Manguezais ajudam a desacelerar as mudanças climáticas. Ensinar as crianças de hoje a preservá-los é fundamental para a sobrevivência daquelas que ainda virão
Crianças que habitam áreas de manguezais na Amazônia vivem em um ecossistema essencial para o presente e o futuro. Ao aprender a reflorestar áreas devastadas, garantem o equilíbrio climático para a sobrevivência do planeta.
É na Amazônia Atlântica, dentro dos manguezais, que as crianças aprendem como é possível reflorestar um ecossistema fundamental para a sobrevivência do planeta. Na região que abriga o maior cinturão de manguezais do mundo, cerca de 60 crianças atuam como guardiãs desse lugar em uma missão que requer três passos: pés na lama, mãos na terra e sorriso no rosto.
O objetivo desses meninos e meninas é recuperar e conservar áreas degradadas de mangue. Eles fazem parte do Clube de Ciências do projeto Mangues da Amazônia, presente nas Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX Mar) da região Bragantina, no Pará. “Estamos replantando porque tem muita gente que desmata e não quer cuidar do mangue. Isso chateia a Amazônia, pois tudo vai morrendo, até os caranguejos. Aqui é um lugar de sobrevivência”, diz Carlos Magno, 12 anos.
Maguinho, como é chamado pelos amigos, mora na comunidade Araí, no município de Augusto Corrêa (PA). O lugar é habitado por famílias de pescadores e extrativistas do caranguejo-uçá. Além de abrigar uma vasta fauna e flora, os manguezais são berçários para diversas espécies marinhas e contribuem quatro vezes mais para o sequestro de carbono da atmosfera em comparação com as florestas tropicais. A vivência do menino dentro desse ambiente aguça o olhar para o cuidado. “Meus parentes trabalham no mangue e eu vou várias vezes lá me divertir de tarde. É bacana porque vou com os amigos. A gente olha, corre na lama, toma banho na maré e pega os caranguejos para bater foto”, conta.
O replantio de mudas de vegetação nativa é um processo que envolve as comunidades tradicionais e pesquisadores das áreas ambiental e social. As sementes são cultivadas em viveiros por meses até atingirem tamanho ideal para serem levadas aos locais antes devastados. As crianças participam dessa ação como atividade principal após os encontros do clube, onde aprendem de forma lúdica sobre as características e a importância do mangue.
A educação ambiental é uma das linhas de atuação mais fortes do Mangues da Amazônia, projeto realizado pelo Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, com o apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal da Universidade Federal do Pará (LAMA-UFPA) e patrocínio da Petrobras. Nas ações, uma equipe de pesquisadores e as comunidades trocam conhecimentos técnico-científicos e conhecimento tradicional. O projeto mantém uma série de atividades voltadas para a conservação dos manguezais da Amazônia, fundamentais para a saúde climática do planeta. “Em termos globais, os manguezais têm grande contribuição na mitigação do efeito estufa e são importantes aliados na luta contra os efeitos do aquecimento global por serem um dos maiores sumidouros de carbono do planeta”, explica Marcus Fernandes, coordenador do projeto e professor de ecologia da UFPA.
A mudança na paisagem das reservas extrativistas impacta diretamente o mangue e o modo de vida das famílias locais. Intervenções como a abertura de estradas e a expansão das cidades transformam para sempre essas áreas. Por isso, para recuperar o que já foi devastado, o Mangues da Amazônia tem a meta de plantar 120 mil mudas até 2023. O resultado será o reflorestamento de 12 hectares de mangue. Durante esse processo, as crianças da região aprendem e contribuem de maneira específica. “Os esforços voltados para o grupo de três a 18 anos se dá porque acreditamos que as mudanças mais profundas na interação homem-natureza devem ser fruto de uma geração que saiba melhor questionar e sentir. Além de conhecer a fundo os problemas socioambientais e suas origens“, diz Marcus.
A importância do mangue em números
A segunda maior extensão de mangues no mundo é do Brasil
80% de áreas de mangue estão na Amazônia
200 toneladas de carbono podem ser estocados a cada hectare de manguezais
40 vezes mais veloz é o sequestro de carbono nos mangues em relação às florestas tropicais
120 mil mudas serão plantadas para reflorestar áreas devastadas de manguezal no Pará até 2023
1 bilhão de crianças e adolescentes expostos às mudanças climáticas no mundo podem ser beneficiados
Fontes: Unicef, ICMBio, Projeto Mangues da Amazônia
O relatório do Índice de Risco Climático das Crianças, publicado em 2021, pelo Unicef, revela que 1 bilhão de crianças e adolescentes estão expostos aos efeitos de mudanças climáticas no mundo inteiro. Os impactos mais evidentes são os desastres naturais, as ondas de calor, escassez de água e poluição do ar. O estudo aponta que tudo pode piorar com a aceleração das mudanças climáticas e a devastação da natureza. A redução da emissão de gases de efeito estufa é uma ação que os mangues desenvolvem naturalmente quando preservados.
