Cidades que priorizam a infância devem promover reformas e adaptações para garantir o brincar livre em lugares de lazer
Olhar para os direitos das crianças é também garantir mais espaços públicos adaptados para que todas possam brincar livres e com segurança em seus bairros e cidades.
Ouvir as crianças e considerar o direito de brincar foi o primeiro passo para repensar os espaços públicos de dois bairros: Sumaré, em Sobral (CE), e Jardim Novo Horizonte, em Jundiaí (SP). O chão cinza, um canteiro mal cuidado e um fluxo intenso de carros se transformaram na Praça da Primeira Infância, com brinquedos, calçadas mais amplas, bem sinalizadas e cheias de cores. Além de crianças se movimentando com mais segurança a caminho da escola de educação infantil do município cearense. O mesmo aconteceu com as reformas de praças e parquinhos no interior paulista. Esses lugares ganharam mobiliário adaptado para crianças cadeirantes, com Transtorno do Espectro Autista e área para bebês.
“O ideal seria que crianças e adolescentes tivessem mais oportunidades para brincar livre, ter independência e responsabilidade”, diz Maria Isabel Barros, especialista em infância e natureza do Instituto Alana. Além de contribuir com o desenvolvimento saudável desses grupos, espaços públicos de lazer bem cuidados e acessíveis garantem mais conexão com a comunidade.
“Cidades pensadas para as crianças tendem a ser melhores para todos”
Ver os brinquedos quebrados no parquinho da Praça do Campo Limpo, distrito da zona sul de São Paulo, inquietou Thiago Vinícius. “É uma violência ver a única área de lazer do bairro destruída”, diz. Membro da associação de moradores da Agência Solano Trindade, que fomenta a arte e a economia das periferias, ele mobilizou outras pessoas e agentes públicos para reformar o local.
Essa articulação foi documentada no curta-metragem “Brincar é direito”. A produção acompanhou a comunidade durante um ano, registrando desde o sonho do Thiago até a praça ficar pronta. Durante as filmagens, o diretor Raphael Erichsen percebeu como é necessário proporcionar ambientes seguros para as crianças brincarem fora de casa.
“As cidades não foram feitas para as crianças porque muitos espaços que seriam para lazer estão abandonados e os que existem acabam virando lugares privados”
Refletir sobre a importância de espaços públicos para o desenvolvimento seguro de crianças e adolescentes tem apoio em duas leis. A primeira é a Lei da Parentalidade Positiva, que prevê o direito ao brincar como prevenção à violência contra crianças e a garantia de ambientes seguros para a brincadeira. A outra é o Marco Legal da Primeira Infância, que reforça o brincar e o lazer como políticas públicas prioritárias para União, estados e municípios.
Segundo Maria Isabel Barros, as comunidades podem se organizar para melhorar a qualidade de vida das famílias e o bem-estar de suas crianças. Rodas de conversa, abaixo-assinados e mobilizações com moradores, escolas, lideranças comunitárias e organizações do território são algumas possibilidades. “É importante ter registros (fotos, vídeos ou mapas) que mostrem os desafios e os desejos dos moradores em relação aos espaços públicos. Com esse material em mãos, é possível procurar o poder público local para propor melhorias, apresentando sugestões com base em boas práticas”, diz. Outras ações envolvem:
Em mais de 40 países, a Semana Mundial do Brincar acontece durante todo o mês de maio, com atividades voltadas para crianças e famílias, com foco na garantia do direito de brincar. No Brasil, a iniciativa é da Aliança pela Infância, que há 16 anos promove o evento em mais de 60 cidades. No Espaço Alana, no Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo, por exemplo, a programação é gratuita e conta com brincadeiras, painéis educativos para professores, leituras e apresentações artísticas. A realização é do Instituto Alana com apoio da Divisão Pedagógica (DIPED) da Diretoria Regional de Educação de São Miguel Paulista.
16ª Semana Mundial do Brincar – “Proteger o encantamento das infâncias”
Até 30 de maio, das 14h às 17h
No Espaço Alana – Rua Erva do Sereno, 642, Jardim Pantanal, São Paulo.
*Os dois projetos que abrem essa reportagem foram uma parceria entre as respectivas prefeituras com a Rede Urban95, iniciativa da Fundação Van Leer sobre planejamento urbano mais seguro, humano e inclusivo para crianças.
Produzido pelo estúdio Impossível e pelo laboratório de comunicação Up Lab, o documentário está disponível no YouTube. Além do filme, o movimento envolve campanha nas redes sociais, petição on-line, cartilha e material informativo para que as ações possam ser multiplicadas em outros espaços. “A principal vocação é conseguir, através dessa história, inspirar as pessoas e o poder público a reproduzir essa atitude e criar mais ambientes de brincar livre para as crianças”, diz Raphael Erichsen, diretor do filme. A petição reivindica mais planos municipais que contemplem a Lei Nacional do Direito ao Brincar e o Marco Legal da Primeira Infância e já soma mais de mil assinaturas.