Quando a criança se recusa a comer alguns alimentos, pode ser sinal de seletividade alimentar; condição afeta o desenvolvimento saudável e a rotina das famílias
Quando a criança não aceita comer algo diferente do habitual, atrapalhando a rotina da família e afetando o seu desenvolvimento saudável, é sinal que a seletividade alimentar precisa ser acompanhada por profissionais.
Joaquim, 4, deixou de comer as refeições e passou a se alimentar apenas de leite durante a pandemia. A mãe, Caroline Prudente, conta que o menino pedia mamadeira a qualquer hora e não se interessava por mais nenhum alimento. Essa não era sua primeira vez diante da angústia de lidar com a seletividade alimentar. “Há dez anos, passei por isso com o João, meu filho mais velho, que hoje tem 12″, lembra. “Mas, com Joaquim, a situação saiu do controle. Mesmo com uma boa introdução alimentar, ele deixou de comer o que já tinha se acostumado”.
A seletividade alimentar de Joaquim é considerada comum, principalmente na primeira infância. A recusa, acompanhada da famosa “cara feia” ou dos constantes “nãos”, é uma dificuldade na rotina alimentar de 5 a cada 10 famílias com crianças, segundo pesquisa do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (Cenda). Além disso, durante a infância, o comportamento geralmente é acompanhado de uma perda constante de apetite, irritabilidade e agitação durante as refeições.
Quando a criança se limita a comer alimentos com o mesmo padrão de sabor ou textura e não quer mais experimentar outros cardápios, é possível que ela seja seletiva. Contudo, o que diferencia a seletividade da preferência alimentar é se fechar a novas possibilidades, explica a nutricionista materno-infantil, Ana Chiapetti, especialista no atendimento de casos de seletividade alimentar. “A criança seletiva não recusa uma fruta ou um vegetal de maneira isolada. Ela vai perdendo significativamente o interesse até excluir grupos alimentares completos e pular refeições constantemente.”
Esse comportamento pode afetar a rotina de toda a família, inclusive fora de casa. Isso porque os pais começam a ter dificuldades em fazer refeições com os filhos em outros ambientes, sobretudo em viagens. Prudente se incomodava particularmente com o rótulo de “criança chata para comer” nos comentários de outras pessoas. Além disso, o julgamento alheio sempre fazia a culpa cair sobre ela. “Só uma mãe que passa sabe como é. Eu ficava preocupada com a nutrição dele e com a saúde. Como as pessoas não têm noção, sempre vão falar do seu filho e te culpar.”
Em primeiro lugar, não adianta só tentar oferecer o alimento para a criança sem nenhum contexto. Para os profissionais, é necessário ajustar a rotina alimentar e o horário de dormir, evitar o uso de telas ao comer e fazer das refeições um momento acolhedor. Autora do livro “Por que meu filho não quer comer? Uma visão além da boca e do estômago”, a fonoaudióloga Patrícia Junqueira, diretora do Instituto de Desenvolvimento Infantil, defende que “comer é um comportamento aprendido”. Para que dê certo, é necessário motivação e curiosidade da criança, e disposição da família em auxiliá-la nesse processo.
Junqueira afirma que as refeições em família são essenciais para a criança ter exemplos do que e como se alimentar. Além disso, é importante não recorrer a aparelhos eletrônicos para distrair os filhos nesta hora. “As crianças precisam ver, cheirar e tocar os alimentos. Também precisam perceber quando estão com fome e saciadas. Se estiverem distraídas, podem até comer, mas não aprendem a autonomia necessária para isso.”
Nesse sentido, Chiapetti comenta que “uma criança que dorme meia noite e acorda às dez horas da manhã não responde facilmente ao tratamento de seletividade alimentar”. Por isso, a nutricionista enfatiza que, primeiro, é imprescindível observar as horas de sono e estabelecer a rotina alimentar sem excluir bruscamente aquilo que a criança já consome.
“O ideal é transitar esses alimentos ao longo do dia com um cardápio possível. Isso porque os alimentos devem aparecer aos poucos, em pequenas quantidades e associados àqueles que ainda são aceitos.” Ou seja, se a criança toma iogurte mas não come frutas, vale a pena oferecer os dois juntos, para, aos poucos, dar somente as frutas, por exemplo.
Outro ponto importante para a família observar é quando a saúde da criança fica comprometida. Segundo Chiapetti, alguns casos de seletividade alimentar podem afetar diretamente o desenvolvimento da criança. “Ela pode apresentar dificuldades de ganho de peso e de crescimento, bem como carências nutricionais e atrasos na fala e na socialização.”
Quando isso acontece, é importante conversar com um pediatra para que indique um acompanhamento especializado com um nutricionista. Em alguns casos, pode ser interessante consultar também um psicólogo e um fonoaudiólogo.
Embora o tratamento de Joaquim com a nutricionista ainda esteja em curso, a mãe comemora algumas evoluções e o engajamento de toda a família. Ele já senta à mesa, consegue comer carnes e experimentar algo novo por conta própria, mesmo que não aprove tudo. “O almoço era um momento tenso, eu ficava estressada e tentava não parecer. Agora, até o João começou a experimentar outras coisas para incentivar o Joaquim. Isso transformou a dinâmica de casa.”
Ainda preocupada em manter o tratamento na rotina da escola, Prudente prepara a lancheira com opções que o menino conhece e procura envolvê-lo na tarefa. Mas, quando o lanche volta para a casa, existem alguns combinados. “Por exemplo, se ele não comeu a fruta de manhã, ela fica para o lanche da tarde. O importante é não desistir.”
Veja alguns comportamentos comuns que podem significar seletividade alimentar na infância, segundo as profissionais entrevistadas por Lunetas:
Para os autistas, a alimentação é uma experiência sensorial que aguça vários estímulos. Por isso, alguns deles podem ser incômodos demais, levando à recusa ou à separação dos alimentos por cores, texturas ou temperatura. Apesar de ser uma das características de quem tem o Transtorno do Espectro Autista, a seletividade alimentar não define se a criança tem ou não esta condição. Profissionais como o pediatra ou psicólogo podem ajudar no diagnóstico preciso.