“A cada hectare de manguezal da Amazônia, há um estoque de 200 toneladas de biomassa, correspondentes a 110 toneladas de carbono. Portanto, as áreas de reservas onde essas crianças vivem são um dos maiores estoques do mundo”, pontua Paulo César Virgulino, biólogo do Mangues da Amazônia. Segundo ele, o mangue tem capacidade de concentrar valores mais altos de carbono do que outras florestas tropicais. Esses índices apontam a produtividade e a qualidade do ambiente. Ou seja, quanto mais carbono estocado, maior a possibilidade de suportar fauna e flora diversificados. “Manguezais bem conservados refletem em não devolver carbono para a atmosfera. A preservação mantém a qualidade do ar e a temperatura adequada, pois o mangue tira esses gases do ar e estoca na floresta por muito tempo”, explica.
As crianças, nesse contexto, são os atores fundamentais na formação da consciência ambiental dentro de suas comunidades e no mundo. “Se não conseguirmos pausar o impacto e a pressão que os manguezais enfrentam hoje, as gerações futuras não terão qualidade ambiental. A comunidade relata que o lugar no tempo dos avós era melhor e mais rico em peixes. Para a meninada, entender a importância desses estoques de carbono ajuda a mostrar o quanto o ambiente que elas vivem tem valor perante os olhos do mundo inteiro”, conclui Paulo.
A crise climática leva as crianças de hoje e aquelas que estão por vir ao encontro de um planeta calejado pela exploração dos recursos naturais. É urgente semear a educação ambiental no presente para o futuro. Esse processo é fruto de um aprendizado orgânico: vem da família, dos educadores e principalmente daquilo que se sente através da interação com a natureza. Raiane, 11, tem prática em caminhar no mangue, seja descalça ou com os pés calçados em sapatilhas feitas com sacos de farinha, material usado pelos catadores de caranguejo. “Lá na comunidade a gente sempre passeia no mangue, tira caranguejo, aprende muita coisa. Eu não tenho medo, não”, conta.
É pelo aprendizado contínuo, dentro e fora do Clube de Ciências, que ela se compreende como filha de um lugar essencial para a natureza. “A professora nos explica sobre as aves e as plantas daqui, e também que o mangue ajuda a água não invadir e não ter erosão. A gente está plantando porque estão desmatando muito”, diz.
Mesmo morando nas reservas, rodeadas de floresta e rios, as crianças dessas comunidades não estão alheias à realidade do mundo. A partir do momento que entendem quem são e quem é o outro, identificam a importância que têm nesse espaço. É o que explica Adiele Lopes, psicóloga da equipe psicossocial do projeto. “A infância é um período delicado e importante para a constituição da personalidade. O desenvolvimento cognitivo e social depende muito do contexto em que ela está crescendo. Por isso, o cuidado com a natureza deve ser ensinado desde os primeiros anos de vida. Não basta só dizer que não pode jogar lixo no manguezal e destruí-lo. Tem que contar o porquê. Elas têm curiosidade e precisam saber”, defende.
Além da transformação dos espaços, Fernando de Souza, voluntário do projeto e professor de matemática da escola da comunidade do Araí, percebe a mudança das crianças após a entrada no Clube de Ciências. “Eles são estimulados pelas ações a se enturmar e interagir mais na sala de aula. A gente percebe a diferença. Até na matemática eles passaram a ter mais concentração e noção de lógica”, conta.
O contato direto com o mangue, mediado pelos pesquisadores, leva as crianças a uma iniciação científica gradual, feita de maneira adaptada para cada faixa etária. Elas sempre voltam para casa sabendo um pouco mais sobre as plantas e os animais que costumam ver todos os dias, além de entenderem o sentido maior de manter o mangue. “É preciso modificar a cultura do consumo irresponsável que se apropria da natureza para o lucro. Essa lógica só pode ser mudada com a educação e ensiná-los nessa idade é deixar marcas constitutivas na personalidade em formação”, conclui a psicóloga.
Leia mais
Crianças do Clube de Ciências explicam os mangues da Amazônia: