Buscar experiências em contato com a natureza permite que as crianças tenham uma melhor qualidade de vida desde muito cedo
Desemparedar a infância é permitir que as crianças possam brincar livremente e construam relações saudáveis em seus territórios, acompanhadas da natureza e de boas práticas de urbanismo.
“A ideia de desemparedamento é sair, literalmente, para fora das paredes. Partimos da ideia de educação integral, em que espaços fora da sala de aula, como o pátio, podem ter um potencial educativo”, explica Paula Mendonça, pesquisadora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana. O termo desemparedamento foi cunhado pela professora Léa Tiriba, ao identificar com outros pesquisadores que a diminuição de acesso a áreas verdes, somada à perda de liberdade das crianças na cidade, faz com que elas fiquem cada vez mais confinadas – geralmente acompanhadas de uso excessivo de telas.
E quais são os benefícios que a prática oferece a crianças e jovens? Para Mendonça, “o desemparedamento fortalece o espírito investigativo das crianças, permite a observação dos fenômenos naturais e causa bem-estar por permitir contato direto com natureza”. Segundo ela, o desemparedamento age diretamente na forma como crianças e adolescentes lidam com o território em que vivem e criam experiências: “Quanto mais educadores estimularem que os estudantes façam desse território um lugar de aprendizado, mais isso fortalece a sensação de pertencimento da criança com o lugar que habita. E só é possível cuidar ‘daquilo que a gente gosta e conhece’”, reforça a pesquisadora.
Para Guilherme Blauth, educador e observador das infâncias, um dos maiores benefícios do desemparedamento é permitir que o corpo da criança se expanda. Ele explica que estar em lugares ao ar livre “nos deixa ver aspectos fundamentais de conexão com a vida e com o ambiente, como nuvens, estrelas e o solo”. Além do âmbito individual, Blauth acredita que o desemparedamento é um dos caminhos para enfrentar a emergência climática a partir do protagonismo infantil para pensar políticas que ofereçam uma educação desemparedada, porque, como ele diz, os adultos são os maiores “emparedadores” dos pequenos.
“Quanto mais as cidades pensam e acolhem a presença da criança em seus espaços públicos, mais as políticas públicas fazem com que eles sejam melhor planejados, adaptados e acessíveis para o trânsito de crianças e estudantes”, explica Mendonça. Indo além da perspectiva de desemparedamento de escolas, prefeituras ligadas à Rede Urban95, iniciativa da Fundação Bernard Van Leer e do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), apostam na construção de parques naturalizados para incentivar o brincar livre.
E se o desemparedamento começasse no quintal de casa? O movimento Quintais Brincantes sobrevoa experiências educativas inspiradas na natureza, nas infâncias e no Brasil, que muitas vezes começam com um simples pegar de galhos ou em uma árvore próxima de casa. Para Júlia Berro, educadora e articuladora do movimento, “quando falamos de práticas desemparedadas, elas vêm ligadas à liberdade. O que a natureza provoca é a possibilidade de conexão; as crianças pedem para ir na trilha, subir na árvore, juntas, separadas, solucionando problemas todos os dias. Não é apenas sobre estar fora, é também sobre estar dentro com possibilidade de natureza”, explica.
“Quando você entra na natureza, sua respiração melhora, você ganha a possibilidade de se expandir, de se recolher e de solucionar problemas”
“Quando a gente está emparedado ou em um ambiente muito urbanizado, nossos sentidos começam a adormecer. Chegamos no planeta com sentidos em uma potência enorme, mas, com o excesso de barulho e mudanças de temperatura, percebemos cada vez menos a vida”, endossa Mariana Benchimol, pedagoga, mãe e mestra em Geografia.
Pensar em desemparedamento por inteiro é também pensar em políticas públicas amplas que podem afetar a lógica das cidades. “O desemparedamento deve ser uma negociação intersetorial: é necessário diálogo entre educação, urbanismo, obras, planejamento e trânsito, para que sejam feitas melhorias nesses espaços e eles sejam mais amigáveis para as crianças”, finaliza Mendonça. Afinal, pensar em uma cidade melhor para crianças é pensar em uma cidade melhor para todos – e tudo pode começar na sala de aula ou no quintal de casa.
* Com informações de Criança e Natureza.
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O que é brincar livre?
“Brincar livre” é quando as crianças têm liberdade de movimento nas atividades desenvolvidas e autonomia na tomada de decisões nos espaços que frequentam, com a presença de um educador ativo que acompanhe suas investigações e brincadeiras.