O que é essa tal prática de desemparedamento da infância?

Buscar experiências em contato com a natureza permite que as crianças tenham uma melhor qualidade de vida desde muito cedo

Eduarda Ramos Publicado em 17.01.2023
Crianças negras sorriem enquanto correm em um ambiente aberto.
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Resumo

Desemparedar a infância é permitir que as crianças possam brincar livremente e construam relações saudáveis em seus territórios, acompanhadas da natureza e de boas práticas de urbanismo.

“A ideia de desemparedamento é sair, literalmente, para fora das paredes. Partimos da ideia de educação integral, em que espaços fora da sala de aula, como o pátio, podem ter um potencial educativo”, explica Paula Mendonça, pesquisadora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana. O termo desemparedamento foi cunhado pela professora Léa Tiriba, ao identificar com outros pesquisadores que a diminuição de acesso a áreas verdes, somada à perda de liberdade das crianças na cidade, faz com que elas fiquem cada vez mais confinadas – geralmente acompanhadas de uso excessivo de telas.

E quais são os benefícios que a prática oferece a crianças e jovens? Para Mendonça, “o desemparedamento fortalece o espírito investigativo das crianças, permite a observação dos fenômenos naturais e causa bem-estar por permitir contato direto com natureza”.  Segundo ela, o desemparedamento age diretamente na forma como crianças e adolescentes lidam com o território em que vivem e criam experiências: “Quanto mais educadores estimularem que os estudantes façam desse território um lugar de aprendizado, mais isso fortalece a sensação de pertencimento da criança com o lugar que habita. E só é possível cuidar ‘daquilo que a gente gosta e conhece’”, reforça a pesquisadora.

Para Guilherme Blauth, educador e observador das infâncias, um dos maiores benefícios do desemparedamento é permitir que o corpo da criança se expanda. Ele explica que estar em lugares ao ar livre “nos deixa ver aspectos fundamentais de conexão com a vida e com o ambiente, como nuvens, estrelas e o solo”. Além do âmbito individual, Blauth acredita que o desemparedamento é um dos caminhos para enfrentar a emergência climática a partir do protagonismo infantil para pensar políticas que ofereçam uma educação desemparedada, porque, como ele diz, os adultos são os maiores “emparedadores” dos pequenos.

Experiências brasileiras

“Quanto mais as cidades pensam e acolhem a presença da criança em seus espaços públicos, mais as políticas públicas fazem com que eles sejam melhor planejados, adaptados e acessíveis para o trânsito de crianças e estudantes”, explica Mendonça. Indo além da perspectiva de desemparedamento de escolas, prefeituras ligadas à Rede Urban95, iniciativa da Fundação Bernard Van Leer e do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), apostam na construção de parques naturalizados para incentivar o brincar livre.

O que é brincar livre?
“Brincar livre” é quando as crianças têm liberdade de movimento nas atividades desenvolvidas e autonomia na tomada de decisões nos espaços que frequentam, com a presença de um educador ativo que acompanhe suas investigações e brincadeiras.

E se o desemparedamento começasse no quintal de casa? O movimento Quintais Brincantes sobrevoa experiências educativas inspiradas na natureza, nas infâncias e no Brasil, que muitas vezes começam com um simples pegar de galhos ou em uma árvore próxima de casa. Para Júlia Berro, educadora e articuladora do movimento, “quando falamos de práticas desemparedadas, elas vêm ligadas à liberdade. O que a natureza provoca é a possibilidade de conexão; as crianças pedem para ir na trilha, subir na árvore, juntas, separadas, solucionando problemas todos os dias. Não é apenas sobre estar fora, é também sobre estar dentro com possibilidade de natureza”, explica.

“Quando você entra na natureza, sua respiração melhora, você ganha a possibilidade de se expandir, de se recolher e de solucionar problemas”

“Quando a gente está emparedado ou em um ambiente muito urbanizado, nossos sentidos começam a adormecer. Chegamos no planeta com sentidos em uma potência enorme, mas, com o excesso de barulho e mudanças de temperatura, percebemos cada vez menos a vida”, endossa Mariana Benchimol, pedagoga, mãe e mestra em Geografia.

Pensar em desemparedamento por inteiro é também pensar em políticas públicas amplas que podem afetar a lógica das cidades. “O desemparedamento deve ser uma negociação intersetorial: é necessário diálogo entre educação, urbanismo, obras, planejamento e trânsito, para que sejam feitas melhorias nesses espaços e eles sejam mais amigáveis para as crianças”, finaliza Mendonça. Afinal, pensar em uma cidade melhor para crianças é pensar em uma cidade melhor para todos – e tudo pode começar na sala de aula ou no quintal de casa.

* Com informações de Criança e Natureza.

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