdade racial, Anielle Franco, em agosto. Ele participava de uma miniCOP no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, uma das 130 edições realizadas em 10 países. Depois disso, Miguel embarcou para a COP30. Ele foi a primeira criança da favela a participar da conferência global. Lá, sua voz se juntou a de 1.300 outras crianças brasileiras que deixaram mensagens aos tomadores de decisão.
Durante o Festival e Seminário Cultura Infância e Natureza: agir pelo futuro, que aconteceu no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, em outubro, 14 crianças de diferentes regiões do Brasil participaram ativamente. Isto é, apontaram dificuldades que elas e suas famílias enfrentam em seus territórios relacionadas à crise climática e à valorização da cultura.
“Muitas dizem claramente que estão aprisionadas dentro de espaços que não permitem correr ou brincar”, relata Rita Oenning. A antropóloga e diretora executiva do pontão de Cultura Usina da Imaginação, de Santa Catarina, mediou algumas atividades durante o festival. Para ela, o evento significou um exercício de aprendizagem dos adultos sobre como é ouvir e incluir as crianças em agendas políticas.
Já Julia Ferreira, 16, participou de duas agendas pelo clima, em novembro. Primeiro, esteve com outros quatro estudantes do ensino médio da Avenues São Paulo em uma miniCOP, no Porto Maravilhosa, no Rio de janeiro. Depois, teve então a oportunidade de subir no palco do Earthshot Prize, conhecido como o “Oscar da Sustentabilidade”, ao lado do príncipe William. A delegação de jovens embaixadores do Children for Nature Fellowship, uma iniciativa de apoio a jovens ativistas climáticos do Sul Global, em parceria com o Instituto Alana, se envolveu em discussões pré-COP30, ao longo de uma semana.
“O objetivo dessa união é garantir que as vozes da juventude brasileira sejam ouvidas em fóruns globais”, explica Sylvia Guimarães, diretora de engajamento comunitário da Avenues. De acordo com ela, além de representar uma oportunidade real para exercerem a liderança, essa vivência traz benefícios como:
Um estudo mostra que nos primeiros 16 anos de COPs, entre 1992 e 2010, há apenas duas menções a crianças nos documentos oficiais. Já entre 2018 e 2024, as decisões da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês), por exemplo, apresentam 77 menções a “children”, 123 a “youth”, 13 a “girl” e 8 a “young”. Para Carolina Maciel, isso é reflexo de uma pressão global que envolve dezenas de organizações para considerar a infância em políticas climáticas.