Acalmar, reconhecer o erro, explicar o contexto e reparar. Entenda como isso ensina responsabilidade emocional
Pedir desculpas aos filhos pode reparar relações e fortalecer vínculos. Especialistas explicam por que esse gesto é tão poderoso, mostram como vencer a dificuldade de assumir erros e sugerem caminhos para conversar com crianças e adolescentes.
“Eu queria que você me pedisse desculpas.” Essa foi a frase que Cássia Machado ouviu da filha Marina, de seis anos, durante um desentendimento. “Esse pedido, de um jeito tão simples, me fez ver que, além de errar ao me exaltar, eu não estava me desculpando.”
Conflitos acontecem em qualquer casa. “Pais podem se desregular — sentir raiva, elevar o tom, ser injustos —, mas o pedido de desculpas reabre o diálogo”, diz Lilian Vendrame, psicóloga e neuropsicóloga, especialista em adolescentes. Para Maya Eigenmann, neuropedagoga e especialista em educação positiva, esse “gesto de reparo” também favorece a reconexão e faz com que os filhos aprendam mais sobre relacionamento.
“É bonito quando você explica os motivos que te desregularam e o pedido vem de um lugar genuíno e honesto.” – Maya Eigenmann
Lilian explica que, quando os filhos veem o pai ou a mãe reconhecendo seus erros, “eles entendem que seus sentimentos são válidos e respeitados”. Além disso, ensina sobre responsabilidade emocional, porque “cria uma base de confiança. Essa segurança faz com que a criança e o adolescente também aprendam a corrigir os próprios erros nas relações.”
“Os adultos precisam se autorresponsabilizar pelos seus erros. Do contrário, a criança cresce entendendo que ela é culpada”, diz Maya Eigenmann. “O pedido de desculpas pode aliviar os filhos da sensação de que eles são responsáveis pelo destempero dos pais. A responsabilidade de se regular é do adulto.”
Maya sugere que, para construir vínculos saudáveis e seguros com os filhos, é ideal que mães e pais peçam desculpas sempre que errarem. “Se a família entende que o respeito é um valor inegociável, toda vez que esse respeito não é mantido o pedido de desculpas precisa acontecer.”
Porém, se desculpar com os filhos nem sempre é fácil. A psicóloga Lilian acredita que muitas famílias têm essa dificuldade porque foram criadas acreditando que admitir erros é um sinal de fraqueza ou perda de autoridade. Outras têm dificuldade de encarar a própria falha. “Muitos não foram ensinados pelos seus próprios pais a lidar com os erros, a falar sobre emoções.”
No entanto, ela explica que se desculpar ensina pelo exemplo e que todo mundo erra e pode reparar. Além disso, falar a verdade fortalece a confiança e reforça que respeito se aprende no dia a dia.
“Eu cresci em uma dinâmica na qual não havia pedido de desculpas”, conta Maya Eigenmann. “Depois de determinada situação ruim, todo mundo voltava a conviver como se nada tivesse acontecido. Isso era muito confuso e desgastante pra mim”. Assim, quando não ajudamos a criança a entender uma situação, nomeando-a devidamente, ela pode se sentir culpada, sem saber como agir.
Para Lilian Vendrame, pedir desculpas sempre muda a qualidade da convivência. Então, o lar se torna um espaço em que os erros não significam rupturas definitivas, mas oportunidades de reparo e de aprendizado. “Quem cresce num ambiente onde os pais autoritários sempre têm a razão, acaba muitas vezes buscando perfeccionismo, e isso pode gerar uma dor profunda na vida adulta.”
“Onde se fala sobre sentimentos, pequenas mágoas não se tornam muros no relacionamento.” – Lilian Vendrame
“É importante pedir desculpas num momento em que estejamos razoavelmente regulados”, orienta Maya Eigenmann. “Se eu ainda estiver com raiva, que é um sentimento legítimo, posso pedir desculpas de uma forma passiva ou agressiva e, assim, não assumo 100% a responsabilidade.” Além disso, ela recomenda nomear o ocorrido. Isto é, “peça desculpas com honestidade e diga o que levou à situação — por exemplo, ‘eu estava cansado e falei alto’; ‘não é sua culpa.’”
A psicóloga Lilian Vendrame sugere seguir cinco etapas na hora de conversar com crianças e adolescentes. Há algumas diferenças, já que as fases e a possibilidade de entendimento divergem.
Como pedir desculpas para uma criança
1. Pare e respire
Antes de tudo, se acalme. Não peça desculpas se ainda estiver bravo ou frustrado. Assim, a criança percebe o que o adulto está sentindo e que não é legal ser reativo.
Exemplo do que dizer: “Eu estou irritado agora. Vou respirar e depois a gente conversa melhor, tá bom?”
2. Diga “me desculpa” com palavras simples
Fale com calma e sinceridade. Se possível, se agache para ficar na altura dos olhos da criança. Evite desculpas complicadas ou justificativas longas.
Exemplo do que dizer: “Me desculpa por ter gritado com você. Eu errei.”
3. Não culpe a criança
Evite dizer “mas você fez isso”. Foque no que você fez, sem transferir a culpa.
Exemplo do que dizer: “Eu me descontrolei. A forma como falei com você não foi legal.”
4. Mostre que entende o que ela sentiu
Ajude a criança a dar nome ao sentimento e mostre empatia.
Exemplo do que dizer: “Eu vi que você ficou triste. Foi chato, né? Eu também ficaria.”
5. Diga que quer fazer diferente
Mostre que está aprendendo e convide a criança a seguir junto com você.
Exemplo do que dizer: “Eu estou tentando melhorar. Vamos tentar juntos da próxima vez?”
Como pedir desculpas para um adolescente
1. Reconheça o erro de forma clara
Ser sincero é muito importante nessas situações.
Exemplo do que dizer: “Eu errei quando falei daquele jeito com você. Eu estava com raiva e não deveria ter agido daquela forma.”
2. Valide os sentimentos
Se coloque no lugar do seu filho e tente entender o que sua atitude gerou nele.
Exemplo do que dizer: “Eu imagino que você tenha se sentido magoado naquele momento.”
3. Assuma responsabilidades
É preciso assumir o que é responsabilidade do adulto e não querer justificar o ato em si.
Exemplo do que dizer: “Não foi sua culpa, eu exagerei.”
4. Comprometa-se com a mudança
Só pedir desculpas e não ter mudança de comportamento não vai ser efetivo.
Exemplo do que dizer: “Vou me esforçar para não agir assim de novo.”
5. Estimule o diálogo
Dê espaço para o adolescente responder. Ele pode preferir ficar em silêncio, dizer apenas “tudo bem” ou querer desabafar.
Exemplo do que dizer: “Estou aqui pra te escutar.”
Conheça três livros para falar sobre o tema de forma leve e divertida.
Com ilustrações coloridas e sensoriais, o livro conta a história de um monstro que bagunçou as próprias emoções e, por isso, não consegue dizer o que sente. A história ajuda a reconhecer, nomear e falar sobre sentimentos como alegria, tristeza, raiva, medo e calma.
O livro é um dicionário emocional, explicando mais de 40 emoções e sentimentos de forma lúdica e acessível. Nele, aparecem, por exemplo, prazer, ódio, entusiasmo, insegurança e orgulho.
Com analogias divertidas, a história mostra como as emoções afetam nosso corpo e nosso comportamento e aponta caminhos para expressar o que estamos sentindo.
Responsabilidade emocional é o cuidado necessário sobre as atitudes, palavras e escolhas tomadas por um indivíduo e como isso impacta nas emoções de outras pessoas com quem se relaciona. Vale para relações familiares, amorosas, de amizade ou profissionais. Nos últimos anos, o termo ganhou visibilidade a partir de movimentos em prol da saúde mental e da Comunicação Não Violenta (CNV), prática criada pelo psicólogo Marshall Rosenberg.