Obesidade infantil: cuidar da saúde sem estigmatizar a criança

Ação incentiva cuidados com a alimentação e chama atenção para as altas taxas de obesidade entre crianças e adolescentes, que aumentaram em tempos de Covid-19

Publicado em 20.10.2020
Obesidade infantil: um menino está deitado de bruços sobre as mãos
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Resumo

Especialistas de diferentes áreas comentam o crescimento alarmante entre os casos de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes no Brasil e no mundo.

Os dados sobre obesidade em crianças e adolescentes alertam para uma grave questão de saúde pública. No Brasil, uma em cada três crianças com idade entre cinco e nove anos atendidas pelo SUS está acima do peso saudável, segundo dados do Ministério da Saúde. Esses números são ainda piores no contexto da Covid-19. Uma pesquisa recente feita pelo Ibope e Unicef mostra que quase metade da população brasileira sofreu mudança nos hábitos alimentares neste período de quarentena e 9 milhões de brasileiros deixaram de comer por falta de dinheiro durante a pandemia. Entre as famílias que vivem com crianças e adolescentes, o impacto foi de 58%, com maior consumo de alimentos industrializados, refrigerantes e fast food, o que contribuiu para a evolução dos quadros de obesidade, inclusive a obesidade infantil.

A má alimentação gera duas consequências: a desnutrição e a obesidade. Cerca de 7% das crianças de até 10 anos no Brasil sofrem com desnutrição, mas a obesidade atinge quase o triplo, 20% das crianças, segundo análise da professora Rosane Pilot Pessa, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

O aumento das taxas de obesidade infantil no Brasil nos últimos anos coincide com a mudança de hábitos da população, que passou a consumir mais bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados. Além de prejudicar o desenvolvimento das crianças, a obesidade está associada a outras doenças crônicas que podem ocorrer ainda na infância e aumentam a probabilidade de outras doenças na vida adulta, como diabetes e hipertensão, além das cardiovasculares e respiratórias. Atualmente, a doença atinge 124 milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo. Se a realidade não mudar, projeções da Organização Mundial da Saúde indicam que, em 2030, o Brasil será o 5º país do mundo em número de crianças com essa condição.  

A campanha “Obesidade infantil: uma questão de saúde pública”, uma parceria entre o Instituto Alana (com apoio dos programas Criança e Natureza e Criança e Consumo), o Instituto Desiderata e a Sociedade Brasileira de Pediatria apresenta um infográfico com dados sobre a obesidade em crianças e adolescentes no Brasil e no mundo, chamando atenção de pais e responsáveis para a influência de fatores externos (ambientais, políticos, socioeconômicos, educacionais e culturais) sobre os principais riscos e causas do excesso de peso e da obesidade crescente em crianças e adolescentes.

Olhar intersetorial sobre a obesidade infantil

O Instituto Alana, por meio dos programas Criança e Natureza (Laís Fleury) e Criança e Consumo (Lívia Cattaruzzi), participou nesta segunda-feira (19/10) do 2º Seminário de Obesidade em Crianças e Adolescentes. Com apresentação e mediação de Roberta Marques, Diretora do Instituto Desiderata, e participação da pediatra Denise Lellis, o evento destacou o impacto da publicidade infantil nos hábitos alimentares e na saúde, e o papel da natureza no enfrentamento dessa questão.

Em sociedades predominantemente urbanas como a brasileira, que tem 87% da sua população vivendo em cidades, é preciso considerar efeitos como o distanciamento da natureza, a redução das áreas naturais, a poluição ambiental, problemas com segurança pública e qualidade dos espaços ao ar livre, pontua Laís. Isso porque a falta de oportunidades de brincar ao ar livre e um estilo de vida mais sedentário – quadro intensificado com o confinamento em consequência da pandemia – estão diretamente relacionados com problemas de saúde, incluindo a obesidade, e afetam o desenvolvimento integral da criança. Ou seja, é preciso “receitar a natureza, uma tecnologia capaz de trazer bem-estar”, indica ela, além de pensar as cidades de forma a distribuir melhor as áreas verdes e oferecer “espaços que inspirem e promovam escolhas mais saudáveis”.

Por sua vez, Lívia pontuou como a publicidade infantil, embora seja ilegal na legislação brasileira, segue influenciando escolhas alimentares não saudáveis entre crianças, que não passam imunes à lógica do consumismo e sofrem os impactos de uma alimentação de baixo valor nutricional nos níveis de saúde, incluindo a obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis. A advogada criticou a tentativa de reformular o guia alimentar brasileiro, sobretudo nesse momento de crise sanitária por conta da Covid-19 e em vista dos altos índices de obesidade infantil. Ela também destacou 

Já Denisse Lellis, pediatra que trabalha com nutrição, membro da liga de Obesidade Infantil do HC-FMUSP e do departamento de Obesidade Infantil da ABESO, trouxe algumas evidências científicas para comentar a obesidade do ponto de vista médico. Para ela, ainda precisa haver uma inversão da lógica do tratamento para uma cultura da prevenção, priorizando a transdisciplinaridade para obter resultados mais sustentáveis e prevenir conjuntamente a obesidade e os transtornos alimentares. 

Além disso, ela ressaltou a importância de se investir em modelos e em formas para se comunicar com essa criança com excesso de peso, sem estigmatizar a infância com discursos gordofóbicos ou agressivos, como “combater, acabar, lutar contra a obesidade”, por exemplo. “O excesso de peso na infância e na adolescência é multifatorial e muitas vezes está associado a sofrimento emocional. Portanto, mensagens de causa única e efeito devem ser vistas com cuidado”, alerta.

“Crianças com excesso de peso, antes de serem ‘obesas’, são crianças”

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