Exploração sexual de crianças não acontece só na Ilha do Marajó

Entre campanhas e notícias vindo à tona nas redes sociais, entenda a realidade da região e como a exploração sexual infantil é um problema no país inteiro

Célia Fernanda Lima Publicado em 23.02.2024
imagem ilustra matéria sobre os casos de exploração sexual no marajó e mostra uma paisagem ribeirinha, com crianças em uma canoa no meio de um rio e uma casa de madeira ao fundo.

Resumo

Após denúncias de exploração sexual de crianças na Ilha do Marajó circularem com o engajamento de famosos e influenciadores, organizações da região alertam para o risco de estigmatização da população local e esclarecem que o problema acontece em todo o país.

Esta semana, circularam nas redes sociais campanhas e denúncias sobre a exploração sexual de crianças na Ilha do Marajó, no Pará. Mas, com o engajamento de influenciadores e famosos que pediam ajuda para resolver a situação, organizações chamaram a atenção para a disseminação de notícias falsas e exageradas, que muitas vezes estigmatizam a região amazônica.

“A população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes”, diz, em nota pública, o Observatório do Marajó, uma organização de articulação sociocultural local. “Muito precisa ser feito para garantir dignidade a todas as crianças, de sul a norte do país. Precisamos de políticas públicas baseadas em evidências e saberes tradicionais. Não de mentiras, racismo, nem qualquer outra forma de violência.”

A apresentação da música “Evangelho de fariseus”, no reality show gospel “Dom”, narrou o desaparecimento de uma criança na Ilha do Marajó. Em seu discurso, a participante Aymeê Rocha comentou ainda sobre a pobreza, os abusos contra crianças e o tráfico de órgãos na região.

Para Diego Martins, pesquisador sobre a exploração sexual no Marajó e membro da Coalizão brasileira pelo fim da violência contra crianças e adolescentes, o conteúdo propagado pode prejudicar a região. Isso porque, “as cidades do Marajó são muito ricas em cultura, música, turismo e natureza. É preciso ter responsabilidade e muito cuidado com o que se comenta a respeito da localidade”. Segundo ele, os casos de violência sexual infantil “são um problema grave, urgente e antigo”.

Luciana Temer, diretora do Instituto Liberta, organização de enfrentamento à violência sexual contra crianças, chama a atenção para o fato de que “essa violência não está só no Marajó. Ela acontece no Brasil inteiro”. Mas, Temer diz, “quando se junta, na mesma fórmula, a vulnerabilidade social e a ausência do Estado e de políticas públicas, fica muito mais sério”. Por isso, defende a construção de políticas de proteção à infância.

Mas, o que realmente acontece no Marajó?

Diante desse cenário, o Lunetas listou as principais questões sobre o assunto, para entender melhor qual é a realidade do Marajó, como atuam as forças de combate à exploração sexual infantil na região e por que esse assunto é um problema em todo o país. As informações foram apuradas com o Observatório do Marajó e a Coalizão brasileira pelo fim da violência contra crianças e adolescentes.

Qual é a situação da exploração sexual de crianças na Ilha do Marajó?

O Marajó é um arquipélago no Pará, com 16 municípios e mais de 500 mil habitantes. Apesar da riqueza cultural e potencial turístico, os piores IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano do Município) estão na região. As denúncias de exploração sexual nos lugares mais pobres da ilha aparecem na mídia nacional desde 2006. Na época, o bispo emérito do Marajó, Dom José Luiz Azcona, apresentou uma denúncia formal ao Governo Federal. Em 2009, a CPI da Pedofilia também fez denúncias ao Congresso Nacional. Por se tratar de uma região ribeirinha, os crimes são cometidos em portos ou embarcações que chegam nos municípios. As denúncias formais são investigadas pelas autoridades locais, que realizam diversas operações e fiscalizações. O principal canal de denúncia é o Disque 100.

O que está sendo feito?

Atualmente, existem organizações locais que trabalham no combate e na prevenção da exploração sexual na região e outras pautas sociais, como o Marajó Vivo e o Fórum da Sociedade Civil do Marajó. Ano passado, o Governo Federal instalou o Programa Cidadania Marajó, coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Conforme o programa, o objetivo é desarticular redes de exploração, abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes. Já foram três fases de ouvidoria itinerante e diagnóstico, com o apoio da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério da Defesa e Secretaria de Segurança Pública do Pará.

Sobre o assunto, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disse que é importante “não associar imagens de vulnerabilidade socioeconômica ou do próprio modo de vida das populações do Marajó, em especial crianças e adolescentes, ao contexto de exploração sexual”. Além disso, reforçou que o problema na região é histórico. Porém, isso “não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada, porque serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais de uma população diversa e que necessita de políticas públicas estruturantes e eficientes”.

Leia também: Quando discursos políticos exploram a violência sexual infantil

Por que o assunto voltou à tona?

Após o compartilhamento da música e do discurso da participante do reality gospel “Dom”, uma série de pedidos de investigação e de apoio entre famosos e influenciadores se espalhou pelas redes sociais. Assim, representantes e organizações do Pará se pronunciaram sobre o assunto. Eles, então, alertaram para a estigmatização da região do Marajó e a circulação de imagens na internet sem comprovação. Do mesmo modo, ONGs e igrejas também aproveitaram para circular campanhas.

Qual é a situação da exploração sexual em todo o país?

Segundo a campanha Maio Laranja, de combate à exploração e ao abuso sexual infantil no Brasil, 500 mil crianças e adolescentes são vítimas desses crimes a cada ano. A maior parte (51%) tem entre um a cinco anos de idade. Foram 17,5 mil denúncias desse tipo no Disque 100 somente nos primeiros meses de 2023, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Dados do Ministério da Saúde apontam que 70,9% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos acontecem dentro de casa. Os agressores são, na maioria (68%), familiares ou conhecidos.

O documentário “Um crime entre nós” (2020) traz informações sobre exploração sexual infantil no Brasil, relatos de vítimas e opiniões de ativistas, educadores e psicólogos sobre o tema. Produzido pela Maria Farinha Filmes, foi idealizado pelo Instituto Alana e pelo Instituto Liberta.

Como se proteger, denunciar e ajudar

O principal canal para denunciar casos de exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é o Disque 100. A ligação é gratuita, a denúncia é anônima e o serviço funciona 24 horas, todos os dias da semana. Além disso, existe o atendimento via WhatsApp, no número (61) 99611-0100, e pelo site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos com videochamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras). As delegacias de polícia e os Conselhos Tutelares de cada município também recebem essas denúncias.

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