Ouça o Silêncio: em filme, menino surdo descobre poder da música

Ouvir não é só com os ouvidos, e sim com o corpo todo. Essa é a descoberta do menino Luka, de nove anos, neste documentário que é puro aprendizado

Renata Penzani Publicado em 27.05.2019
Foto de um menino com o dedo na boca fazendo sinal de silêncio. O menino está escondido atrás de um adulto com os braços dados
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Resumo

Luka é um menino de nove anos que vive e mora em uma escola para crianças surdas. Na música, ele aprende a se comunicar, e descobre que é possível escutar com o corpo todo, e não só com os ouvidos. Conheça o filme "Ouça o silêncio".

No longa documental “Ouça o Silêncio” (Listen to the silence), Luka é um menino de nove anos que vive e estuda em uma escola pública para crianças surdas e/ou com deficiência auditiva. Surdo e apresentando dificuldades de concentração, ele atravessa as questões específicas da idade – dúvidas, medos e inseguranças – somado ao fato de ser uma criança que não consegue interagir com o mundo por meio da linguagem oral. Então, Luka se dá conta de que precisa buscar outras maneiras de se comunicar e, assim, ser ouvido.

Exibido na Ciranda de Filmes no último sábado, 25, em São Paulo, o Lunetas acompanhou a sessão, seguida de um debate gratuito com o pediatra e neurologista Mauro Muskat – leia a entrevista que fizemos com ele.

No bate-papo, o médico falou sobre a música como um potente instrumento de desenvolvimento da criança, não só cognitivo, mas também sensível e emocional. No filme, o menino estabelece uma relação de troca com a música e a dança, em que os sons o fazem perceber como é possível ouvir o mundo através do corpo todo, e não só do ouvido.

O convite de “Ouça o Silêncio”

Produzido em 2016, com direção e roteiro da cineasta Mariam Chachia, o documentário se passa na Geórgia, na Europa Oriental, e acompanha a jornada de crescimento e desenvolvimento de Luka. “O filme é um convite para ouvir o silêncio, para escutar a música que existe no silêncio”, afirma Muskat, “A música é uma linguagem universal que é intrinsecamente emocional e empática”, defende.

“O filme é um chamado para os pais e professores que não conseguem compreender seus filhos”

“Ter um sonho é muito natural e fácil para cada um de nós, mas, para segui-lo, quando ninguém mais acredita nele, é o destino de apenas alguns”, diz a sinopse do documentário, que narra o mundo interno deste menino que só deseja ser ouvido. “Mesmo que seja muito difícil para ele entender e aprender o ritmo da música, ele nunca desiste. ‘Listen to the Silence’ observa a vida de Luka no mundo oculto dessa sociedade surda”.

Confira abaixo o trailer:

As vivências de Luka

A partir da relação que os adultos constroem com o garoto, o filme provoca a pensar como a diferença é percebida e tratada, até mesmo em um contexto em que a diferença é pressuposto, como a escola de Luka, onde todas as crianças possuem deficiência auditiva. Por não se enquadrar no que o entorno social considera “normal”, Luka é muitas vezes vezes tido como desajustado, aquele não que acompanha o ritmo dos demais, e é dessa forma que ele se sente. Em muitos contextos de patologização da infância, o menino seria rotulado como hiperativo, ou com algum transtorno de atenção.

Enquanto muitos dos seus colegas – também crianças surdas – conseguem repetir os passos que o professor ensina, Luka tem dificuldade, erra, se frustra e, num dado momento, resolve desistir de tentar. No tempo livre entre uma aula e outra, “Ouça o Silêncio” mostra no garoto treinando sozinho, ou arranjando confusão com outras crianças. O menino tem muita energia, e nem sempre as atividades que lhe são dadas conseguem dar conta de canalizar todo esse potencial.

Diante disso, não só os seus pais, mas também os professores e coordenadores da escola, aparentam estar perdidos em relação aos rumos da educação do menino, já que nada parece fazê-lo ser mais disciplinado ou focado. Em diversas cenas, essa desajuste em relação ao que é esperado e normatizado se reflete na maneira como o menino lida com a frustração por não conseguir reproduzir algum comportamento, apresentando ainda mais agressividade ou rebeldia.

Para Luka, conectar-se com a música é ser livre e expressar seu desejo de pertencer.

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Divulgação

Mesmo sem escutar nenhum som com os ouvidos, Luka aprende a ouvir com o corpo todo, e aprende a sentir a vibração da música em todo o seu corpo

A música no desenvolvimento infantil

É a partir da relação com a música – e a musicalização, de forma mais abrangente – que Luka experimenta fazer parte de um grupo. Ele participa das aulas com entusiasmo, mesmo errando constantemente, e logo começa a tomar gosto por aquilo, passando a sonhar com palcos e apresentações de dança.

“Ouça o Silêncio” trabalha a questão da música como uma linguagem complexa, que vai além da percepção dos sons. Ou seja, como uma criança surda se conecta com a música sem conseguir ouvi-la? A partir de cenas sutis e de grande beleza, o filme coloca essas interrogações curiosas ao espectador, como naquela em que Luka se tranca sozinho na sala de ensaio e liga o aparelho de som. Por longos minutos, ele acaricia as caixas de som, sente a vibração da música, tira e põe da tomada, investigando a existência física do som.

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Divulgação/Ciranda de FIlmes

O neurologista e neuropediatra Mauro Muskat debruça sua pesquisa sobre os impactos da música no desenvolvimento infantil

Segundo o professor, que também é músico e compositor, o potencial da música para o desenvolvimento humano está relacionado à subjetividade que ela evoca, favorecendo a construção da identidade e do sentimento de cocriação diante daquilo que o som representa.

“A música é a transformação de um processo físico para um processo subjetivo, por isso é que ela é a mais subjetiva das artes”, diz Muskat.

A programação de filmes da Ciranda de Filmes 2019 começou no dia 23, mas, para quem ainda está em São Paulo e ainda não conseguiu ir, ainda dá tempo. Até quarta-feira, 29, vão acontecer algumas sessões, como do filme “Patrimônio imaterial número 82”, na terça-feira, às 17h, e do documentário “Ryuichi Sakamoto: coda”, na quarta-feira, às 19h. O tema deste ano é “Música: linguagem da vida”. Confira aqui alguns filmes sobre infância que selecionamos da programação.

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