Música, filme e minidoc propõem caminhos sensíveis e educativos para enfrentar casos de abuso sexual na infância
Projetos audiovisuais focam no combate ao abuso sexual durante a infância. São músicas, filmes e séries que buscam chamar a atenção para o crime que atinge até 500 mil crianças por ano no país.
A cada ano, 500 mil crianças e adolescentes são vítimas de abuso e exploração sexual. Diante desse cenário, artistas, pesquisadores e ativistas tentam ampliar as vozes de adultos que sofreram abusos e de profissionais que orientam como agir, denunciar e prevenir novos casos. Esses projetos audiovisuais, além de conscientizarem, podem trazer um viés educativo para a proteção das crianças.
Com a canção “Carinho não pode ser segredo”, a artista Elisa Gatti, mais conhecida nas redes sociais como “Mãe musical”, mostra que “toda criança tem que aprender que o seu corpinho é muito precioso”, mas que com “algumas partes a gente tem que ser ainda mais atento e mais cuidadoso”.
“Hoje, tenho a sorte de estar com um megafone na mão e minha missão é tocar em temas que podem construir um mundo mais acolhedor para as crianças”, diz Elisa. Ela pretende expandir o projeto com outros influenciadores do universo da parentalidade para dar visibilidade ao tema e transformar a sociedade.
No YouTube, a música ganhou videoclipe com a participação de um coral de 60 crianças da ONG Nação Valquírias, que acolhe e orienta meninas e mulheres em vulnerabilidade social em São José do Rio Preto (SP).
Além disso, um minidocumentário traz o depoimento de mulheres que foram vítimas de abuso na infância e que explicam a importância de conscientizar não só as crianças, mas todos os adultos responsáveis pela proteção de meninos e meninas.
Por fim, a canção se transformou em um livro infantil, para ser lido por crianças, educadores e famílias. Publicado pela editora Tudo!, “Carinho não pode ser segredo” tem ilustrações de Rita Silva e prefácio assinado por Luciana Temer, diretora do Instituto Liberta, organização de enfrentamento à violência sexual contra crianças. As orientações sobre como abordar o tema com as crianças são da psicóloga infantil, Marcela Ondei. “Mas ele é também um livro para cantar”, diz Elisa. Assim, um QR Code direciona o leitor para plataformas musicais. “Meu sonho é que ele invada as escolas e chegue ao maior número de pessoas possível.”
Em 2022, a artista plástica Elisa Bracher, fundadora do Instituto Acaia, projeto social de São Paulo com escola em tempo integral e ateliê, criou o canal no YouTube “Infâncias despedaçadas”. O objetivo era explicar as complexidades que rodeiam casos de abuso sexual infantil, falar sobre como cuidar das vítimas e dar voz a mulheres que propõem novos caminhos para o acolhimento das crianças e para combater esse tipo de crime. “Uma criança não deve se sentir sozinha nunca”, diz. “Foi então que criei o canal, para tentar evitar que novos abusos aconteçam e que essa cultura não se perpetue. Romper o silêncio já é algo enorme.”
Depois de relembrar as marcas da própria infância com um relato pessoal, Elisa entrevistou educadoras, professoras e profissionais da saúde e assistência social. Eles contam como produziram metodologias inovadoras para proteger crianças e adolescentes contra o abuso sexual em seus territórios (Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará). “É uma espécie de manual de sobrevivência, pois reúne e divulga estratégias e métodos que profissionais e sobreviventes desenvolveram com o tempo”, conta a artista.
O documentário “Apesar de” aborda a trajetória de Georgia, uma jovem escritora e artista circense que sofreu violência sexual na infância, dentro de casa. Embora o trauma tenha afetado sua infância, ela reuniu forças na arte para seguir em frente. E é com o nome do filme tatuado na pele que reconhece a necessidade de cuidar das crianças.
Além disso, há depoimentos de especialistas da proteção dos direitos das crianças e de saúde mental. Todos explicam as próprias estratégias para identificar e conter a violência sexual em um contexto familiar, quando a criança não consegue pedir ajuda.
“Queremos que os espectadores pensem o que estamos fazendo sobre isso e quais as políticas públicas queremos para proteger as crianças”, diz a diretora, Beatriz Prates. Segundo ela, o intuito foi “usar o cinema para falar de assuntos difíceis e para os quais não devemos fechar os olhos. É preciso conversar sobre eles nos lares, nas escolas e em toda a comunidade”. A produção, que ainda vai ser lançada, tem apoio institucional da Childhood Brasil, do Instituto Liberta e da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Voltado ao contexto das violências cometidas dentro de casa, o documentário “Um crime entre nós” estreou em 2020. A proposta é jogar luz para aquilo que ainda assim é considerado tabu na sociedade.
No longa, personalidades como a youtuber Jout Jout, o apresentador Luciano Huck, o médico Dráuzio Varella e a pesquisadora Gail Dines se juntam em uma investigação. Conforme as histórias se desenrolam com depoimetos de vítimas, educadores e psicólogos sobre o tema, o roteiro passeia por mundos reais e virtuais.
A produção da Maria Farinha Filmes foi idealizada pelo Instituto Alana e pelo Instituto Liberta.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Disque 100 recebeu mais de 17 mil denúncias de violações sexuais contra crianças e adolescentes só no primeiro semestre do ano passado. Em todo o país, a campanha Maio Laranja desenvolve ações para conscientizar as pessoas e combater o abuso e a exploração sexual infantil.