Histórias de mulheres que não puderam levar seus filhos no colo nos primeiros dias da vida materna, mas vivem cada vitória do desenvolvimento de seus bebês
Há mães que não podem sair da maternidade com seus bebês no colo: passam dias, semanas ou meses na UTI neonatal. Apesar do sofrimento, estas mulheres mostram que é possível encontrar força nas pequenas vitórias e amparo na rede formada pelos profissionais da saúde.
Suelen queria voltar para casa com os dois filhos nos braços. Fernanda tinha acabado de colocar no mundo a primeira filha, mas se viu sozinha. Simone sonha em apresentar a caçula aos irmãos. Pollyana já viveu tudo isso duas vezes, desconhece outra forma de iniciar a maternidade. Cada uma em uma circunstância, em lugares diferentes do país, com condições sociais distintas, essas mulheres guardam imagens semelhantes do pós-parto. Para elas, não houve troca de fraldas, uso do quarto novo, o primeiro banho ou até mesmo a amamentação com o colostro. Os primeiros dias da vida materna foram dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.
Os planos da maternidade não costumam contemplar a realidade de sair do hospital sem o bebê ou de ver o pequeno muitas vezes somente através de um vidro, mas vários motivos podem levar a essa situação. Estima-se, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que uma em cada 10 crianças nascidas irá necessitar de ventilação mecânica; uma em cada 100, de intubação; e até duas em cada mil, de massagem e uso de medicamentos. Isso pode acontecer por prematuridade – quando o nascimento ocorre antes das 37 semanas – ou por malformações, síndromes e outras questões fisiológicas.
Antes da década de 1980, levar uma bebê para a UTI significava limitar o contato com mães e pais, lembra a médica Geisy Lima, consultora nacional do Método Canguru do Ministério da Saúde e coordenadora da Unidade Neonatal do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). “No início das UTIs neonatais, os pais tinham horário de visita e, em alguns casos, nem podiam entrar, mas isso foi mudando”, explica.
“Hoje há um entendimento científico de que os pais não podem ser considerados visitas, eles são parte do tratamento e da evolução dos bebês”
A presença dos pais dentro das UTIs faz parte de uma estratégia de atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso, conhecida como método canguru, normatizada pela portaria nº 693/00, do Ministério da Saúde. “Se o bebê está estável, mantendo os padrões fisiológicos, dentro da sua gravidade, ele deve sair da incubadora todo dia e ficar em contato pele a pele com a mãe”, explica Geisy Lima.
Para os prematuros, a presença materna aumenta as chances de amamentação após a alta, diminui o risco de infecção hospitalar, melhora a qualidade de sono do bebê e amplia os estímulos. Para os bebês a termo, ou seja, que nascem nos nove meses, também há benefícios.
A mãe pode participar dos cuidados, trocar fraldas, segurar a sonda, ajudar na coleta de sangue, entre outras ações. Estar em uma UTI neonatal com os filhos, entretanto, é um desafio. Há uma mudança completa de vida, uma adaptação física e mental, dos sonhos às rotinas, como relatam Suelen, Fernanda, Simone e Pollyana.
A babá Simone Silva, 26, precisou fazer uma mudança de endereço urgente quando sua terceira filha, Isabel, nasceu, com 37 semanas de gestação: ela trocou o conforto da própria casa por uma vida dentro do hospital. A gravidez vinha tranquila até a família descobrir uma malformação no fêmur e estreitamento no tórax do feto. “Quando viram que os batimentos do coração dela estavam diminuindo, foi preciso fazer uma cirurgia às pressas”, conta Simone, que teve a filha no Imip, hospital público referência em atendimento materno-infantil em Pernambuco.
Lá é permitido o trânsito livre de mães e pais dentro da UTI neonatal, contudo, a família morava em uma cidade vizinha, Jaboatão dos Guararapes. Para acompanhar a evolução diária da filha, Simone foi morar na Casa das Mães, um alojamento dentro do hospital que abriga 28 mulheres do Grande Recife e do interior que estão com bebês na UTI. “Aqui eu posso acompanhá-la, observá-la e tirar o leite do peito a cada três horas para dar à minha filha. Não imagino como seria longe dela”, conta Simone.
Simone entra e sai da UTI mais de cinco vezes por dia. Sempre aproveita para conversar com a filha, pegá-la no braço e cantar. “Quando canto, ela fica me procurando, às vezes, dá uma risadinha, como se estivesse gostando, sentindo meu carinho. Isso me dá esperança”, conta Simone, que não vê a hora de levar Isabel para casa e conhecer os irmãos. A menina está há dois meses na UTI e aguarda uma cirurgia na tireoide. “Tem sido difícil, meus outros filhos ligam bastante. Fico aflita, mas eu estou aqui pelo bem dela”, conclui.
