Mães na quarentena: experiências particulares e emoções comuns

Como foram os primeiros 40 dias da quarentena para 40 mães? Elas compartilham experiências e sentimentos sobre como a pandemia impactou suas rotinas

Laís Barros Martins Publicado em 03.05.2021
Mães na quarentena: De cima, a foto registra uma mãe lendo um livro para seus dois filhos. Cada criança está sentada de um lado do sofá e a mulher no meio segurando o livro.
OUVIR

Resumo

Relatos particulares de mães durante os primeiros dias de quarentena tocam naquilo que temos em comum: a humanidade frente a uma crise sanitária sem precedentes.

A partir de perspectivas particulares e vivências singulares, uma coletânea reúne textos escritos por 40 mulheres sobre como atravessaram os primeiros 40 dias da quarentena. Ao relatarem o impacto do confinamento e do isolamento social na maternidade maternidade na rotina de suas famílias, o livro “Mães na quarentena” (Editora Timo) torna-se um canal de expressão para a voz singular de mulheres reais ao mesmo tempo em que evidencia a carga de humanidade em comum, capaz de afetar e gerar identificação em outras mulheres, apesar das diferenças entre si.

As histórias privilegiam essa diversidade. São mulheres de diferentes idades, profissões, orientação sexual, cor de pele e condições socioeconômicas distintas vindas de várias partes do Brasil, de brasileiras que moram fora do país, de avós, de momentos diferentes da maternidade, com filhos pequenos ou já crescidos, mães famosas e anônimas, mães solo, mães pretas, mães no grupo de risco ou com filhos no grupo de risco, mães de filhos com deficiência, mães profissionais de saúde, mães professoras, mães ativistas, mães que não puderam fazer isolamento.

Todas elas estão “unidas pela enorme responsabilidade de gestar e cuidar e pelo peso de proteger a família de uma ameaça invisível, porém tangível – não só do vírus e da doença, mas do caos e da incerteza”, escreve a editora Ana Basaglia, mãe do Roberto, da Beatrice e da Gabriela, que idealizou o projeto junto de Clarissa Oliveira, mãe do Martin, que em maio próximo completaria 6 anos.

A quarentena como um intenso puerpério

Na apresentação, Ana escreve sobre as correlações entre esse “novo estado das coisas imposto a toda a população” e o puerpério, período de 45 a 60 dias vivenciado, em maior ou menor grau, pelas mães após o parto. Para Clarissa, trata-se de um período de “transformação intensa, marcada por solidão, medo e cansaço (entre sentimentos mais positivos que, na quarentena, inexistem, infelizmente).”

Além disso, mães acumulam camadas adicionais de pressão e sobrecarga, pois “muitas ações acabam sendo cobradas delas, só delas, ou mais delas”. Muitas mães viram as escolas e creches fecharem, o seu trabalho passou a ser remoto, as crianças em casa sem poder brincar ao ar livre, enquanto outras, por trabalharem na área de saúde, tiveram que se afastar dos seus filhos. Elas acabam assumindo mais papéis (muitos deles invisibilizados), sem o direito de surtar ou se trancar num quarto para respirar um pouco sozinhas, apesar de todo o avanço do feminismo, escrevem as editoras.

“Quando nos forçou a ficar no lugar que sempre disseram que era nosso por natureza”, segue a dupla, “o coronavírus colocou um holofote nas desigualdades da nossa sociedade, marcada pelo machismo, pelo racismo estrutural, pela necropolítica, pela polarização”. Nesse sentido, o livro “Mães na quarentena” pode ser lido “como uma ponte para atravessarmos esse momento difícil e chegarmos onde queremos, coletivamente”.

Pergunte a uma mãe como ela se sente

Entre as mulheres que aceitaram participar desse processo transformador que a escrita nos propõe, destacamos relatos de mães que você deve conhecer um pouquinho, mas que agora poderá acessar mais da intimidade de suas vivências individuais e coletivas, reflexões, aprendizados e sentimentos.

Leia a seguir trechos dos depoimentos da chef de cozinha Bela Gil, da política Manuela D’Ávila e da jornalista Rita Lisauskas:

  • Bela Gil, mãe da Flor e do Nino

“Essa quarentena trouxe uma oportunidade real e prática para que todos, homens e mulheres, amigos e familiares pudessem enxergar a maternidade não só como uma fonte de satisfação e amor infinito, mas também de trabalho infinito. Nesse período, tenho aprendido a me despir da culpa de não querer ou poder dar conta de tudo e me permitido muitos outros escorregões que deixaram a quarentena mais leve e saudável. Aprendi a prestar mais atenção em quem está ao meu lado. Aprendi que como nós adultos, as crianças também têm suas questões. Ter uma pré-adolescente e um menino super ativo e incansável em casa é uma lição de resistência, paciência e resiliência. Estamos todos aprendendo, mas o melhor é que estamos juntos” [depoimento editado].

  • Manuela D’Ávila, mãe da Laura e madrasta do Guilherme

“As flores estão mais bonitas. Elas gostam da nossa presença em casa. Gui parece ter nascido na quarentena, adolescente, reage a tudo com tranquilidade e dorme, conversa com os amigos, come. Ele aprendeu a tocar baixo sozinho e parece ter encontrado uma das paixões de sua vida no instrumento. Laura já desejou nascer antes para ter vivido mais tempo livre do coronavírus. Ela também já fez uma lista com a ordem cronológica dos nascimentos e mortes de todas as pessoas da família. Nós montamos uma cidade para as Barbies com materiais reciclados. Todo o resíduo tem sido transformado em algo bonito, parece a tradução do que estamos vivendo no planeta: o esforço para transformar em ensinamento algo pavoroso. As flores estão mais bonitas porque gostam da nossa presença. Talvez elas saibam que nós estamos lutando muito para sermos o melhor que podemos ser. E que esse é o único caminho para que todos nos salvemos” [depoimento editado].

  • Rita Lisauskas, mãe do Samuel

“A vida sempre nos impôs pressa e ensinamos essa urgência para os nossos filhos, mesmo sem perceber. Puxamos as crianças pela mão, obrigando que apertem o passo e deixem as pequenas descobertas e prazeres do dia a dia de lado. Só que desde que o coronavírus nos trancafiou em casa, jogou a chave e o relógio fora, e nos presenteou com dias que são exatamente iguais aos de ontem e idênticos aos de amanhã, não temos mais por que correr com eles. Ir para onde? Uma freada brusca pode não ser a forma mais confortável de parar, mas é a única alternativa quando a morte surge de repente e é avistada a poucos metros do para-brisa. Mesmo nessa nova realidade, parte do mundo quer manter a roda girando como garantia de que daqui a pouco, ‘quando tudo isso passar’, poderemos retomar a vida do ponto exato de onde paramos. Dia desses eu mesma cortei o cabelo do meu filho enquanto ele fantasiava que quando voltar à escola os amigos estarão todos muito diferentes. Brincamos dizendo que eles vão ter de se reapresentar uns aos outros, como naquelas reuniões de ex-amigos do colégio onde a gente até reconhece os rostos, mas não lembra o nome de ninguém. Não temos mais por que ter pressa” [depoimento editado].

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS