‘Assunto de Família’: infâncias e maternidades no Oscar 2019

Vamos espiar como as crianças e as famílias foram retratadas em alguns dos filmes mais disputados ao Oscar 2019?

Da redação Publicado em 07.02.2019
Foto de duas crianças sentadas e sujas se tocando
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Resumo

O Lunetas conversou com o pesquisador de cinema Lucas Reis, que comenta algumas das produções na disputa pelo Oscar 2019. Como as crianças e famílias são retratadas? Prepara a pipoca e anota essas dicas.

A cerimônia de premiação do Oscar 2019 vem aí, no dia 24 de fevereiro, e o Lunetas preparou uma seleção alguns filmes para você não perder de vista. Dentre as centenas de indicados deste ano, há muitas produções que dialogam com os nossos temas principais, como “Assunto de Família”, que fala sobre infância e maternidade.

São muitos os temas instigantes que aparecem entre os favoritos às melhores produções cinematográficas do ano, como a infância em situação de refúgio, a imigração, a importância dos vínculos afetivos, a culpabilização social da maternidade, e o papel da família no desenvolvimento da criança.

Se é que se pode dizer que filmes tão diferentes na proposta, no gênero e na linguagem têm algo em comum, está uma representação de múltiplas configurações familiares, mostrando que, se não existe uma maneira só de ser família, também não existe um só jeito de ser criança.

Para ampliar o debate, conversamos com Lucas Reis, estudante de Midialogia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas),  pesquisador de cinema, que comenta quatro filmes dessa lista. Abaixo, indicamos algumas que dão protagonismo às crianças e que retratam uma ampla diversidade de infâncias.

Veja lista do Oscar 2019 e boa sessão pipoca!

  • “Roma” (México)

Ambientando no México em plena tensão política dos anos 70, “Roma” aborda as relações entre uma família de classe média alta com Cléo, que trabalha como empregada doméstica na casa. A maternidade fica em foco no enredo, quando a empregada engravida, é abandonada pelo pai da criança, e se vê na difícil jornada da maternidade solo. A trama, com várias indicações ao Oscar 2019, chama atenção também para a terceirização do cuidado, já que todo o carinho que os filhos da patroa recebem vem de Cleo. É ela quem as leva para a escola, conta histórias e bota para dormir. O filme problematiza também as relações de trabalho, já que a família trata a mulher como parte da família, mas ao mesmo tempo não estreita os laços de intimidade com ela, que continua sozinha. Com dirigido do aclamado Alfonso Curaón, “Roma” está disponível na Netflix.

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Reprodução/"Roma"

O filme “Roma” é o mais recente do diretor Alfonso Cuarón, que também dirigiu “Gravidade”

  • “Se a rua Beale falasse” (Estados Unidos)

Lucas Reis  – “A questão da maternidade é proeminente no indicado a melhor roteiro adaptado “Se a rua Beale falasse”, que trata de Tish (KiKi Layne), uma jovem grávida lutando para inocentar o pai de seu filho de uma falsa acusação. Além de narrar a história pelo ponto de vista dessa figura materna que surge, o filme tem como ponto emocional a mãe de Tish, Sharon (Regina King), principal cotada para o prêmio de atriz coadjuvante), que tenta criar um lar regido pelo afeto onde não há espaço para a vergonha, um local emocionalmente seguro para suas filhas crescerem e se expressarem.

  • “A favorita” (Estados Unidos/Reino Unido/Irlanda)

Lucas Reis – No drama histórico “A Favorita” (indicado a 10 estatuetas), presente no Oscar 2019, o séquito toma uma posição maternal em relação a Rainha Anne (Olivia Colman), emocionalmente fragilizada pela morte de seus filhos. A disputa de suas favoritas (Rachel Weizs e Emma Stone) pelo poder é marcada pela tomada do papel de mãe e amante, e também definida pela relação de cada uma com os 17 coelhos que simbolizam cada filho perdido da rainha (estes são um ponto chave para compreender as transferências de poder ao longo do filme).

  • “Cafarnaum” (Líbano)

Dirigida pela atriz e diretora libanesa Nadine Labaki, o drama “Cafarnaum” conta a história de Zain (interpretado por Zain Al Rafeea), um garoto de 12 anos que tem a infância roubada pela carga de responsabilidades que precisa assumir. Um dos cinco filhos de um casal que vive em um cortiço, ele decide fugir de casa quando os pais forçam a irmã de 11 anos a se casar com um homem mais velho em troca de dinheiro.

Na rua, por conta própria, ele se vira como pode para se sustentar, até conhecer uma imigrante africana e seu bebê. Então, ele se vê na missão não só dele mesmo, mas também do bebê, após a mulher ser presa. É esse o enredo de “Cafarnaum”, que vai narrando uma história que culmina na decisão da criança de processar os pais por terem colocado no mundo. Sem fazer concessões na intenção de retratar infâncias abandonadas pela família e pelo governo, o filme aborda a questão do refúgio e da imigração do ponto de vista da criança. Assista ao trailer original:

  • “Madre” (Espanha)

Mais um curta de ficção na disputa pelo Oscar 2019, o espanhol “Madre” tem como foco a angústia de uma mãe ao receber o telefonema do filho de seis anos, que estaria viajando com o pai em outro país, mas confessa estar sozinho em uma praia vazia, sem saber onde está o pai. Em tom de suspense psicológico, o próprio trailer da trama já mostra a que o filme veio: como se sente uma mãe ao se dar conta de que o paradeiro do filho é algo completamente desconhecido? Com direção e roteiro de Rodrigo Sorogoyen, a produção já levou mais de 100 prêmios em festivais pelo mundo todo.

  • “Os Incríveis 2” (Estados Unidos) e “A esposa” (Suécia/Estados Unidos)

Lucas Reis – Há uma abordagem próxima das relações entre maternidade e papéis de gênero em “Os Incríveis 2” (indicado a Melhor Animação) e “A Esposa” (cotado para vencer o Oscar de Melhor Atriz). No primeiro, a Mulher Elástico é escolhida para ir em novas missões enquanto o Sr. Incrível tem que cuidar dos filhos e da casa, tendo dificuldade em se adaptar ao papel que socialmente é colocado como feminino, e se incomodando com a escolha da mulher; no segundo, a protagonista se cansa de ser relegada ao papel de esposa e mãe enquanto seu marido leva crédito pelo seu trabalho (inclusive vencendo um Nobel por ele), ao mesmo tempo, a perspectiva do filho sobre sua vida muda quando ele descobre que sua admiração sempre foi direcionada ao genitor errado.

  • “O retorno de Mary Poppins” (Estados Unidos)

Este clássico musical de fantasia dos anos 60 voltou às telonas em uma releitura do diretor norte-americano Rob Marshall. A babá mais famosa da história da literatura (o livro foi publicado originalmente em 1934, pela escritora australiana Pamela Lyndon Traverse) e do cinema desce de novo dos céus para trazer alegria a uma família arrasada por uma perda. As crianças Georgie, Annabel e John têm sua rotina iluminada pelo otimismo de Mary Poppins e seu acendedor de lampiões mágico.

  • “Assunto de família” (Japão)

Em meio a um furto, uma família pobre, que vive na periferia de Tóquio e se sustenta cometendo pequenos crimes, encontra uma garotinha abandonada. A princípio, eles não sabem que a menina é vítima de maus tratos, mas decidem levá-la para casa. Impossibilitada de ter filhos, a mulher e a família integram a menina naquele núcleo familiar, com afeto e simplicidade. Com direção de Hirokazu Kore-eda, o filme mobiliza a questão da adoção e dos vínculos afetivos que se firmam para além dos laços sanguíneos e do que a sociedade compreende como certo e errado. “Eu dei um lar para ela, foi outra pessoa a abandonou”, diz a mãe.

  • “Bao” (China)

Aqui no Lunetas, falamos deste curta-metragem da Pixar cheio de simbologias em dezembro do ano passado. Indicado ao Oscar na categoria Animação, “Bao” traz o retrato de uma mãe superprotetora, e convida a refletir sobre os excessos de culpa e preocupação que costuma acompanhar a experiência da maternidade. Dirigido pela cineasta chinesa Domee Shi, o filme problematiza as relações potencialmente sufocantes que muitas vezes se desenvolvem no núcleo familifar, e chama atenção para a importância de não centralizar a vida emocional da mãe no filho ou na filha. Metaforizando a vontade inconsciente da progenitora de “engolir” as crias, o filme instiga a pensar sobre a importância de criar os filhos para serem independentes e autônomos.

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