Ser mãe em uma UTI não tem data definida para término. Pode demorar dias ou meses, a depender do diagnóstico e do prognóstico do bebê. A auxiliar de laboratório Suelen Souza, 28, já está há cinco meses em uma jornada dupla. Depois de uma gravidez complexa, com intercorrências, ela deu à luz aos gêmeos Luiz e Heitor. O primeiro voltou para casa com ela. O segundo precisou ser internado.
Heitor não estava mais se desenvolvendo dentro da barriga, então foi preciso interromper a gravidez nas 36 semanas e seis dias.
“Eu não consegui aproveitar tudo aquilo que dizem que é lindo da gravidez. Fiquei nervosa do início ao fim”
Ao nascer, Heitor começou a vomitar com frequência. Foi levado para a UTI. “O diagnóstico é que ele tinha uma malformação no intestino e que precisaria de cirurgia. Fizeram seis já”, conta Suelen.
Com um filho no hospital e outro fora, ela precisou mudar a vida toda para viver a maternidade. No início, pela manhã, ficava com Luiz em casa. Deixava a criança alimentada e de banho tomado com a sogra, pegava o carro e seguia para outra cidade, onde Heitor estava no hospital, para passar o resto do dia com o prematuro. Ficava lá até às nove horas da noite. “Era bem cansativo, mas pelo menos eu conseguia vê-lo. Antes, por causa da condição de saúde dele, eram apenas nos horários de visita, três vezes por dia”, lembra.
Falar da rotina leva Suelen às lágrimas, sobretudo ao comparar as duas experiências paralelas de maternidade. “Não vi Heitor comer pela primeira vez, não estava quando meu filho começou a sorrir. A gente perde muita coisa. Meu filho interage mais com a enfermeira que passa o turno com ele do que comigo, que só vejo durante duas horas por dia. É difícil ver ele não querer o meu colo”, lamenta. Atualmente, Heitor foi transferido da UTI para um quarto, em outro hospital, onde Suelen alterna os dias de cuidado entre ele e Luiz.
Por isso, para muitas famílias com bebês em UTI, o mais desafiador é lidar com o psicológico. De acordo com uma pesquisa da ONG Bliss, do Reino Unido, 23% dos pais e mães de UTI desenvolvem ansiedade, 16%, estresse pós-traumático, e 14%, depressão pós-parto.
“Ninguém prepara a gente para ser mãe em uma UTI, é muito desgastante. É difícil voltar para casa e deixar meu filho lá. Não deveria ser assim”
Para lidar com a experiência de deixar o filho em uma UTI, Suelen se ampara na qualidade da equipe de saúde. “As enfermeiras são muito queridas com a gente, dão todo o suporte. Isso faz uma diferença grande, estão sempre acessíveis para explicar detalhes, os termos técnicos e tudo o que está acontecendo”.
O acompanhamento da equipe de saúde é determinante, pois as famílias precisam aprender um vocabulário médico novo e se sentirem seguras. A segurança, por outro lado, também pode vir do apoio familiar, é o que a analista de importação Fernanda Farias, 33, de Curitiba (PR), aprendeu ao ser mãe em uma UTI duas vezes.
A primeira experiência aconteceu há 10 anos, depois de uma gravidez não planejada e com um agravante, Fernanda era mãe-solo. “Eu não tinha noção do que era um bebê prematuro até eu me deparar com minha filha nascendo e indo para uma UTI. Ela precisou ficar no hospital para aprender a respirar, mamar e ganhar peso”, conta. Fernanda passou um mês com a filha na UTI neonatal.
Naquela época, não era permitido ficar o tempo todo dentro da unidade, então passava o dia entre a casa de um parente próximo e os bancos da recepção hospitalar. “Eu estava começando a minha vida profissional e me vi sozinha, triste. A ficha demorou a cair e foi bem complicado enfrentar tudo isso sem saber nada da vida”, conta, ainda emocionada ao lembrar. Apesar de não ter o pai da criança por perto, ela contava com outros integrantes da família.
Fernanda ficava das 8h às 22h30 no hospital, esperando a hora da visita. Passava de 30 a 40 minutos com a filha, a cada chance de poder entrar para vê-la. Quando a menina começou a amamentar, o tempo juntas aumentou para duas horas.
Há três anos, foi surpreendida e precisou voltar novamente à UTI. Dessa vez, depois de uma gravidez de gêmeos. Uma das crianças teve restrição de crescimento e o parto precisou ser feito com 30 semanas. Por um lado, os problemas de saúde do bebê eram mais graves. Por outro, a presença paterna ajudou no enfrentamento. “Eu tinha muito conforto do meu marido e apoio psicológico dentro do hospital, diferente de quando minha filha nasceu.” Foram três meses na UTI.
Vinícius só tinha que ganhar peso, mas o irmão Bruno enfrentava um quadro mais grave. Com problemas nos rins e no coração, precisou de cirurgia. Acabou contraindo uma infecção e faleceu uma semana depois que Vinícius deixou a UTI. “É muito difícil comemorar por um e ao mesmo tempo ficar triste por outro. Porém, com minha filha, eu me sentia distante e impotente. Com eles, eu sabia que podia estar lá sempre. Dá uma segurança.”
Fernanda acredita que nenhuma família está preparada para viver a experiência de uma UTI neonatal. Lá, cada etapa do desenvolvimento é celebrada. “Se a criança ganha 30 gramas, se consegue fazer xixi, se não tem infecção”, conta.
“Nossa maior dificuldade é sentir impotência. Mas são pequenas vitórias, todos os dias”
Ela está grávida de mais um filho e, desta vez, espera não viver a UTI novamente. “Eu nunca tive a experiência de sair com um bebê da maternidade, mas agora tudo está se encaminhando para acontecer assim.”
Ainda que a experiência da UTI fique no passado, as lembranças estão sempre presentes. Fernanda ainda se emociona várias vezes ao recordar. Ela faz parte de um grupo de mães no Facebook, onde compartilha a experiência com outras mulheres que vivem ou viveram a mesma situação. Elas são um reflexo de que você pode sair da UTI, mas nem sempre ela sairá de você. A vivência marca a maternidade de uma forma única, é o que diz a empreendedora Pollyana Santos, 40, que também tem duas experiências de UTI neonatal.
A primeira delas aconteceu há seis anos, depois da gestação do primeiro filho. O bebê nasceu com oito meses e foi internado por não conseguir respirar sozinho. Foram 13 dias de agonia. “Os mais longos da minha vida. Não queria ter alta e deixar meu filho no hospital”, lembra. Pollyana define o ambiente de UTI como “fragilizante”, pela experiência conjunta com outras famílias.
“Você está ali todo dia, com outras mães e outras histórias. Você não se sensibiliza só com o seu filho, mas com os outros bebês também”
Os piores momentos aconteciam quando havia alguma intercorrência na UTI. “De repente, pediam para todo mundo sair. Era uma criança que teve uma parada cardíaca ou que chegou a óbito. Ao mesmo tempo, vê uma criança recebendo alta, outra melhorando.” Na primeira experiência, Pollyana chegava de manhã no hospital e só saía 12 horas depois.
“O dia da alta foi uma das notícias mais extraordinárias da minha vida”
A segunda experiência de Pollyana aconteceu há três anos, com o segundo filho. Desta vez, o período na UTI neonatal foi menor. O bebê também precisou de ventilação mecânica, mas somente por quatro dias. Para ela, um dos momentos mais bonitos dessas duas vivências foi a primeira vez em que pôde segurar o bebê no colo. “Em uma delas, uma profissional me ajudou. Foi lindo, pois eu precisava daquele amparo. Só quem é mãe em uma UTI entende esse sentimento.”
Apesar de tudo, Pollyana tem lembranças positivas dessas experiências. E que isso se deve, em muito, pela acolhida que teve. “A equipe que acompanha seu filho conta muito. Não só porque cuida dele, mas porque te dá um amparo emocional. Eu só tive anjos que cercaram meus filhos e a mim”, diz ela, que hoje é só alegria com os filhos crescidos e saudáveis.
O artigo 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que as unidades neonatais devem proporcionar condições para permanência de um dos pais ou responsável em tempo integral, em caso de internação do bebê.
O Ministério da Saúde, por meio da portaria que orienta a implementação do Método Canguru, estabelece que deve ocorrer o livre acesso de mãe e pai nas UTI de unidades de saúde que adotam essa metodologia, incluindo o contato do bebê pele a pele com mãe ou responsável por, no mínimo, uma hora por dia.
A portaria do Método Canguru também estabelece que, caso a mãe precise voltar ao domicílio, deve ser ofertado a ela auxílio transporte para ida diária à unidade hospitalar; refeições durante a permanência diurna na unidade (lanche pela manhã, almoço e lanche à tarde); espaço adequado para a permanência, que permita descanso; e livre acesso do pai à unidade.
Desde 2020, após decisão do Superior Tribunal Federal (STF), a licença-maternidade de mães de bebês prematuros que precisam de internação só começará a contar após a criança e a mulher receberem alta hospitalar.
De acordo com a portaria do Método Canguru, são atribuições da equipe de saúde: oferecer suporte emocional e estimular os pais em todos os momentos, encorajar o aleitamento materno e desenvolver atividades recreativas para as mães durante o período de permanência hospitalar.
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Nestes casos, o bebê deve ficar, pelo menos, uma hora no contato pele a pele. Quanto mais tempo ficar, melhor. Essa manobra só pode ser feita pelo pai ou pela mãe. Em caso de óbito materno, o contato deve ser feito pelo adulto que ficará responsável pelo bebê.